Economia

Telemarketing teve crescimento durante a pandemia e se tornou abusivo, dizem especialistas

Especialistas citam experiências internacionais na tentativa de diminuir o impacto de ligações não desejadas

Telemarketing - Freepik

O uso do telemarketing para alcançar os consumidores teve um aumento durante a pandemia e chega a ter características abusivas, apontaram especialistas que participaram do seminário "Combate ao Telemarketing Abusivo" promovido pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) nesta sexta-feira (25).

O conselheiro da Anatel e moderador do seminário, Emmanoel Campelo de Souza Pereira, ressaltou que o crescimento do telemarketing durante a pandemia foi resultado de uma tentativa das empresas de manterem os ganhos em um cenário econômico de crise, mas que causou um comportamento “predatório”.

— Hoje eu já chamo essa prática de telemarketing predatório porque é algo insustentável e insuportável e inclusive utiliza dados pessoais dos cidadãos obtidos sabe lá de qual forma — disse.
 

Em sua fala de abertura, o conselheiro ressaltou que nesse cenário, a Anatel estabeleceu a regra de identificar as ligações de telemarketing com o 0303 na frente do número no início de março. Para chamadas a partir de celulares, a regra já está valendo e passa a funcionar para linhas fixas em junho.

Na avaliação de Bruno Ramos, diretor da União Internacional de Telecomunicações (UTI) para as Américas, algumas práticas de marketing, como o por ligação, se tornaram “completamente obsoletas” durante a pandemia e chegam a ser abusivas.

— As taxas de conversão vindas de telemarketing são baixas, além de ineficientes se tornam abusivas porque não terem padrão para contato com o cliente e por quantidade de vezes que expõem os mesmos a situação — apontou.

Teresa Félix, analista da Cullen International, apresentou um estudo feito em dez países europeus sobre a implementação de serviços de identificação de chamadas para evitar ligações não solicitadas.

No grupo de República Tcheca, França, Holanda, Reino Unido, Itália, Irlanda, Portugal, Espanha, Suécia e Alemanha, apenas os quatro primeiros têm uma lei ou regulação nesse sentido.

Em outros países, como Irlanda, Portugal, Suécia e Itália, assim como na França e Reino Unido, foram criadas listas de consumidores que não desejam receber ligações de telemarketing.

— Uma das soluções encontradas foi a criação de listas em que os consumidores podem registar e manifestar se desejam ou não ser contactados por parte de empresas para fins comerciais — apontou Félix.

A ex-vice-relatora do grupo de estudos sobre direitos do consumidor da UIT, Archana Gulati, destaca que o telemarketing é muito utilizado porque permite que a empresa entre em contato direto e instantâneo com o consumidor.

— É uma comunicação instantânea, o consumidor fica imediatamente disponível para a empresa de telemarketing — apontou.

Patrick Webre, vice-chefe do Bureau Internacional da Federal Communications Commission (FCC), a agência de comunicações dos Estados Unidos, ressaltou que o governo vem criando regras para diminuir os problemas com telemarketing e fraudes desde 2017.

Ele conta que golpistas chegaram a utilizar o próprio número do FCC, que não é usado para ligações, para aplicar fraudes. O problema foi resolvido ao colocar o número da agência em uma lista de números que não podem fazer chamadas.

— Alguns anos atrás, nosso número de atendimento gratuito estava aparecendo nos identificadores de chamadas das pessoas, que ouviam que deviam dinheiro para o governo ou pedidos por dados pessoais — relatou.

No painel sobre as iniciativas da Anatel, Carlos Manuel Baigorri, conselheiro e indicado para a presidência da agência, destacou que não existe “bala de prata” para resolver a questão e que novas medidas devem continuar a ser desenvolvidas nos próximos anos.

— Um ponto que sempre reitero e penso que devemos de fato fazer a regulamentação da perspectiva do consumidor, mas inevitavelmente eu creio que precisaremos usar o enforcement estatal, o peso da caneta do estado, na questão — disse.

Já a superintendente de Relações com Consumidor da Anatel, Elisa Leonel, ressaltou que esse é um problema multifacetado que entrou na agenda da agência em 2017.

—  Embora o painel seja sobre o telemarketing, a questão é mais ampla e geralmente as ligações inoportunas abusivas estão relacionadas a fraudes, crimes, roubo de dados pessoais e assim por diante —  pontuou.

Vinicius Oliveira Caram Guimarães, superintendente de Outorga e Recursos à Prestação da Anatel, explicou a decisão de inserir o 0303 nos números de telemarketing. Segundo ele, esse é um ótimo recurso para “empoderar o cliente” e foi escolhido também por permitir uma grande quantidade de números.

— Criamos e começamos a usar o recurso do 0303 com mais 7 dígitos, o que dá a possibilidade de 10 milhões de números, o código 0303 era muito pouco utilizado e oferecia grande quantidade de números — apontou.

Sobre as chamadas feitas com números “mascarados” de outros, Gustavo Santana Borges, superintendente de Controle de Obrigações da Anatel, disse que a agência está trabalhando em uma regulamentação para autenticação dessas ligações.

— A gente entende que precisa ser mitigada com fatores de identificação de chamadas, de fato nós precisamos criar uma credibilidade mais assegurada das chamadas e isso está em estudo por parte da Anatel — explicou.

Para Jacintho Arruda Câmara, professor da Faculdade de Direito da PUC/SP, embora a Anatel tenha assumido o papel de combater o telemarketing abusivo, a agência enfrenta dificuldades porque a prática não é restrita ao setor regulado pela Anatel, de prestadoras de serviços de telecomunicações.

— Existe todo um universo de potenciais infratores ou causadores desse comportamento indesejado que não está diretamente ligado ao poder de regulação da Anatel — destacou.

Em sua fala, Miriam Wimmer, diretora da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), citou casos ao redor do mundo em que empresas de telemarketing não trataram corretamente dos dados pessoais, ressaltando que o problema tem várias frentes e as soluções precisam de várias abordagens.

— O maior problema que nós temos hoje no telemarketing não é o primeiro contato, mas os contatos repetidos, abusivos, ainda que o titular de dados claramente manifeste que não tem interesse nesse tipo de comunicação — afirmou.

Para finalizar o evento, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, disse que ele pessoalmente sofre com as ligações não solicitadas de telemarketing, assim como toda a sociedade.

— Não há um consumidor hoje em dia que não tenha sido alvo de ligações, operadoras de telemarketing, representando assim as mais variadas empresas, ligações essas, no meu sentir, nas quais são oferecidos serviços e produtos que na maior parte das vezes nunca foram solicitados — disse.