Parkinson: quando as rugas da pele são um sintoma precoce da doença
Estudo inédito liderado por cientistas brasileiros identificou a relação
Rugas e perda de viço da pele podem revelar bem mais do que sinais de envelhecimento. Um novo estudo sugere que seriam um indicador visível da presença de depósitos anômalos de proteínas já associados a doenças neurodegenerativas, em especial, o Parkinson.
Realizado por cientistas brasileiros e publicado na revista científica Neurobiology of Aging, o estudo abre mais do que janelas, mas um portal de possibilidades para a compreensão do envelhecimento e de formas para diagnosticar e tratar doenças neurodegenerativas, hoje sem cura.
Ainda no campo da hipótese, o trabalho lança bases para se imaginar, por exemplo, o desenvolvimento de um creme para a pele que possa não apenas retardar e amenizar os sinais de envelhecimento, mas também prevenir ou tratar doenças que atacam o cérebro. Pois, os sinais na pele antecederiam o avanço de distúrbios para o sistema nervoso central.
"A nova pesquisa se soma a trabalhos internacionais recentes, que propõe uma nova compreensão sobre o envelhecimento e as doenças neurodegenerativas ligadas a ele, como os males de Parkinson e Alzheimer", afirma o neurocientista Stevens Rehen, um dos autores do estudo e pesquisador do Departamento de Genética do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR).
A pele de qualquer pessoa definha à medida que se envelhece, mas nem todo mundo terá doenças neurodegenerativas na velhice. Porém, a ciência começa a reunir pistas sobre os fatores que fazem a diferença entre doença e envelhecimento saudável. Os agregados de determinadas proteínas estão logo à frente na lista de culpados.
O estudo investigou o que acontece com a pele quando exposta a agregados, ou seja, depósitos, de uma proteína chamada alfa-sinucleína. Esses agregados de alfa-sinucleína formam as fibras que matam os neurônios produtores de dopamina de pacientes com mal de Parkinson, levando a tremores e problemas motores característicos da doença.
Já se sabia que eles existem na pele de pessoas com Parkinson. Mas não como eles afetam a pele de forma geral. Em condições normais, a alfa-sinucleína é uma proteína importante para as sinapses, a conversa entre os neurônios. Por motivos desconhecidos, ela pode começar a se agregar. Nesse momento, ela se torna tóxica.
"O que fizemos foi ‘desafiar’ um modelo de pele humana com agregados de alfa-sinucleína e o que vimos nos impressionou", explica a neurocientista Júlia Oliveira, pesquisadora do IDOR e primeira autora do estudo, realizado em parceria com a UFRJ e a L’Oreal.
Eles viram a pele envelhecer sob a lente do microscópio. Os cientistas usaram um organoide, uma espécie de “minipele” desenvolvida em laboratório, mas que tem a estrutura da epiderme (a camada superficial) da pele humana. A minipele foi exposta aos agregados de alfa-sinucleína e os pesquisadores observaram que os queratinócitos, as principais células da epiderme humana, passaram a proliferar menos.
Os queratinócitos normalmente têm intensa proliferação, pois são eles que renovam e mantém saudável a pele. Porém, uma vez expostos aos agregados, eles começaram a degenerar. Isso porque os agregados deflagram uma violenta resposta inflamatória do sistema de defesa do organismo.
O sistema imunológico tenta, mas não consegue atacar os agregados. Eles são muito grandes para serem engolidos por células de defesa especializadas e resistentes a todas as enzimas que dissolvem estruturas nocivas, explica Debora Foguel, também autora do estudo e professora titular do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ. O ataque imune fracassado acaba por levar à uma reação inflamatória descontrolada. Com isso, a pele se torna mais fina e imperfeita.
"É a mesma coisa que acontece no envelhecimento", observa Oliveira.
As mudanças na pele podem ser um sinal de alerta antes que os agregados cheguem e se estabeleçam no cérebro. Normalmente, os sinais clínicos das doenças neurodegenerativas só se tornam perceptíveis quando o estrago já está feito no cérebro, observa Foguel.
Como essas proteínas anômalas se acumulam lentamente, à medida que envelhecemos, detectá-las precocemente ainda na pele pode se tornar um instrumento de diagnóstico poderoso para a medicina.
"Será que intervenções na pele podem vir a aliviar a progressão de doenças neurodegenerativas? É o que queremos investigar", salienta Rehen.
O cérebro, que se considerava a origem e o alvo dessas doenças, pode ser apenas o derradeiro destino de um processo iniciado em outras partes do corpo, como a pele e o intestino, onde esses agregados também já foram encontrados em pacientes com Parkinson. Em vez de neurodegenerativas, seriam doenças sistêmicas, isto é, que afetam numerosas partes do corpo.
"Talvez não existam propriamente doenças neurodegenerativas, mas sim doenças sistêmicas provocadas pelo acúmulo de proteínas", diz Foguel.
Parkinson, Alzheimer e uma série de outras doenças neurodegenerativas são causadas pelo acúmulo de depósitos de proteínas. Elas se agregam e formam fibras chamadas de amiloides. Pelo menos 30 proteínas podem formar fibras amiloides associadas a doenças. Os exemplos mais conhecidos são alfa-sinucleína (Parkinson), beta-amiloide (Alzheimer) e príon (mal da vaca louca).
"Uma hipótese interessante que nosso artigo levanta é se esses agregados de alfa-sinucleína seriam capazes de serem transferidos da pele para neurônios periféricos e de lá até o cérebro, contribuindo para o avanço da doença. Um processo semelhante poderia ocorrer com os agregados do mal de Alzheimer", acrescenta Rehen.
A ciência ainda não compreende a complexa linguagem de sinais bioquímicos entre a pele e o cérebro. Mas já descobriu que, no ambiente controlado de laboratório, é possível amenizar o avanço da degeneração provocada pelos agregados ao controlar a inflamação.
Os pesquisadores também querem identificar que motivos fazem proteínas se tornarem nocivas. No caso da pele, a radiação ultravioleta é a candidata mais óbvia por alterar o DNA e a expressão das proteínas, mas não está sozinha.
"Os agregados vão se juntando ao longo da vida. Obesidade, que é inflamatória; infecções virais; dermatites, há numerosas condições que podem influenciar", afirma a neurocientista Marília Zaluar Guimarães, do IDOR e do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, que também participou do estudo.
"Os agregados aceleram a degeneração da pele, não apenas de quem tem mal de Parkinson. Não se sabe o quão frequentes são. Porém, podemos vislumbrar formas de cuidar melhor da pele ao tratá-los", enfatiza Júlia Oliveira.