SAÚDE

Brasil tem uma das mais baixas coberturas vacinais dos últimos 20 anos

Baixa cobertura vacinal pode gerar retorno de doenças erradicadas

Vacina contra o sarampo - Marcelo Camargo/Agência Brasil

O país que tem hoje 73,6% da população com esquema vacinal completo contra a Covid-19 (duas doses ou dose única) — e já fala até em quarta dose para fazer frente à pandemia — andou para trás no combate a outras doenças. A população brasileira tem uma das mais baixas coberturas vacinais dos últimos 20 anos contra enfermidades graves, que afetam especialmente crianças e adolescentes.

Depois de ter atingido sua melhor marca em 2015, com uma média de 95,1% de pessoas completamente imunizadas dentro do público-alvo de cada vacina do Programa Nacional de Imunizações (PNI), a média da cobertura ficou em 60,8% no ano passado.

O levantamento foi feito pela pesquisadora de políticas públicas Marina Bozzetto, da Universidade de São Paulo (USP), a pedido do Globo, com base em dados do Ministério da Saúde. De 2018 para cá, os índices estão em queda, e pioraram durante a pandemia. Sem a proteção historicamente conferida pelas vacinas, o Brasil pode viver novos surtos e o ressurgimento de várias doenças que haviam ficado para trás.

Os três imunizantes que tiveram menor cobertura em 2021 foram as vacinas de poliomielite ou paralisia infantil (52,% de cobertura), a segunda dose de tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola, com 50,1%) e tetra viral (tríplice viral mais proteção contra varicela, ou catapora, com 5,7%). Para efeitos de comparação, a cobertura contra a pólio em 2012 era de 96,5%, e a doença era considerada erradicada no Brasil.

— Temos níveis preocupantes para todas as vacinas do calendário. Já havia uma queda antes da pandemia, que agora se acentuou — diz o pediatra Renato Kfouri, da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

No caso da BCG, por exemplo, que previne contra a tuberculose, apenas 44% dos municípios tiveram cobertura adequada de imunização.

— Já fomos modelo para o mundo, e veja, até o sarampo retornou. É muito importante intensificar a comunicação e resgatar as pessoas que não foram vacinadas — diz o infectologista Julio Croda, pesquisador da Fiocruz e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).

Os dados levantados pela pesquisadora da USP expõem a discrepância entre os próprios municípios na imunização. Enquanto a média nacional de cobertura vacinal ficou em 60,8% em 2021, os dez municípios brasileiros com taxa mais baixa têm menos de 7,5% de suas populações completamente vacinadas dentro do público-alvo de cada imunizante do calendário.

São municípios de Norte a Sul do país: Rio Bonito, Trajano de Moraes e Belford Roxo, no Rio de Janeiro; Crisólita, em Minas Gerais; Murici dos Portelas, no Piauí; Curuá, no Pará; Jucuruçu, na Bahia; Capão da Canoa, Taquara e Santiago, no Rio Grande do Sul.

— Vários fatores explicam a queda na vacinação — diz o presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Wilames Freire. — O primeiro foi a pandemia, que afastou a população de buscar as vacinas de rotina nos postos de saúde. Depois, os municípios ficaram focados em vacinar contra a Covid e não se voltaram às demais vacinas do calendário. E ainda temos muitos municípios que até conseguiram vacinar contra outras doenças, mas não conseguiram inserir os dados no sistema de saúde por falta de recursos humanos para isso ou de inoperância do próprio sistema — afirma Freire.

É principalmente a este último fator que a Secretaria de Saúde de Capão da Canoa, no Rio Grande do Sul, atribui a baixa cobertura vacinal do município (4,7%). Segundo a coordenadora de Imunizações, Michele Kroll Bujes, depois de 2019 houve uma mudança no sistema de registro de vacinação do município.

— Realmente nossa cobertura está aparecendo no Ministério da Saúde bem baixa, mas já verificamos o problema e descobrimos ser na transmissão dos dados do programa informatizado do município, bem como, problemas no cadastro dos usuários. Já estamos averiguando e atualizando os dados do cadastro para resolvermos essas inconsistências — afirmou.

Ela admite, também, que no início da pandemia houve baixa procura pelo medo dos pais de saírem de casa com os filhos e levarem as crianças até uma unidade de saúde onde poderiam ter pessoas com sintomas ou infectados com Covid. Agora, conta, a procura voltou a aumentar.

No estado do Rio, Belford Roxo, um dos municípios com mais baixa cobertura vacinal do país (6,2%), a prefeitura fez uma campanha de multivacinação no fim do ano passado com doses das vacinas BCG, hepatite A e B, tríplice viral, entre outras.

— Muitas pessoas deixaram de levar seus filhos para atualizarem a caderneta de vacinação devido à pandemia — justificou também o secretário de Saúde, Christian Vieira, na ocasião.

Mas para Maicon Lemos, secretário de saúde do munícipio de Canoas (RS) e 1º vice-presidente da Região Sul do Conasems, a baixa cobertura também está relacionada a campanhas de desinformação e grupos antivacina.

— É uma luta que precisamos travar. As pessoas estão sendo bombardeadas com fake news sobre vacinas nos grupos da família, do trabalho, da escola, o que gera insegurança — diz ele.

Lemos reforça que o fim do isolamento social e da obrigatoriedade de uso de máscaras combinado à baixa cobertura vacinal em várias cidades pode levar também ao ressurgimento de doenças:

— Se o Brasil perder o controle, veremos muitas doenças preveníveis por vacinas ressurgirem em 2023. A única forma de combater é fazer campanha com a informação correta, o que não tem sido feito.

Para Yula Merola, bioquímica que atua na linha de frente da saúde no município de Poços de Caldas, em Minas Gerais, há também desestímulo a programas de atenção primária, como os grupos de saúde da família e de agentes comunitários.

Segundo ela, muitos municípios não têm equipes de vacinação e usam profissionais de outras áreas. Com isso, perdem a chance de ter profissionais treinados para explicar às famílias a necessidade da imunização.

— Além disso, as unidades básicas de saúde abrem das 8h às 17h, horário em que os pais estão trabalhando. O "Dia D" é sempre um sábado, e boa parte da população também trabalha neste dia — explica Yula.

O Ministério da Saúde realiza, todos os anos, uma Campanha Nacional de Multivacinação. Em 2021, segundo informações da pasta, mais de 23 milhões de doses foram aplicadas, o equivalente a mais de 6,7 milhões de pessoas do público-alvo com caderneta de vacinação atualizada.