Recife e Olinda comemoram aniversário; especialistas comentam a data
Cidades-irmãs completam, respectivamente, 485 e 487 anos.
“Eu vi o mundo e ele começava no Recife”, a famosa frase do artista Cícero Dias virou marca de uma cidade que se faz histórica. “Olinda é só para os olhos, não se apalpa, é só desejo. Ninguém diz: é lá que eu moro. Diz somente: é lá que eu vejo”. Os versos de Carlos Pena Filho refletem a beleza vista a partir dos olhos de quem enxerga “Óh! Linda”.
Neste sábado (12), as cidades-irmãs completam, respectivamente, 485 e 487 anos. Quase cinco séculos de história, marcados por conquistas, disputas, cultura e revoluções.
Duas cidades singulares mas com semelhanças. Juntas, ajudam a construir as expressões culturais, artísticas e identitárias que compõem Pernambuco e, por que não, o País.
“Pernambuco é um estado muito grande, com variações culturais, contextos regionais, locais, muito diversos, até pela própria configuração do território, que se estende de leste a oeste. Recife e Olinda são muito associadas a essa identidade do Estado, são duas das cidades mais antigas, junto a Igarassu, a região de primeira ocupação, não só do Estado mas do Brasil, pois foi por onde o Brasil começou”, destacou Cristiano Borba, pesquisador em Cidades e Cultura Contemporânea da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj).
A multiculturalidade são marcas dos dois municípios. “Há espíritos distintos entre uma cidade e outra. Mas mesmo dentro de cada uma delas você vai ter outros vários espíritos, outras várias identidades, outras várias microculturas, hábitos de identificação com determinados territórios”, explicou.
E há intercâmbio entre as diferentes expressões culturais, mesclando, por exemplo, música e arte visual. “Em certos momentos alguns grupos disseram: vamos juntar pessoas, vamos juntar coisas que estão sendo feitas em lugares diferentes para conversar e fazer junto. Talvez a maior expressão disso tenha sido o que se convencionou a chamar de Cena Mangue, no começo dos anos 90”, lembrou.
“E há referências musicais mas também visuais. Maracatu é música mas também tem uma identidade visual, seja um caboclo de lança, seja o cortejo entre maracatus-nação. O frevo tem a sua identidade visual também, as cores”, completou.
Segundo o pesquisador, o orgulho de pertencer às duas cidades também é fruto de políticas governamentais que incentivaram, inclusive, a valorização de símbolos estaduais, como a bandeira e o Hino de Pernambuco.
“Houve um lado espontâneo, havia a inquietação de grupos mais alternativos, do universo mais independente, mas houve uma intenção também governamental de usar esses símbolos estaduais nesse processo de construção de uma identidade urbana em Recife e Olinda. É inegável que todo esse processo de autopercepção de riqueza natural, de diversidade cultural, e de política pública de valorização dos símbolos locais, misturado com isso tudo, criou esse orgulho de ser pernambucano, mas por ter todo esse estereótipo recifense, olindense”, analisou.
Relevância histórica
O historiador e escritor Leonardo Dantas, autor de obras históricas sobre Pernambuco e o Nordeste, relembra a relevância da atual capital do Estado durante a época das capitanias hereditárias.
“Era o Recife um porto por excelência, o de maior movimento da América Portuguesa, escoadouro principal das riquezas da mais promissora de todas as capitanias: Pernambuco. Tal riqueza logo veio se tornar conhecida em todos os portos do Velho Mundo”, contou.
Ao longo da história, as duas cidades disputaram o protagonismo regional. Olinda, primeira Vila e capital. Recife, crescendo e desenvolvendo o comércio, com os chamados mascates, em áreas ainda hoje conhecidas no Estado.
“Cresceu o centro econômico da capitania reunindo no Recife um grande comércio, responsável pelo abastecimento de toda região. A então Vila estava circunscrita às freguesias de São Pedro Gonçalves e Santo Antônio, área compreendida pelos atuais bairros do Recife, Santo Antônio e São José”, lembrou Dantas.
“Através do Recife eram exportados o açúcar, o fumo, as peles, o algodão, o pau-brasil e outras riquezas produzidas pelas capitanias do Norte. Em contrapartida, ingressavam pelo mesmo porto a maior parte dos bens consumidos, não somente no Recife e Olinda como nas mais remotas comunidades rurais”, acrescentou.
Para o pesquisador, a geografia da Cidade faz parte do afeto e das belezas que compõem a região. “O Recife tem seu centro urbano constituído por três ilhas: a do Recife, a de Santo Antônio e a da Boa Vista, as quais se interligam com o continente, através de pontes que são como braços a unir toda a cidade. A sua condição de planície tropical, refrescada pelos ventos alísios que nos chegam do Atlântico, sem registro de grandes temperaturas, estiada na maior parte do ano, com o eterno fascínio das praias de água morna, transforma a capital de Pernambuco num eterno convite para passeios a pé, nos quais o caminhante ganha as ruas sem maiores compromissos, gozando do cenário de suas pontes e da beleza dos seus monumentos”, comentou.
