Revolta

Caso Marielle: filha, irmã e única sobrevivente do crime falam sobre os quatro anos sem respostas

A vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes foram mortos numa emboscada em 14 de março de 2018

Marielle Franco foi assassinada em 2018 - Guilherme Cunha/Alerj

Os assassinatos da vereadora Marielle Franco (Psol) e do motorista Anderson Gomes completam quatro anos nesta segunda-feira (14). Parentes e amigos continuam sem resposta para uma pergunta: "Quem mandou matar Marielle?". O questionamento foi exibido, mais uma vez, numa faixa estendida em frente ao Palácio Pedro Ernesto, sede da Câmara Municipal, durante uma manifestação. O ato, em memória à vereadora e ao motorista, também cobra soluções das autoridades.

São quatro anos de angústia, dúvidas e esforços. Parentes da parlamentar e a sobrevivente Fernanda Chaves contam a dor de completarem mais um ano sem terem acesso às investigações sobre o caso e falam das poucas reuniões que conseguem com as autoridades, após insistências, para tratar sobre o andamento da apuração. A família de Marielle tem acompanhado de perto as investigações, o que inclui o troca-troca no comando. Em fevereiro, houve mais uma mudança, quando o delegado Alexandre Herdy foi nomeado como novo titular da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), responsável pela apuração.

Um dos desafios tem sido manter viva a memória da vereadora e lidar com os percauços durante o percurso em busca de uma solução, conta a irmã da parlamentar, Anielle Franco. Das poucas respostas até o momento, as investigações chegaram, a partir de um trabalho em conjunto da Polícia Civil com o Ministério Público do Rio, aos executores do crime: o sargento reformado da Polícia Militar Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio de Queiroz. Ambos estão presos. No entanto, desde março de 2019, não se sabe ainda quem mandou matar Marielle e Anderson, nem a motivação para o crime.

À frente do Instituto Marielle Franco, Anielle tem organizado uma série de encontros com pessoas ligadas à investigação para cobrar providências. "Quatro anos se passaram, quatro anos de muita luta. Quatro anos de muita saudade. Quatro anos de muita dor. Há quatro anos que estou aprendendo dia a dia a ressignificar a dor e escolhendo as batalhas que quero enfrentar. São quatro anos que estamos numa democracia escancarada, demonstrando a fragilidade que há na democracia brasileira e a gente segue sem saber quem mandou matar Marielle e por quê?", indaga.

Anielle recorda o legado político da irmã: "Uma parlamentar que estava fazendo seu trabalho dignamente. Ninguém tem um “ai” para falar ao contrário dos trabalhos que a Marielle fez. Tentam fazer com que a reputação dela seja pichada, mas a nossa força, nosso legado, nossa memória, tem trazido coisas potentes a partir dos ideais da Marielle".

Ela relata ter esperança de que as inestigações deem resultado: "A gente segue na esperança de que, mesmo com tantas trocas dentro da investigação, dias melhores e de respostas. Não só para a família, para o Brasil, como também para o mundo inteiro. Eu acredito que a gente vai conseguir em algum momento esses nomes ou esse nome. Espero ansiosamente por esse dia. Tenho pensado, sentido, desejado muito que a gente não tenha que esperar por mais quatro anos. O Instituto Marielle Franco puxou essa formação do Comitê Justiça por Marielle e Anderson onde compõe outras organizações. Vamos seguir sim, buscando por Justiça, regando essas sementes da Mari, que é o legado tão gigante. Um legado que é plural, não está numa única pessoa, ou numa única instituição, ou num único lugar. Sigamos firmes na luta e no propósito. Tenho feito o meu melhor para conseguir que a Mari jamais seja esquecida".

Agatha Arnaus, viúva de Anderson Gomes, motorista do carro em que Marielle viajava, afirma que cada vez fica mais difícil chegar ao mandante do crime:

"Já não tenho mais esperanças de que isso aconteça. Claro que eu gostaria de uma resposta, para o caso não ficar impune".

Para ela, se o homem apontado por matar Anderson e Marielle, o sargento reformado da Polícia Militar Ronnie Lessa, preso na Penitenciária Federal de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, segundo a Polícia Civil e o Ministério Público, "não falou até agora, dificilmente falará".

"Então, acompanho as notícias que me chegam, tento ir às reuniões com as autoridades marcadas por nós, porque só no primeiro ano as promotoras Simone Sibílio e Letícia Emile nos chamavam para falar das investigações".

Agatha diz que decidiu focar na saúde de Arthur, filho do casal, que tem 5 anos e tem uma doença rara ainda sendo diagnosticada.

