Entrevista

Simone dá voz à sonoridade pernambucana em "Da Gente"

Disco de inéditas da cantora baiana, lançado nas plataformas digitais, tem produção de Juliano Holanda e predominância de artistas pernambucanos nas faixas

"Da Gente" foi lançado nas plataformas digitais pela Biscoito Fino - Nana Moraes

O sotaque genuinamente baiano do outro lado da linha buscava silêncio, que talvez um ar-condicionado “que não é Split”, pudesse incomodar. “Se você achar que está barulho, me fala?”. Mas a sequência adjetivada por “Lindos, de coração doce, alegres, abraçadores e envolventes”, ofuscaria quaisquer ruídos.

A vaidade do “País Pernambuco” estava saciada pelos elogios de Simone - que sob as vestes incontestáveis da musicalidade pernambucana lançou “Da Gente” (Biscoito Fino) – nas plataformas e em breve em mídia física - álbum que marca seu retorno a um trabalho de inéditas, após longo período sem fazê-lo, e inicia as celebrações dos 50 anos de carreira.

 

Crédito: Nana Moraes


“Me lambuzei. (...) Estava com esse projeto na cabeça há algum tempo, mas tudo acontece na hora certa. Me embrenhei com essas pessoas, começando pelo Juliano e devo a Zélia (Duncan) tê-lo conhecido. Foi lindo”, contou, em conversa com a Folha de Pernambuco. 

Com predominância de compositores pernambucanos, entre eles Martins, Isabela Moraes, PC Silva e o onipresente Juliano Holanda, que cedeu a faixa de abertura “Haja Terapia” e também assinou a produção do disco, “Da Gente” transita por entre agruras “pandêmicas” e sentimentos outros, inerentes a toda gente, não à toa o nome dado ao trabalho e, não por acaso também, com faixa de abertura que fez Simone cair em lágrimas.

“Ouvi com a ZD (Zélia Duncan) e comecei a chorar. Bateu uma coisa de fatiar o tempo, de reflexão, indignação. Bateu a raiva, mas também o enxergar finitude”, ressaltou ela sobre a canção e seu entremear-se pelo algo que há de “flor e de asfalto nesses tempos encardidos”, culminando na “metáfora mais clara” que a letra poderia trazer e que coube a Simone, assim como a qualquer ouvido que se apraz do cancioneiro do multiartista pernambucano.

A mescla de sotaque baiano com cantorias pernambucanas segue faixas adentro – das doze que compõem o disco, a maioria absoluta tem escritos das bandas de cá. “Desejei uma coisa minimalista, pequena e grandiosa ao mesmo tempo. Nordestina! Só duas pessoas no projeto que não são da Região, Zélia e Tiago”, lembra ela sobre os não-integrantes ‘regionais’ da obra.

Tiago Torres, aliás, encabeça a faixa “Nua”, em parceria com a própria Simone e Zélia assina ao lado de Juliano a percussiva “Boca em Brasa” – levada com maestria pela bateria e ganzá de Rapha B. “Simone, uma artista incrível e essencial na cultura brasileira. Foi uma das experiências mais incríveis da minha vida. O repertório está lindíssimo e além disso pude mais uma vez trabalhar com minha parceira do coração Zélia Duncan, que fez a direção. Foi um deleite completo”, celebra Juliano.

De acordo com a própria Simone, foi o trabalho mais rápido que de sua carreira. “Nunca pensei na vida em gravar um disco em dez dias. Começamos pelos encontros virtuais, depois em minha casa.

A sincronia rolou fácil até quando ouvi Joana Terra cantar em uma das vezes em que estive com Juliano pelo Zoom (plataforma virtual). Foi mel na sopa”, revela, sobre “Por Que Você Não Vem?”, assinada por Joana (baiana) e pelo pernambucano PC Silva, que também entregou “Imã” à voz de Simone. Já a baiana-pernambucana Karina Buhr veio com “Amor Brando” e para cantar “Você Distante”, da caruaruense Isabela Moraes, Simone titubeou, por achar que não ia conseguir. “Não vou cantar isso não, não vou cantar”.
 

Crédito: Nana Moraes


Já da carioca-pernambucana Rogéria Dera e do pankararu do Sertão do Estado veio “Escancarada”. Chegando em Martins, do “anjo querubim” – assim denominado por ela – “A Gente se Aproveita” arremata a pernambucanidade do disco que é solar também com sonoridades da paraibana Cátia de França em parceria com Flávio Nascimento em “Estilhaços” e quando encerra com “Naturalmente”, de Socorro Lira e Roberto Tranjan. E em “Dezembros” (Fagner/Baleiro/Fausto Nilo), levada em sutileza (e força), torna irrefutável o quão incólume Simone segue em importância para a Música Popular Brasileira (e pernambucana).