Tragédias em Petrópolis acirram críticas à "taxa do príncipe" e rusgas entre a família imperial
Com o dinheiro, seria possível construir, por ano, entre 48 e 160 casas com 47 metros quadrados para desabrigados
A enxurrada que deixou 234 mortos em Petrópolis, em 15 de fevereiro, e o temporal de domingo passado, que acabou com pelo menos mais cinco vidas, foram o estopim para acirrar as críticas à cobrança da chamada “taxa do príncipe” e as rusgas entre integrantes da família imperial brasileira.
Nas contas do empresário e ex-vereador da cidade Anderson Juliano, com o laudêmio — nome oficial da tal taxa, a ser paga sempre que um imóvel é vendido — foram recebidos entre R$ 14 milhões e R$ 16 milhões em 2021. Se o parâmetro for o que foi declarado à Junta Comercial do Rio (Jucerja), a receita operacional da Companhia Imperial de Petrópolis (CIP), que administra a taxa, alcançou R$ 4,88 milhões, em 2020.
Com esses valores, seria possível construir entre 48 e 160 casas por ano para desabrigados, levando-se em conta um preço médio de R$ 100 mil por imóvel de 47 metros quadrados, estimado pela Secretaria estadual de Infraestrutura e Obras (Seinfra). Em Petrópolis, há 348 famílias vítimas das chuvas de 2011 que ainda recebem aluguel social. Outras 83 aguardam há 11 anos pelo benefício.
— É muito dinheiro para a família imperial, que não ajuda em nada à cidade. Não dão doam parte do laudêmio que recebem — reclama Juliano.
Conhecido como Dom Joãozinho, o empresário e fotógrafo João Henrique de Orleans e Bragança, trineto de Dom Pedro II, deixa claro que o laudêmio não tem sentido nos dias de hoje:
— Dom Pedro II foi um dos maiores progressistas do seu tempo, com ideias sociais avançadíssimas e, naquela ocasião das colonizações, criar esse taxa foi importante para estabelecer famílias nas áreas em que elas nem sequer tinham condições financeiras de ocupar. Atualmente, entretanto, o laudêmio está ultrapassado e deve ser extinto em todo o país.
O assunto, aliás, está em ebulição no Congresso Nacional. Uma proposta de Emenda à Constituição (PEC), aprovada na Câmara, obriga os donos de imóveis localizados nos chamados terrenos de marinha, à beira-mar, a pagar 17% do valor do bem, em dois anos, deixando de recolher a taxa anual de foro (0,6%) e o laudêmio (de 5%, quando o imóvel é vendido).
No caso dos imóveis atrelados a famílias, dois projetos de lei foram apresentados recentemente para acabar com a “taxa do príncipe”, pelos deputados federais Marcelo Freixo (PSB-RJ) e Rogério Correia (PT-MG).
Desde 1847, herdeiros da família imperial têm direito ao laudêmio sempre que é vendido um imóvel da área da antiga Fazenda Córrego Seco, que ocupa o centro histórico e bairros como Quintandinha, Bingen, Mosela e Alto da Serra, todos do 1° Distrito do município (Centro) e atingidos pelo temporal do último dia 15.
Pelas projeções de Anderson Juliano, 60% dos cerca de 95 mil imóveis cadastrados no IPTU em Petrópolis são atrelados aos Orleans e Bragança. Com o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), de 2% sobre o valor da venda, a prefeitura arrecadou cerca de R$ 29 milhões, em 2021. Usando como parâmetros o que é recolhido de tributo para o município de tributo e o percentual de imóveis ligados à família imperial, Juliano estima que a “taxa do príncipe” (2,5% do preço comercializado) rendeu entre R$ 14 milhões e R$ 16 milhões no ano passado.
— Quando fui vereador (2013/2016), com a ajuda do então deputado Jorge Bittar, construímos um projeto, apresentado na Câmara Federal, que não acabou não indo a plenário. A ideia era extinguir o laudêmio de famílias.
Já a certidão obtida pelo portal Metrópoles, e confirmada pela Jucerja, mostra que a CIP somou receitas de R$ 5,16 milhões, em 2020, das quais R$ 4,88 milhões operacionais. No ano anterior, os valores tinham sido aproximadamente 3% menores: R$ 5,02 milhões e R$ 4,82 milhões, respectivamente.
Além do laudêmio (taxa na comercialização), o direito da enfiteuse sobre bens prevê a cobrança do foro (taxa anual). Mas os herdeiros de Dom Pedro II abriram mão do foro.
— Acho que ficou muito caro controlar o foro. O laudêmio já dava dá tanto dinheiro... Para que gastar energia com o foro? — alfineta Juliano.
Um novo ingrediente serviu para botar ainda mais lenha na fogueira. Numa mensagem, divulgada no site oficial da Casa Imperial do Brasil divulgado e na sua conta do twitter, no último dia 16, Dom Bertrand de Orleans e Bragança, cita a “profunda consternação com os terríveis danos causados” pelo temporal em Petrópolis e destaca que a família imperial “encontra-se sempre disposta a servir seu povo, oferecendo ainda nossas orações e solidariedade”.
Diante da repercussão negativa da mensagem e das críticas de internautas ao laudêmio, Bertrand voltou às redes sociais, dois dias depois, dessa vez para se defender. Destacou que sua “família imediata (meus irmãos, sobrinhos e eu) não recebe quaisquer quantias referentes ao laudêmio percebido pela Companhia Imobiliária de Petrópolis”. Ele prossegue dizendo que seu “saudoso pai, o Príncipe Dom Pedro Henrique de Orleans e Bragança (…), vendeu todas as suas ações da dita Companhia Imobiliária ainda na década de 1940”.
Embora sem citar valores, o Diário Oficial do estado, de 30 de agosto de 2021, revela que, em 17 de março do ano passado, foram aprovadas as contas e as demonstrações financeiras da CIP de 2020. Informa ainda sobre a escolha de Afonso Bourbon de Orleans e Bragança para diretor-presidente. E cita a dispensa de Pedro Carlos Bourbon de Orleans e Bragança, eleito para o cargo, “por motivo de foro íntimo”.
Procurado, o advogado Arthur Tostes, da CIP, não quis se manifestar, pedindo que fosse procurada a diretoria administrativa da companhia, que não foi localizada. O presidente do Conselho Fiscal da CIP, Jarbas Barsanti, também não respondeu aos pedidos de entrevista.
Mas enquanto a polêmica sobre a “taxa do príncipe” ganha fôlego, Dom Joãozinho estende suas críticas a políticos, citando a responsabilidade que teriam na nova tragédia ao estimular a migração populacional para a região, durante os anos 1970:
— Naquele momento, ainda sem órgãos de fiscalização, como Ministério Público, prefeitos levavam moradores de cidades como Nova Iguaçu e Duque de Caxias para ocupar os morros de forma criminosa, em troca de votos nas eleições. Agora, 50 anos depois, precisamos deixar claro que o que aconteceu no Morro da Oficina e em outros lugares tem culpados: governantes que deixaram esse contingente de gente humilde habitar áreas de risco.