Fórmula 1

Horner e Wolff começam temporada impulsionados por rivalidade e disputa pelo título de construtores

Rivalidade entre dirigentes e força política nos bastidores são elementos intrínsecos à categoria

Toto Wolff (esquerda) e Christian Horner (direita) são os principais chefes da F1 - Divulgação/ Christian Horner

Os protagonistas da Fórmula 1, que começa neste fim de semana no GP do Bahrein, dentro dos cockpits, estão mais do que definidos: é esperada uma nova batalha entre Lewis Hamilton, da Mercedes, e Max Verstappen, da Red Bull. Porém, fora dos carros, os holofotes se concentram em outra dupla: o austríaco Toto Wolff, chefe da equipe oito vezes campeã mundial de construtores, e no inglês Christian Horner, chefe do atual campeão da categoria.

Impulsionada pela divulgação dos bastidores da categoria na quarta temporada da série documental “Dirigir para Viver”, da Netflix, a rivalidade ganhou contornos épicos, com detalhes da vida pessoal e da personalidade dos dois personagens, e evidenciadas pelas duras farpas e acusações trocadas ao longo da última temporada, uma das mais disputadas da história da Fórmula 1.

—Agora estamos vendo as grandes forças do século, Mercedes e Red Bull. É natural vermos essa queda de braço nos bastidores. O Wolff e o Horner, que foram tão bem retratados na quarta temporada da série que, não por coincidência, focou muito na vida deles, são caras muito parecidos na obsessão. São caras que pisariam na cabeça da mãe para subir um centímetro e conquistar o Mundial. Eles não cedem, são homens de corrida, tentaram a vida como pilotos e hoje são as duas principais figuras da Fórmula 1 — analisa o jornalista Fábio Seixas, colunista da UOL.

A alta competitividade dos dois dirigentes, ambos ex-pilotos, está no cerne da rivalidade. Aos 31 anos, Horner conseguiu chegar à F1 como o chefe de equipe mais novo da categoria. Alçou a Red Bull à era vitoriosa com Sebastian Vettel, de 2010 a 2013, logo após a mudança de regulamento de 2009, bem lida pelo engenheiro Adrian Newey.

Até que Wolff, hoje com 50 anos, surgiu na Mercedes em 2013 e deu início à hegemonia do time alemão com a introdução dos motores híbridos. Foram oito títulos de construtores seguidos — só perdeu o de pilotos exatamente para Verstappen, ano passado. Agora, com o regulamento da F1, que promete revolucionar a categoria, há a expectativa de quem irá dominar a nova era. Nos primeiros testes, a RBR parece ter saído com alguma vantagem.

— Para o Horner, era uma chance única depois de tanto tempo sem ganhar. E do outro lado alguém há tanto tempo sem perder. Acho que dá para entender muito essa rivalidade nesse contexto. A impressão que ficou, inclusive, é que o Wolff estava mais transtornado do que o Hamilton — afirma Felipe Giafone, comentarista da F1 na Band.

Às vésperas do início da temporada 2022, ambos os dirigentes tentara baixar o tom da rivalidade. Horner, que chegou a diminuir o papel de Wolff nas conquistas da Mercedes por ter assumido a escuderia já pronta, levantou a bandeira branca, em entrevista à imprensa esta semana.

—No que diz respeito à relação com Toto, embora haja uma rivalidade intensa, ainda há respeito no final do dia — garantiu ele, declarando que a série torna tudo mais dramático. — Eles pegaram trechos de uma batalha de uma temporada e transformaram isso em um programa de televisão projetado, em última análise.

Wolff tem seguido a mesma linha, após dizer, no auge das disputas, que o rival se comporta “como um ator” . À época, ele foi rebatido por Horner, que disse que o austríaco se encaixaria no papel de vilão. Ainda alfinetou o chefe da Mercedes por não saber reagir bem diante da pressão.

— Eu sempre tento permanecer profissional. No entanto, tudo tornou-se muito pessoal entre nós dois em algum ponto ao longo do caminho. Em certo momento, ele me disse para calar a boca, eu respondi dizendo que ele era um fanfarrão e falava demais para as câmeras. Eu não devia ter dito isso — disse Wolff, no mês passado.

Há quem veja a rivalidade exacerbada como um grande jogo de cena para as câmeras da TV. Caso do ex-piloto e campeão mundial Damon Hill. Nesta semana, em entrevista à imprensa inglesa, ele considerou que, por vezes, o comportamento de ambos beirou o abusivo.

— A maneira como a Netflix promoveu o que fazemos na F1 para um público mais amplo foi fenomenal. Acho que eles tentaram fornecer combustível para o show. Mas ficou um pouco impróprio, às vezes. Espero que tenha sido principalmente atuações deles — disse ao “Express Sport”.

O forte jogo político nos bastidores da Fórmula 1, no entanto, é próprio da sua natureza. As equipes alimentam e se alimentam dessas disputas há décadas. Tanto para achar brechas no regulamento a seu favor ou para apontar irregularidades do adversário. E não é apenas jogo de cena. Dá certo. Vide a decisão da FIA em alterar o texto do regulamento em relação aos procedimentos do safety car na pista, que causou toda a indignação da Mercedes após o desfecho do GP de Abu Dhabi — a equipe chegou a cogitar levar o caso à Corte Arbitral do Esporte (CAS).

No texto original, em inglês, dizia que “any cars” (quaisquer carros) devem ultrapassar o carro de segurança quando retardatários. Agora, para não dar margem a interpretações diferentes, o regulamento diz “all cars” (todos os carros).

Hoje, o protagonismo nos boxes está representado pela rivalidade Horner x Wolff. Mas o posto já pertenceu a outros tubarões da Fórmula 1 como o francês, Jean Todt o britânico Ron Dennis, o também inglês Frank Williams e o italiano Flavio Briatore.

Todos eles, em graus distintos, já acusaram uns aos outros de irregularidades, favorecimentos, espionagens... Os bastidores políticos da Fórmula 1 são tão fortes que algumas lendas — ou não — surgiram com o tempo.

— Só mudam os personagens. Vimos por muito tempo a Ferrari sendo uma equipe com muita força nos bastidores da F1. Fazia-se piada chamando a FIA de MAFIA, brincando com máfia. As decisões da FIA eram sempre favoráveis à equipe italiana. Existia uma lenda que ela sempre corria com o carro irregular no GP da Itália e a FIA fazia vistas grossas. Houve o período da McLaren, com muita força, com Ron Dennis, que tinha relação de amor e ódio com o Bernie Ecclestone (então chefão da categoria). Isso sempre foi cíclico — analisa Seixas.