disseminação

Mensagem de Bolsonaro derrubada após decisão do STF continua circulando no Telegram

Publicação do presidente com links para um inquérito sigiloso da PF foi compartilhada em 55 grupos de extrema-direita e de apoio ao governo federal

Jair Bolsonaro - Isac Nóbrega/PR

A mensagem publicada pelo presidente Jair Bolsonaro em seu canal no Telegram, que motivou a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de pedir o bloqueio do aplicativo, continua circulando em grupos do serviço de mensagens.

Antes de ser derrubada pela empresa, a publicação foi compartilhada ao menos 330 vezes, em 55 grupos de extrema-direita e de apoio ao governo federal, segundo monitoramento de pesquisadores das universidades federais da Bahia e de Santa Catarina.

A disseminação se manteve porque o conteúdo derrubado pelo Telegram, para não ver seu funcionamento barrado no Brasil, afetou apenas o canal de Bolsonaro. A publicação, que contém links para um inquérito sigiloso da Polícia Federal (PF) sobre a invasão por um hacker dos sistemas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nasceu do canal do site bolsonarista Terça Livre, renomeado como Censura Livre. Os documentos foram publicados às 21h22 de 4 de agosto, e compartilhados por Bolsonaro oito minutos depois.

No último domingo (20), após a decisão de Moraes, a mensagem voltou a circular em outros canais do aplicativo. Um dos compartilhamentos, com 3 mil visualizações, veio originalmente de um canal antissemita chamado "Narigudos do Brasil (Eichmann-Sama)", banido do aplicativo. Outra mensagem, replicada em diversos grupos e canais, têm 4 mil visualizações.

Cada publicação em um canal possui um contador de visualizações, segundo o Telegram. Visualizações em mensagens encaminhadas também são incluídas no contador total, dessa forma é possível ver quantas vezes ela foi encaminhada. Os documentos sigilosos podem sem baixados com apenas um clique de qualquer uma das mensagens.

Os links publicados originalmente pelo Censura Brasil vieram de um site chamado brasileiros.social, hospedado na rede social Mastodon, e foi retirado do ar em agosto passado. Seu administrador é Daniel Cid, irmão do tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, ajudante de ordens da Presidência da República e indiciado pela PF por crime de violação de sigilo funcional.

Diante da derrubada da publicação de Bolsonaro, usuários passaram a compartilhar a mesma mensagem, com os mesmos links, enfatizando um discurso segundo o qual o STF quer "esconder do povo" as provas de que houve fraudes na eleição de 2018, estas jamais comprovadas. 

O presidente tornou as informações públicas com o objetivo de atacar a credibilidade das urnas eletrônicas, embora não houvesse relação do ataque com o funcionamento das máquinas.

"Aqui estão os documentos que ele mandou tirar do Telegram do Presidente. São a prova de que o sistema eleitoral FOI INVADIDO SIM, o que pode causar FRAUDE NAS ELEIÇÕES deste ano, como fizeram nos EUA. Por que ele quer esconder isso das pessoas???", diz uma das mensagens, que circula num grupo bolsonarista com 64,9 mil pessoas, com o link para os documentos.

Apesar de ter sido tirado do ar por seu dono, o brasileiros.social ainda pode ser acessado por meio do serviço gratuito "Internet Archive", do site Wayback Machine, um grande arquivo que armazena versões antigas de sites. É de lá que o PDF, com 210 páginas e 12 megabytes, vem sendo acessado.

Voltar toda a atenção e esforços para o aplicativo enquanto a fonte da desinformação se mantém ativa é, segundo especialistas ouvidos pelo Globo, inócuo.

"Estão colocando excessiva ênfase no Telegram e não na fonte da informação. Deletar uma mensagem específica não resolve o problema da desinformação, porque existe um efeito em rede em razão do compartilhamento infinito. (Derrubar a publicação de Bolsonaro) é mais simbólico do que prático", diz Leonardo Nascimento, professor da UFBA que pesquisa ambientes digitais de desinformação com foco no Telegram junto dos colegas Letícia Ceasarino e Paulo Fonseca.

Outros veem a estratégia de Moraes relevante para criar obstáculos à disseminação de mentiras e ataques às instituições democráticas. Para Bruna Martins dos Santos, pesquisadora visitante no WZB Berlin Social Science Center e membro da Coalizão Direitos na Rede, enquanto a linha adotada pelo STF é interessante por tentar bloquear comunicadores específicos, como Allan dos Santos, criando dificuldade extra para o compartilhamento dessas mensagens, ela não susta a existência desse conteúdo.

Bruna cita a desplataformização promovida contra o ex-presidente Donald Trump, banido de suas redes sociais por incitar a invasão do Capitólio, como positiva para diminuir os espaços de onde conteúdos desinformativos e perigosos vêm. Ela defende maior transparência e responsabilização das plataformas digitais como outro eixo de combate à desinformação.

"Na decisão da sexta-feira, Moraes chega a citar que 95% das mensagens públicas do Telegram circulariam em um grupo de canais específico. É um tipo de informação que a sociedade civil precisa ter acesso para a gente pensar em estratégias para o problema da desinformação no país", diz ela.