'Novo Enem deve ser cada vez menos conteudista', diz autora do relatório do CNE
Maria Helena Guimarães afirma que prova deverá focar em pensamento crítico e diz que bonificação para aluno do técnico é para estimular ingresso na universidade
O Novo Enem, anunciado nesta semana pelo Ministério da Educação, deverá focar em pensamento crítico, criatividade, solução de problemas e ser menos conteudista, avalia Maria Helena Guimarães, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) e relatora da proposta que o colegiado fez ao MEC para as mudanças no exame.
Com questões objetivas e discursivas, a prova, que começa a ser aplicada em 2024, terá um primeiro dia baseada nos conteúdos da formação geral da BNCC, com ênfase em Português e Matemática. No segundo, cobrará os temas dos itinerários formativos, disciplinas que os estudantes terão liberdade para escolher no Novo Ensino Médio. Por isso, no momento da inscrição do Enem, eles vão decidir entre uma das quatro provas: Linguagens e Ciências Humanas; Matemática e Ciências da Natureza; Matemática e Ciências Humanas; ou Ciências da Natureza e Humanas. Enquanto isso, as universidades vão definir quais dessas provas servirão para cada curso.
O aluno ter que escolher qual prova fará, no ato da inscrição, faz com que ele precise decidir qual faculdade fará no começo do ano. Isso não antecipa uma decisão muito importante, que hoje é tomada depois do Enem?
Não diria antecipar. Acho mais complicado o aluno que faz o Enem sem saber e depois escolhe de acordo com a nota que ele tirou. Digamos que essa é uma oportunidade de o aluno pensar no projeto de vida, no que ele quer fazer, se dedicar, se engajar, aprofundar os interesses.
Há o temor de que escolas públicas de cidades pequenas tenham poucas opções de itinerários formativos e, com isso, esses estudantes sejam prejudicados no segundo dia de prova. Isso pode acontecer?
Não acredito. Toda escola tem que oferecer pelo menos dois itinerários e, nesses casos, provavelmente adotarão um itinerário integrado de Linguagens e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas e, do outro, um de Matemática e Ciências da Natureza. Com isso, as quatro áreas de conhecimento ficam contempladas com aprofundamento, aliadas aos conteúdos de formação geral. Na verdade, vejo o contrário disso.
Como assim?
O atual Enem cobra tudo de todo mundo. Assim, 70% dos inscritos têm nota inferior a 450. Um número muito reduzido de estudantes têm chance de ingressar no Sisu, já que precisam de uma nota acima de 700, em geral. Vejo que essa é uma maneira de favorecer os alunos das escolas públicas porque terão boas oportunidades de aprofundamento de estudo em apenas duas áreas.
Há a expectativa de que essa 2ª prova seja menos conteudista. Podemos esperar por isso?
Sou totalmente favorável de que seja cada vez menos conteudista. Informação não é conhecimento. O Enem deve caminhar em direção ao século XXI e ser uma prova mais focada na avaliação de competências e habilidades como pensamento crítico, criatividade, solução de problemas. Todas as avaliações internacionais e, até nacionais, como o Saeb, são assim. A prova conteudista é velha, ultrapassada, nenhum lugar do mundo se preocupa com memorização.
Outra novidade importante é a criação de um bônus para alunos que fizeram, no ensino médio, o itinerário da educação profissional. Como funcionará?
O aluno que fizer um técnico terá a nota do Enem reforçada quando o curso pretendido no ensino superior for alinhado ao seu curso no ensino médio. Um estudante da área de saúde teria o incentivo para prosseguir em Enfermagem, por exemplo.
Qual o sentido da bonificação?
Os alunos precisam no ensino médio de uma qualificação para o mundo do trabalho sem que sejam impedidos de seguir o caminho do ensino superior. Na hora que se oferece essa bonificação, isso representa um grande estímulo para que eles façam esse itinerário e depois sigam para o ensino superior. Vivemos uma tendência histórica de estagnação do número de matrículas no curso técnico com médio. Sempre em torno de 10%, enquanto outros países passam de 50% de matrículas.
Essa estagnação não tem mais a ver com a oferta do que com o desejo dos estudantes?
Por enquanto, não. Até há problema de oferta, mas que também deve melhorar com o Novo Ensino Médio. Mas, hoje, o aluno precisa fazer primeiro o ensino médio e depois fica mais um ano e meio para se formar no técnico. A partir de agora, esse tempo será menor, já que o técnico será integrado com a formação geral.
Agora com as diretrizes lançadas, quais os próximos passos para a realização do Novo Enem em 2024?
O mais importante é o Inep desenvolver boas matrizes para orientar o banco de itens do futuro Enem. Esse é o grande desafio. São matrizes que são mais complexas do que as atuais, por serem menos conteudistas, mais interesdisciplinares. Elas também precisam indicar com clarza as competências que serão avaliadas em cada uma dessas áreas, sempre com ênfase em competências e habilidades que valorizem o raciocínio lógico, crítico, a solução de problemas e não apenas o conteúdo. Dá trabalho, precisa de tempo e por isso tem que começar logo para no ano que vem começar a desenvolver o banco de itens para o Novo Enem. Esse é um momento de investir em tencologia para facilitar a elaboração de itens, investir pra que no futuro todas as provas sejam digitais. Esse é um caminho sem volta. Para aperfeiçoamento da prova e diminuição de custo. Só a impressao e transporte das provas é um absurdo de caro e não faz sentido no nosso século.