RIO DE JANEIRO

Petrópolis revive luto após nova tragédia por chuvas em 34 dias

Como num filme repetido, moradores assistiram em pânico às ruas inundarem, encostas desabarem e gente tendo que ser salva da correnteza

As 233 cruzes que simbolizavas as vítimas da tragédia em Petrópolis foram levadas por novas chuvas - Reprodução / Vídeo / Twitter

Quando o céu escureceu na tarde de sábado em Petrópolis, era o prenúncio de um pesadelo que se repetiria. Trinta e quatro dias após o temporal de 15 de fevereiro que deixou 233 mortos, uma outra enxurrada pôs a cidade, de novo, em luto: desta vez, até o início da noite de domingo, eram cinco óbitos confirmados e três pessoas desaparecidas.

Como num filme repetido, moradores assistiram em pânico às ruas inundarem, encostas desabarem e gente tendo que ser salva da correnteza. Aos 289 desalojados ainda da tragédia do mês passado, juntaram-se 839 pessoas que tiveram que ir para abrigos.

Não deu tempo nem de terminar a limpeza, e muitas das regiões tomadas pela lama eram as mesmas de semanas atrás, como o Morro da Oficina, no Alto da Serra, e a tradicional Rua Teresa, em que pelo menos 70 lojas foram afetadas. Um cenário desalentador que só fez exacerbar as dúvidas sobre quanta dor e prejuízo as chuvas ainda podem provocar onde olhar para as nuvens com medo virou rotina.

Das cinco mortes de agora, duas foram na Rua Oswero Vilaça, na mesma região do Morro da Oficina, onde houve o pior deslizamento de fevereiro. O local já tinha sido apontado como área de risco pelos técnicos da Defesa Civil municipal, mas não tinha sido interditado.



Em outro ponto, na Rua Washington Luís, no Valparaíso, uma construção de três andares desabou, soterrando uma família de seis pessoas — das quais duas foram encontradas sem vida —, na mesma via onde mês passado dois ônibus foram engolidos pela cheia do Rio Piabanha. E perto dali, na Rua Pinto Ferreira, foi registrada outra morte.

No prédio da Washington Luís, morreram Heloisa Helena Caldeira da Costa e o filho, Nelson Ricardo da Costa. Mais três pessoas continuavam desaparecidas ontem: Mirian Gonçalves do Vale, de 35 anos, a sobrinha e o namorado da jovem. Antes da tragédia, uma corredeira havia se formado perto do imóvel, e parentes tentaram convencer os moradores a deixar a construção, que teria rachaduras, segundo conta um irmão de Mirian, Leonardo Luís Vale Lopes. Foi em vão. Veio tudo abaixo, segundo relatos, por volta das 22h.

— Minha irmã, como é cabeça dura, falou: “Não, vou voltar para minha casa”. Voltou. A casa caiu, e ela está no meio dos escombros — disse o Leonardo.

Parentes contaram que o drama da família poderia ter sido pior, não fosse o padrinho de dois sobrinhos de Mirian, com 6 e 12 anos, que retirou as crianças da casa por volta das 15h, quando já chovia forte. Vizinho do imóvel, o astrônomo Marcelo Antônio Barros afirma que a Defesa Civil já tinha emitido um laudo condenando a construção, antes mesmo da chuva de fevereiro.

— A orientação era, se chovesse, sair de casa — contou ele, afirmando que o prédio tinha sido ampliado, para ganhar um terceiro andar, sem permissão da prefeitura.

Enquanto os bombeiros seguiam as buscas ali, eram mais de 365 ocorrências em 19 localidades. Na Chácara Flora, pessoas que, em fevereiro, escaparam com vida e saíram de suas casas após pedidos das autoridades, retornaram por falta de opção de onde morar e, mais uma vez, passaram por horas de terror.

Foi o que viveu a dona de casa Carla Maia, na Rua Manoel Vieira Bayão, que mês passado havia perdido uma tia e vizinhos soterrados em deslizamentos. No domingo, na casa que ela precisou abandonar e, depois, voltar, ela acompanhou apavorada o aguaceiro que caía do céu. Por morar em uma área alta, a inundação não atingiu sua residência, mas viu vizinhos em desespero, alguns resgatados com cordas, devido à força da correnteza.

— Tudo de novo, o mesmo terror do mês passado! As casas mais baixas encheram até o teto. Como faz para dormir assim? Estou acordada há 24 horas — dizia ela, conformada em ter de sair de casa novamente. — Vou procurar outro lugar. Não tem como ficar.

Outra moradora de uma casa interditada, a vendedora Fernanda Medeiros passou a noite com a família no quintal, embaixo da cobertura da garagem. Ela pretende permanecer em casa, mesmo com o alto risco envolvido:

— Se houvesse queda de barreira, a gente escutaria e daria tempo de correr. Não temos mesmo para onde ir. Não há como ficar em abrigo, precisando trabalhar e com as crianças na escola.

No Morro da Oficina, outra história assim. O casal Jussara Berlarmino e Carmelo de Souza optou por tirar os netos de casa após a chuva de fevereiro. No entanto, ambos permaneceram na residência, segundo vizinhos, depois de terem sido avisados pelos bombeiros de que deveriam deixá-la. Num deslizamento, a casa veio abaixo, e a enxurrada de água e lama arrastou os corpos dos dois por cerca de 50 metros.

Embora a casa das vítimas, na Rua Oswero Vilaça, tivesse sido declarada, junto com várias outras da vizinhança, como área de risco pelos bombeiros, desde fevereiro técnicos da Defesa Civil Municipal não estiveram no local para realizar a vistoria.

Morador do Morro da Oficina há 55 anos, o caseiro Ronaldo Alexandre de Morais confirma que diagnósticos condenando a região vêm desde a década de 1980:

— Na chuva de 1988, os geógrafos disseram que o morro é todo condenado.

A quinta vítima de domingo ainda não foi identificada.

O governador Cláudio Castro esteve em Petrópolis e anunciou a liberação de mais R$ 40 milhões. Segundo ele, o estado já está investindo R$ 200 milhões em obras na cidade. Desde a tragédia de fevereiro, a prefeitura recebeu R$ 38,25 milhões do governo federal, da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) e de doações.