Guerra na Ucrânia

Ataques em Kiev e outras cidades da Ucrânia antes da retomada das negociações

Na Ucrânia, um menor de idade vira refugiado quase a cada segundo

Ataque russo em Kiev - Sergei SUPINSKY / AFP

As delegações da Rússia e da Ucrânia pretendem retomar nesta terça-feira (15) as negociações com o objetivo de alcançar um cessar-fogo, mas o conflito, iniciado há 20 dias, é cada vez mais intenso, especialmente em Kiev e sua região, alvos de intensos ataques russos.

Nesta terça-feira, o conflito superou a marca de três milhões de pessoas que fugiram da Ucrânia desde o início da ofensiva russa, segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), uma agência da ONU.

O número inclui 1,4 milhão de crianças, o que significa que atualmente na Ucrânia um menor de idade vira refugiado quase a cada segundo, afirmou James Elder, porta-voz do Unicef. 

Além das pessoas que fugiram do país, a guerra também tem os deslocados internos e as vítimas, impossíveis de calcular de maneira confiável no momento. Nesta terça-feira, duas pessoas morreram em um bombardeio que atingiu um edifício no distrito de Sviatoshin, na zona oeste da capital, onde 27 pessoas foram resgatadas ilesas. O prédio de 15 andares sofreu um incêndio, informaram os serviços de emergência ucranianos. 

"Às 4h20, tudo tremeu com força. Levantei, minha filha correu e perguntou: 'Você está viva?'. Mas em um dos quartos não conseguimos tirar meu genro e meu neto, então quebramos as portas e eles conseguiram sair", declarou à AFP Lyubov Gura, de 73 anos, que morava no 11º andar. 

Diante de uma casa, um cadáver coberto com uma lona de plástico permanecia no chão. 

Outro edifício de nove andares foi atingido no distrito de Podil (noroeste), mais próximo do centro da cidade. Uma pessoa foi atendida e hospitalizada, segundo os serviços de emergência.

A explosão destruiu as janelas de vários edifícios e moradores tentavam retirar os escombros das áreas destruídas do prédio. 

Toque de recolher em Kiev

O prefeito de Kiev, Vitali Klitschko, anunciou um toque de recolher de 35 horas a partir das 20h00 (15h00 de Brasília) desta terça-feira, uma decisão motivada pelo momento especialmente perigoso - metade da população da capital fugiu desde o início da invasão russa.

A cidade receberá nesta terça-feira os primeiros-ministros da Polônia, República Tcheca e Eslovênia, que viajam de trem para uma reunião com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e o primeiro-ministro Denys Shmygal.  

O objetivo da visita é "reafirmar o apoio inequívoco do conjunto da União Europeia (UE) à soberania e independência da Ucrânia e apresentar um conjunto de medidas de apoio ao Estado e sociedade ucranianos", afirma um comunicado divulgado pelo governo polonês.

A visita, a primeira de líderes estrangeiros a Kiev desde o início da guerra, acontece antes da retomada das conversações russo-ucranianas, interrompidas na segunda-feira. O Kremlin afirmou que não tem "nenhum prognóstico" sobre o resultado. 

As negociações acontecem por videoconferência após três rodadas presenciais em Belarus e uma reunião na quinta-feira passada na Turquia entre os ministros das Relações Exteriores da Rússia e da Ucrânia. 

O presidente Zelensky declarou que os russos "começaram a entender que não conseguirão nada com a guerra".  

"Me disseram que (as conversações em curso) foram bastante bem", disse o chefe de Estado. "Mas vamos esperar e ver", acrescentou.

O presidente russo Vladimir Putin também já mencionou "avanços" nas negociações

Mas a Rússia ampliou ao mesmo tempo a ofensiva a todo o país e na segunda-feira o Kremlin mencionou a possibilidade de tomar o "controle total" das principais cidades que já estão cercadas. 

Desde sexta-feira, os combates alcançaram o oeste do país. Um ataque na segunda-feira contra uma torre de televisão perto de Rivne (noroeste) deixou 19 mortos e nove feridos, de acordo com as autoridades locais.

Na grande cidade de Dnipro, leste do país, relativamente intacta até agora, o aeroporto foi bombardeado nesta terça-feira, o que provocou uma "destruição maciça", segundo o prefeito, que não mencionou vítimas. 

No sul, os russos seguem com a tentativa de tomar Mariupol, uma cidade portuária estratégica no Mar de Azov, cercada há vários dias.  

O Estado-Maior ucraniano afirma que a Rússia perdeu 150 soldados na ofensiva e se "retirou" da região. Não foi possível confirmar a informação com fontes independentes.  

Um comboio de ajuda humanitária, que tentava chegar à cidade há vários dias, foi bloqueado novamente na segunda-feira por soldados russos em Berdiansk, a 85 km de Mariupol, segundo as autoridades ucranianas. 

Porém, quase 160 carros conseguiram sair da cidade, onde milhares de moradores estão refugiados em porões, sem água, energia elétrica, calefação ou alimentos. 

Protesto na televisão

Na Rússia, uma mulher, identificada pela ONG OVD-Info como Marina Ovsiannikova, invadiu na segunda-feira à noite o cenário de um dos principais telejornais do país com um cartaz em que criticava a ofensiva na Ucrânia. 

"Não à guerra. Não acreditem na propaganda. Aqui estão mentindo para vocês", afirmava o cartaz. O vídeo do protesto viralizou nas redes sociais e muitas pessoas elogiaram a coragem da funcionária da televisão. 

O uso da palavra "guerra" nos meios de comunicação russos ou por indivíduos para descrever a intervenção russa na Ucrânia é punido agora com processos e sanções. As autoridades russas definem a ofensiva na Ucrânia como "operação militar especial".  

A quarta série de sanções da UE estava programada para entrar em vigor nesta terça-feira, com medidas contra o acesso ao mercado russo de produtos de luxo ou sobre a presença do país em instituições financeiras internacionais.

Em Barcelona (Espanha) o iate de um oligarca russo avaliado em quase 140 milhões de dólares foi apreendido na segunda-feira como parte das sanções. 

O jornal El País informou que o iate apreendido foi o  "Valerie", que estaria vinculado a Serguei Chemezov, do conglomerado russo da indústria de defesa Rostec e aliado do presidente Vladimir Putin.

As sanções aplicadas até agora já congelaram quase US$ 300 bilhões de reservas russas no exterior, o que poderia impedir Moscou de cumprir vários pagamentos da dívida em várias divisas em março e abril. 

A Rússia acusou os países ocidentais de tentarem provocar um default "artificial" com suas sanções.