Economia

AutiBank: empresa suspeita de pirâmide financeira proibiu uso da palavra 'banco' em contatos

'Participei de um estelionato, entende? Eu me sinto impotente, amputada. Tem gente que eu levei pra lá falando em suicídio', desabafou consultora

O autibank não possui nenhum registro como instituição bancária no Banco Central - Reprodução

Em uma arte postada no Instagram em 2 de setembro do ano passado, o AutiBank afirmava: "Chegou a hora de conhecer o banco da sua vida". À época, embora o fundador da empresa, o niteroiense Yuri Medeiros Correa, já fosse denunciado por estelionato no Ceará, o negócio parecia seguir de vento em popa, com unidades em dez capitais, espalhadas pelas cinco regiões do país. Contudo, por mais que a publicidade oficial empregasse abertamente a palavra "banco", o uso do termo por consultores no contato com clientes foi estritamente proibido por ordens superiores, conforme relatam funcionários ouvidos pelo Globo.

Sem nenhum registro como instituição bancária no Banco Central, embora se apresentasse como banco digital, o AutiBank atuava sobretudo persuadindo pessoas a contraírem empréstimos junto a bancos tradicionais, repassando em seguida os valores obtidos para o grupo, que prometia arcar com as prestações e ainda pagar um rendimento mensal sobre o montante aportado. O principal alvo eram aposentados, pensionistas, militares e servidores de modo geral, que possuem margem maior no consignado, modalidade na qual o desconto é feito na folha de pagamento. Era com esses clientes em potencial que as centenas de consultores entravam em contato diariamente.

"No início, a gente falava em banco normalmente, não era um problema. Em um dado momento, por volta de maio, veio a ordem para que a palavra não fosse mais dita ao telefone, em hipótese alguma. A orientação foi mudar o script para "fintech digital", lembra uma funcionária.

A situação do AutiBank começou a degringolar na virada do ano, quando os pagamentos aos investidores deixaram de ser feitos. Além de réu no Ceará, Yuri passou a ser investigado também pela Polícia Civil do Rio, onde dezenas de registros de ocorrência contra ele foram feitos. Como o Globo revelou, a empresa também passou a ser alvo de diversas ações judiciais movidas por clientes, nas quais o grupo é acusado de ter montado uma pirâmide financeira de proporções nacionais.

No dia 25 de fevereiro, após uma sucessão de desculpas e promessas não cumpridas sobre um acerto iminente junto aos clientes, o "corpo jurídico do Grupo AutiBank" divulgou uma "nota de esclarecimento". O texto repetia justificativas já citadas anteriormente, como um suposto processo interno de compliance que teria ocasionado bloqueio de contas e um golpe do qual a empresa teria sido vítima, mas também abordava, pela primeira vez, questões sobre a nomenclatura utilizada pelo grupo. "Insta ressaltar que a empresa é uma IP (Instituição de Pagamento) não regulamentada, o que a torna uma fintech", alegava o comunicado, ignorando a já citada publicidade que se referia às atividades como as de um "banco".

A nota compartilhada na ocasião também mencionava um aviso em fonte diminuta situado no pé do site do AutiBank, no qual o grupo salienta que "tem suas funcionalidades de serviços estruturados como BaaS (Banking as a Service)", atividade que, a grosso modo, permite que sejam oferecidos produtos financeiros sem a necessidade de passar por um banco. O texto do corpo jurídico se valia da expressão em inglês para tentar justificar o fato de o grupo se autodenominar como "banco": "Por essa razão tecnológica, e através desta liberação, a empresa se denomina como 'bank'", argumentou a empresa.

"A maioria de nós não entendia bem esses pormenores técnicos, até porque quase nenhum tinha experiência anterior no setor. Os gerentes sempre disseram, inclusive, que preferiam consultores mais "crus", por ser mais fácil moldar", conta uma outra funcionária, que continua: "Na verdade, a gente acreditava que essa questão sobre ser ou não um banco era, de fato, uma burocracia sem importância. O que víamos era uma empresa crescendo a olhos vistos, tornando-se cada vez maior. Jamais imaginaria ser um golpe, uma pirâmide. Não havia qualquer indício nesse sentido".

A certeza de que a operação dos patrões era lícita era tanta que a própria funcionária decidiu investir, em um roteiro que se repetiu com vários empregados. Ela contraiu um empréstimo de R$ 19 mil em nome do pai e repassou ao grupo, na expectativa de obter os lucros prometidos com a transação. Em vez disso, viu a empresa quebrar, ficou sem receber salários e agora não consegue sequer a rescisão formal do contrato.

"Mas o pior de tudo, pra mim, é o constrangimento, a vergonha. Eu idolatrava a empresa, só falavabem pra todo mundo. É difícil até de assimilar isso tudo que está acontecendoagora. O que acaba comigo é ter lesado essas pessoas. Participei deum estelionato, entende? Eu me sinto impotente, amputada. Tem cliente meu, queeu levei pra lá, falando em suicídio", desabafa a mulher, que cita a situação de um investidor em particular para ilustrar o cenário: "Ele é auditor fiscal, pra você ver comoconseguiam enganar até quem entende. O salário, que era de uns R$ 16 mil, caiupara R$ 1,5 mil, por conta de empréstimos de quase R$ 1 milhão que ele repassouao AutiBank. Da última vez que conversamos, ele disse: "Eu estava vivendo comoum magnata. Agora, vou ter que catar latinha".