Ministério Público Federal move ação contra censura a filme com Gentili e Porchat
Órgão ingressou com ação civil pública para suspender proibição do filme 'Como se tornar o pior aluno da escola' em plataformas de streaming
O Ministério Público Federal (MPF) move uma ação civil pública, com pedido de liminar, para suspender a censura ao filme "Como se tornar o pior aluno da escola" (2017). O órgão solicita a imediata suspensão dos efeitos do despacho publicado no dia 15 de março pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria Nacional do Consumidor, vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, e que tinha como objetivo proibir a presença da produção em catálogos de plataformas de streaming.
Para o MPF, o ato do Ministério da Justiça é lido como "censura", pois impede os cidadãos de exercerem sua autonomia de escolha, para consumo próprio, de obra artística cinematográfica, sem interferência do poder público. "O objetivo dessa ação é corrigir uma violação à liberdade de expressão artística", ressalta o procurador da República Claudio Gheventer.
Lançado há cinco anos em cinemas brasileiros, o filme "Como se tornar o pior aluno da escola", dirigido por Fabrício Bittar e inspirado em um livro homônimo de Danilo Gentili (publicado em 2009), se tornou alvo de ataques bolsonaristas por uma suposta apologia à pedofilia.
Na cena que viralizou, o personagem de Fábio Porchat, o vilão Cristiano, chantageia e assedia sexualmente dois garotos. Cristiano interrompe Pedro (Daniel Pimentel) e Bernardo (Bruno Munhoz), pede que eles parem de discutir e, para não serem prejudicados na escola, o masturbem. As crianças reagem com espanto e repulsa, negando o pedido.
Na noite da última quinta-feira (17), depois de alterar a classificação etária do filme "Como se tornar o pior aluno da escola" (2017) — de 14 para 18 anos —, o Ministério da Justiça e Segurança Pública reforçou que a censura à produção, estabelecida no dia 15 de março, se mantém: até o dia 20 de março, todas as plataformas de streaming devem retirar a obra de seu catálogo, sob pena de multa diária de R$ 50 mil. As duas medidas em vigor, no entanto, são contraditórias, explicam juristas.
De fato, é competência do Ministério da Justiça classificar e reclassificar produções audiovisuais, tornando-as "recomendadas" para determinadas idades. Não cabe à pasta, no entanto, impedir a circulação de quaisquer produtos artísticos. Aliás, o próprio Ministério reconhece o fato, em texto que utiliza, desde 2017, para embasar questionamentos sobre classificações e restrições a filmes.
"A história recente, sobretudo devido ao período da ditadura militar, mesmo após a redemocratização do país, suscitou uma série de dúvidas e ponderações sobre o real papel desta política pública, ainda pela desconfiança de que poderia ser uma derivação da censura", esclarece o ministério em artigo disponível no site do órgão, acrescentando que indicar a idade não recomendada significa "informar aos pais, garantindo-lhes o direito de escolha".
O texto frisa, em seguida, que a política de classificação indicativa se consolida, a rigor, como "o maior indicador de que a censura institucional, experimentada pelo Brasil em diversos momentos de sua história e, mais recentemente, no governo militar, não se aplica à presente conjuntura sociopolítica". E enfatiza: "Não compete, portanto, ao Estado, proibir filmes, cortar cenas e vedar o acesso da população à qualquer tipo de obra, bem como promover qualquer restrição à manifestação do pensamento, à criação, à expressão ou à informação".
"Proibir um filme de ser visto é absolutamente inconstitucional. É um ato de censura, porque é uma proibição de que o cidadão assista ao filme, mesmo sendo adulto com condições sobre os seus desejos", ressalta a advogada Cris Olivieri, consultora da área de cultura e autora do livro "Cultura Neoliberal: leis de incentivo como política pública de cultura".
Plataformas como o Globoplay anunciaram, na última terça-feira (15), que não poderiam retirar o filme do streaming como determina a medida, por sua inconstitucionalidade. "A decisão ofende o princípio da liberdade de expressão, é inconstitucional e, portanto, não pode ser cumprida", afirmaram as empresas, em nota.
O GLOBO procurou as plataformas novamente, mas ainda não obteve resposta. A Netflix não se manifestou.