Juristas divergem sobre bloqueio do Telegram determinado por Moraes
Uma ala de especialistas aponta que o aplicativo atua em território brasileiro e deve se submeter às leis brasileiras; outra corrente entende que o Marco Civil não permite que as plataformas de comunicação sejam suspensas
A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de bloquear o aplicativo de mensagens Telegram em todo o país nesta sexta-feira divide juristas e especialistas em direito digital ouvidos pelo Globo.
Enquanto uma ala de especialistas aponta que o aplicativo, embora estrangeiro, atua em território brasileiro e deve se submeter às leis brasileiras, outra corrente entende que o Marco Civil não permite que as plataformas de comunicação sejam suspensas, abrindo um precedente preocupante.
O bloqueio do Telegram foi solicitado pela Polícia Federal, que apontou ao STF o constante descumprimento de ordens judiciais pelo Telegram. O aplicativo não atendeu a decisões judiciais para bloqueio de perfis apontados como disseminadores de informações falsa. Segundo a PF, o aplicativo é utilizado para a prática de diversos crimes, por causa da dificuldade na identificação dos seus usuários.
A advogada Isabela Pompilio, especialista em direito digital, entende que, apesar da pertinência do debate em torno do descumprimento de ordens judiciais pelo aplicativo, houve uma antecipação do entendimento de Moraes sobre um tema que já é alvo de análise pelo STF. É a ADPF 403, na qual a ministra Rosa Weber, relatora do caso, já se posicionou entendendo que não existe no Marco Civil da Internet dispositivo que autorize a suspensão dos serviços de mensagens por internet.
"Nesse caso, o ministro Alexandre de Moares pediu vista dos autos durante o julgamento ocorrido em maio de 2020, não havendo continuidade até hoje. E agora, por meio de uma decisão pessoal, ele determina o bloqueio do aplicativo, em antecipação a decisão de todo o colegiado", ressalta.
Para Pompilio, outro ponto que merece reflexão é a extensão do entendimento do ministro para indicar sanções a pessoas que, por intermédio de "subterfúgios tecnológicos", acessarem o aplicativo. Segundo ela, além de multa diária, já fixada na decisão, essa sanção significaria estender a jurisdição de um inquérito específico para toda a população brasileira.
"Certamente, a renitência do Telegram em cumprir ordens judiciais e a necessidade de coibir esse tipo de conduta é bandeira digna de ser levantada, mas o Marco Civil da Internet não parece autorizar juízes a utilizarem de seus dispositivos como base para suspenderem o acesso a aplicações."
Já o especialista em Direito Eleitoral e advogado Renato Ribeiro de Almeida avlaia que, diante da não cooperação dos responsáveis pelo aplicativo para que ilícitos sejam combatidos, há a necessidade de impedir que o aplicativo opere no Brasil, ainda que seja como medida extrema. O jurista ressalta que o aplicativo, embora estrangeiro, atua em território brasileiro e deve se submeter às leis brasileiras.
"Não se trata de uma decisão política. Se trata de uma decisão para impedir a prática de ilícitos que podem até chegar na política, já que os políticos em geral têm grande engajamento nas redes. Nesse ponto, o ex-presidente Lula e o presidente Bolsonaro lideram. Mas é irrelevante se o presidente atual tem maior ou menor engajamento no Telegram", apontou.
Para o advogado Luiz Eduardo Peccinin, a decisão de Moraes não foi uma surpresa, já que STF e TSE tentaram por diversas vezes contato com a plataforma, mas não tiveram retorno. Ele também lembra que, no âmbito do processo eleitoral, o problema envolvendo o Telegram pode se tornar ainda maior.
"Há também um problema de isonomia regulatória, na medida em que os serviços concorrentes do Telegram possuem representação oficial e colaboram com a Justiça. Isso cria um privilégio ilegal também sob o ponto de vista econômico. Agora, há o desafio de cumprir a decisão, tanto porque os servidores do serviço estão em Dubai, quanto porque o Telegram permite aos usuários maquiarem e desviarem seus IPs com muita facilidade", explica.