Esportes

Atletas temem que demissão de diretor de Esportes do COB atrapalhe preparação para Paris-2024

Isaquias Queiroz, dono de quatro medalhas olímpicas, diz que já se sente prejuducado e pede que Paulo Wanderley "tenha vergonha na cara e explique o ocorrido"

Jorge Bichara (centro) foi demitido na última terça-feira (22) - Divulgação / COB

A demissão do diretor de Esportes do Comitê Olímpico do Brasil (COB), Jorge Bichara, na tarde da última terça-feira (22), não só pegou os atletas e membros do movimento olímpico de surpresa como deixou o ambiente em clima de apreensão. Para além da questão política, os atletas estão preocupados com a preparação para os Jogos Olímpicos de Paris em 2024, daqui a cerca de 2 anos e meio. Entre os principais temas estão a preparação em si e a programação para chegar à Olimpíada.

Isaquias Queiroz, dono de quatro medalhas olímpicas sendo um ouro em Tóquio-2020, disse que a demissão de Bichara já atrapalha sua caminhada para Paris-2024. Ele se disse "abalado psicologicamente" e explicou: se não fosse o ex-diretor, ele não teria se dedicado à seleção permanente de canoagem e que após a morte de seu treinador, Jorge Jesus, ele não teria se mantido no grupo para chegar a Tóquio.

Isaquias disse que "espera que os chefões de terno não tirem mais ninguém da equipe do Bichara porque vai nos prejudicar mais ainda". Ele teme que a seleção permanente seja impactada com os novos rumos da diretoria de Esportes.

"O Jesus me dava as broncas e o Bichara me acalmava, me ensinava. Em 2021, estava estressado com a rotina da seleção e foi o Bichara que me colocou de novo no caminho, no grupo. Por isso eu digo, não teria sido campeão olímpico se não fosse pelo Bichara", elogia Isaquias, em entrevista exclusiva ao GLOBO. "Espero que o presidente do COB tenha vergonha na cara e vá a público explicar o motivo da demissão. Não tem, né? Eu não posso me esconder agora. E espero que não seja punido por isso. Quando fui ouro no Japão, o presidente nem me deu um abraço. O Bichara chorou comigo"

Yane Marques, presidente da Comissão de Atletas do COB (CACOB), disse nesta quarta-feira que, diante do fato consumado, os atletas querem respostas, ainda não dadas pela entidade. Ela contou que o presidente Paulo Wanderley, que demitiu Jorge Bichara apesar do último ciclo olímpico vitorioso, tem um grupo de Whatsapp com os atletas e que ele se limitou a compartilhar a nota oficial do COB. E não falou mais nada sobre o assunto.

Em nota curta, o COB agradeceu "ao profissional pelos serviços prestados ao longo de sua trajetória" e informou que Rogério Sampaio, diretor-geral, assume a função interinamente.

"Nem seria saudável reverter este caso. O que os atletas precisam é de segurança e que o caminho até Paris será bem planejado. Porque as competições classificatórias começam agora. Imagino que esta também seja a preocupação do presidente Paulo Wanderley", declarou a representante. "Paulo Wanderley tem canal aberto com os atletas e normalmente interage com todos. Mas não falou mais nada, mesmo diante dos questionamentos. Teve muita mensagem trocada no grupo ontem. Todos querem entender mais. Não é uma questão de achar certo ou errado. Porque ele (presidente) tem a prerrogativa de demitir um funcionário. A preocupação é com o futuro dos atletas. Querem ser tranquilizados e saber quem será o responsável pela programação direta da preparação olímpica.

O presidente do COB foi contactado pela reportagem nesta terça-feira e nesta quarta-feira e em resposta disse que "não tenho o que acrescentar". A assessoria de imprensa do COB também informou que não há nada a acrescentar ao conteúdo da nota e que o substituto de Bichara está sendo discutido.