"Estou feliz que, aos poucos, ele dá um passo na sua recuperação. Até quando o Arthur me dá o pezinho para colocar o short nele, já sinto ser uma grande vitória. Sem o Anderson ficou tudo mais difícil, pois ele acompanhava Arthur para tudo. São quatro anos de muita saudade. Arthur está cada vez mais parecido com o pai, principalmente em algumas atitudes. Certo dia, meu filho fez um pigarro com a garganta muito parecido com o jeito de Anderson. Ninguém do nosso convívio faz isso. Ele vê a foto do Anderson e diz: “papai”. Não sei como ele sente isso, mas sei que Anderson está conosco".

A jornalista Fernanda Chaves é a única sobrevivente do atentado contra a vereadora Marielle Franco, que culminou também na morte do motorista Anderson Gomes. As incógnitas sobre o crime pesam na rotina e atingem também sua família, numa constante sensação de insegurança e de medo sobre o que motivou a emboscada e os reais motivos:

"São quatro anos de impunidade que corroem a democracia brasileira, mas que também interferem na minha vida e na vida da minha família. Afinal, se você não sabe de onde veio, você não sabe do que se proteger. Até hoje, vivemos de alguma forma temerosos, olhando por trás do ombro antes de abrir a porta de casa, sabe? Uma certa sombra do "exílio", de ter que deixar tudo pra trás, ficou marcada sobretudo para minha filha. O cenário de horror parece nunca ir embora enquanto as autoridades nos deixam sem respostas", disse a jornalista.

A demora da entrega de uma solução sobre o caso levou a sobrevivente a questionar o trabalho de investigação. Em 2019, a então procuradora-geral da República Raquel Dodge chegou a pedir ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a federalização da investigação, alegando inércia da polícia do Rio na condução do processo. Mas o caso foi mantido na esfera estadual.

"A rigor, eu chego a sentir uma certa vergonha alheia agora, quatro anos depois do brutal assassinato de Marielle e Anderson, por não terem chegado à resposta sobre os mandantes desse crime. Definitivamente, precisamos continuar a perguntar quem mandou matar Marielle, mas acho que precisamos incluir nesse rol de questionamentos uma pergunta tão pertinente quanto: que força, ou quais forças, são essas que operam de modo que a Polícia Civil do Rio de Janeiro, assim como o Ministério Público, não tenham capacidade de resolver esse que é um dos crimes políticos mais relevantes da História do Brasil? Sequer o Tribunal de Júri para os atiradores aconteceu em 4 anos!", disse Fernanda.

A jornalista, que à época era assessora parlamentar de Marielle, aponta os reflexos de um assassinato ainda sem solução para aqueles que continuam em cargos de liderança:

"A falta de um desfecho competente para esse caso só contribui ainda mais para descrédito das instituições e consequentemente abre uma porteira para ainda mais violência, sobretudo contra as mulheres na política. Fazendo um levantamento rápido aqui, só pelo partido da Marielle, o PSOL, são 18 parlamentares mulheres ameaçadas de morte no último período. São autoridades! Imagina o tanto de defensoras de Direitos Humanos, mulheres do campo, militantes por esse país agora que não são parlamentares e estão correndo risco de vida por suas atuações políticas?", questiona.

Em quatro anos de investigações, ainda sobram questionamentos, destaca a viúva de Marielle, a vereadora Monica Benicio. Para Monica, a motivação para o crime, nomes do autor e do mandante e até mesmo o motivo pela demora de uma solução são algumas das lacunas ainda em aberto.

A parlamentar ainda questiona a dificuldade que as famílias têm enfrentado em obter o acesso ao inquérito. Todas as reuniões no MPRJ e na Polícia Civil foram convocadas por parentes das duas vítimas e pelo Instituto Marielle Franco, sempre com o intuito de cobrar providências.

"O chefe do Ministério Público, o secretário da Polícia Civil, Allan Turnowski, e todas as autoridades de segurança devem uma resposta ao país. Quem vai acreditar nas instituições depois disso? Ninguém. Caíram em descrédito absoluto. As perguntas que ficam são: a quem interessa o não esclarecimentos deste caso? Por que não se chegou a uma solução após 4 anos? Será o machismo e o racismo estrutural das instituições? Por que os familiares e sua defesa não podem ter acesso ao inquérito? O que ou quem estão querendo esconder? Eles precisam se explicar imediatamente. Espero, do fundo do meu coração, não ter que perguntar isso novamente daqui a um ano".

Ao "Bom Dia Brasil", da TV Globo, Luyara Santos, filha de Marielle, enviou um depoimento bastante emocionada. Quando a vereadora foi assassinada, Luyara estava na casa dos avós, em Bonsucesso. A confirmação da morte da mãe veio por meio de uma notícia na televisão, após amigos terem telefonado, mas sem dar detalhes das poucas informações que tinham acabado de saber.

"São quatro anos de uma dor profunda, de uma saudade diária, quatro anos de um sentimento de incompreensão. Eu realmente espero que o Estado me responda por quem e por que a minha mãe foi assassinada".