Força política
Os aspectos políticos também fazem parte da história das duas cidades. Como explica a cientista política Priscila Lapa, os municípios reúnem acontecimentos do presente e do passado, tecendo uma base histórica importante tanto local quanto nacionalmente.
“São duas cidades com muito peso histórico e com relevância política e cultural. A agenda do desenvolvimento local e regional passa, de certa forma, pelo Recife e seu entorno”, disse.
As cidades, reforça, também possuem suas dualidades. “Recife tem um perfil socioeconômico muito próprio: muita riqueza mal distribuída, mas um senso de pertencimento, cultural, muito próprio. É um orgulho de origem que perpassa as diversas camadas da sociedade. Assim como Olinda, mistura passado e presente gerando um perfil político muito aguerrido. Têm um quê de conservadorismo, mas que convive ao mesmo tempo com muita efervescência cultural, que sinaliza para rompimento de padrões”, pontuou.
Economia e criatividade
O economista e professor universitário Werson Kaval destaca que ambas as cidades são vetores do desenvolvimento econômico regional e nacional.
“Recife e Olinda fazem parte de um contexto histórico e cultural não só do Estado mas principalmente do País. É interessante porque são cidades que vivem basicamente do setor terciário, de comércio e serviços, mas que geram uma economia de turismo que é muito benéfica para o Estado. A importância é justamente na geração de riqueza, pelo fator histórico, pelo valor cultural, da própria economia criativa, que as duas cidades são riquíssimas nesse quesito”, avaliou.
“E quando a gente fala de economia criativa, estamos falando de artesanato mas também de criatividade em múltiplas atividades que dependem desse requisito, por exemplo o próprio nascimento de startups, de empresas de softwares, como a gente tem o Porto Digital, são exemplos de segmentos que estão inseridos nessa cadeia que é a economia criativa. Parece até contraditório a tecnologia se juntar com o aspecto cultural, mas a economia criativa é isso também e tem ganho muito espaço”, completou.
Como explica Kaval, o fator cultural tem grande peso na economia. “São estados fortes, não só comercialmente mas de um povo que tem uma cultura muito arraigada. Olinda, por exemplo, culturalmente é uma daquelas cidades que todo mundo quer conhecer, quer visitar pelo menos uma vez na vida. O Carnaval também tem esse potencial turístico e é importante para a economia, movimenta a cidade e o estado e tem projeção nacional”, disse.
A localização das cidades também atrai o setor empresarial: “Recife é um grande centro, atrai um turismo de negócios muito grande. A maioria das empresas que têm renome tanto nacional quanto internacional estão presentes aqui. E as duas cidades estão localizadas de forma estratégica dentro do Nordeste, isso facilita a distribuição logística de itens de produtos, principalmente em um momento onde o e-commerce está muito forte”.
Apesar das projeções reduzidas, a expectativa é de que a economia, ainda que de forma moderada, volte a crescer. “Essas cidades aqui do estado, as principais, mais de 90% dos negócios são realizados por pequenas empresas, que são os microempreendedores individuais, até empresas que faturam 4 milhões e 800 mil, e foram os negócios que foram os mais prejudicados com a pandemia. Mas considerando as flexibilizações, a população voltando a interagir, a volta do turismo, eu entendo que deve haver uma melhoria significativa na economia, uma alavancagem nos próximos meses”, analisou.
Celebrações de aniversário
Para comemorar os respectivos aniversários, as Prefeituras do Recife e de Olinda prepararam programação especial neste fim de semana (veja os detalhes no infográfico).
Na capital pernambucana, a grade de eventos inclui visitações por áreas históricas, shows e inauguração de espaços culturais. Segundo a prefeitura, as ações, que são gratuitas, serão promovidas de forma descentralizada, em diversas áreas da Cidade, em respeito aos protocolos sanitários de enfrentamento à Covid-19.
Em Olinda, a programação inclui a celebração, neste sábado, às 8h30, da Missa em Ação de Graças, realizada na Catedral Metropolitana do Santíssimo Salvador (Sé de Olinda), com homenagens à Guarda Municipal, a Senhora Zeinha, considerada a tapioqueira mais antiga, e ao professor e historiador George Cabral.
Em seguida, no Palácio dos Governadores, sede do governo municipal, haverá ações simbólicas e restritas a convidados. De acordo com a prefeitura, os eventos não serão abertos ao público para evitar aglomerações, em razão das ações de combate à pandemia.