Bichara é considerado o principal responsável pelos recordes de medalhas nos Jogos Pan-Americanos de Lima e nas Olimpíadas de Tóquio. No Japão, foram 21 medalhas conquistadas, sete de ouro, seis de prata e oito de bronze, duas a mais do que o total há cinco anos, no Rio de Janeiro. Atletas, ex-atletas, presidentes de confederações e até de comitês olímpicos estrangeiros se mostraram solidários a Bichara.

Nos bastidores, comenta-se que é exatamente por causa disso, ele foi demitido. O ex-diretor, que trabalhava há 17 anos no COB, não é da panela de Wanderley e o presidente quer ter "100% de domínio da entidade".

Um atleta comentou que Bichara tinha relação muito próxima dos atletas em geral e que sua diretoria é "praticamente a responsável pelas nossas carreiras", é a responsável por "pensar o caminho a percorrer". Outro disse que Bichara "é uma pessoa que se envolvia diretamente nisso (preparação)" e que "construiu muita coisa".

Frases como "que paulada", "isso é péssimo para nós", "foi um tiro no pé" foram explicitadas.

O ciclista Henrique Avancini, que chegou a liderar o ranking mundial do mountain bike, também não teve medo de se posicionar. Em sua rede social lamentou o fato: "Chocante! Beira o absurdo! Jorge Bichara é uma das pessoas mais competentes com quem tive a oportunidade de trabalhar".

Ricardo Leyser, membro independente do Conselho Administrativo do COB, explicou que o conselho não pode interferir nas decisões do presidente mas que o grupo vai procurar entender o contexto e os motivos pelos quais a demissão ocorreu. E disse que é preocupante não ter ainda um nome de peso para o cargo e que esta substituição deveria ter sido pensada.

Esclareceu ainda que nesta quinta-feira haverá uma reunião do conselho, mas a pauta do encontro será os Jogos Sul-americanos da Juventude, no final de abril, em Rosário

"Não é uma atribuição estatutária do conselho validar ou não uma demissão ou uma contratação. Mas, assim como todos, me preocupo com a forma como a demissão foi feita, me pareceu atropelada, sem um substituto já escolhido. Não há uma decisão sobre sucessão, não há um nome de peso técnico e por isso não é uma situação confortável para ninguém", analisou Leyser. "A comunicação, inclusive, foi ruim".

O vice-presidente Marco La Porta contou que só soube da decisão de Paulo Wanderley quando ela foi comunicada oficialmente, e que ele não concorda com ela. La Porta considera que Bichara era um diretor vencedor e que desempenhava um ótimo trabalho com sua equipe. Disse ainda que "não podemos deixar que a política destrua tudo o que vem sendo feito”.

"Fiquei incomodado de não ter participado da decisão", declarou o vice-presidente que em conversa com Wanderley não avançou no tema. "Ele disse que a decisão foi dele, que eu tenho o direito de não concordar e 'seguimos'. Se ele acha que precisa renovar...".

La Porta era próximo de Bichara e foi o chefe de missão das vencedoras delegações brasileiras Jogos Pan-Americanos de Lima-2019 e dos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020.

Também é comentado nos bastidores que La Porta, que sempre foi aliado de Wanderley, está "sendo oportunista para surfar na crise", uma vez que será candidato à presidência em 2024.

Segundo comentários, eles teriam uma espécie de acordo em que Wanderley não se lançaria candidato e apoiaria seu vice e que este era um "caminho natural". Mas, o atual presidente deve concorrer.

"Não estou me aproveitando de nada. Minha manifestação foi contra a demissão e nada mais do que isso... Não sei se serei candidato e também não sei se o presidente será", negou La Porta, que já havia declarado que gostaria que a disputa entre eles não chegasse na espera esportiva.

La Porta afirmou que não quer que esses dois anos e meio seja "um inferno dentro do COB".

"Me propus a ficar quieto no meu canto e deixar ele fazer do jeito que ele quisesse. O que eu queria era blindar o esporte para não atrapalhar os resultados de Paris. Isso não podia chegar ao esporte, mas agora chegou. A partir do momento que chegou no esporte está deflagrado o processo. E não tenho mais porque ficar quieto".