Política

Juristas veem censura e criticam decisão do TSE que proibiu manifestações no Lollapalooza

Ex-presidente da Corte, Marco Aurélio diz temer "arroubos autoritários". Seccional paulista da OAB também critica decisão tomada pelo ministro Raul Araújo.

Pabllo Vittar com bandeira de Lula no Lollapalooza - Reprodução Multishow

A decisão do ministro Raul Araújo, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), proibindo "manifestação de propaganda eleitoral ostensiva" durante as apresentações do festival Lollapalooza, foi criticada pelo ex-ministro Marco Aurélio Mello, que já presidiu o TSE e o Supremo Tribunal Federal (STF), por advogados eleitorais, e pela seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Marco Aurélio chamou a decisão, tomada a pedido do PL, o partido do presidente Jair Bolsonaro, de censura.

A legenda acionou a Corte no sábado, após a cantora Pabllo Vittar levantar, durante o show que fez no evento, uma bandeira com a foto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Raul Araújo, um dos ministros do TSE responsáveis por analisar ações relacionadas à propaganda eleitoral, também determinou uma multa de R$ 50.000 por cada ato de descumprimento da decisão.

Questionado se entende que houve censura, Marco Aurélio respondeu: "Concordo. Quando se proíbe que se levante cartaz, isso parte para a censura, o que é inadmissível em ares democráticos. O que se pode depois é averiguar o abuso na utilização do meio de comunicação visando o êxito de uma candidatura futura, que ainda não existe sequer. Eu receio muitos esses arroubos autoritários. Não sou saudosista de uma época de exceção".

Ele também defendeu a liberdade de expressão. Segundo ele, o que pode ser feito é um controle posterior, ou seja, procurar a Justiça após alguma irregularidade ter sido cometida, e não um controle anterior, proibindo manifestações desse tipo:

"O pessoal está confundindo muito as coisas, e deixando em plano secundário a liberdade de expressão, que é um bem maior. Você não pode obstaculizar a liberdade de expressão. Você pode sim buscar as consequências, se houver abuso".

O ex-ministro lembrou que é possível punir um artista com multa se for constatado algum abuso e se verificada a ocorrência propaganda eleitoral irregular. Mas também destacou que é difícil proibir a ocorrência dessas manifestações.

"Você de início proibir fica muito difícil, porque é algo incontrolável. Você pode buscar as consequências, que passam pela demonstração do abuso", afirmou o ex-ministro.

Em nota, a seccional de São Paulo da OAB se disse preocupada com "a proibição de manifestação política" no festival e "a confusão da livre expressão de opinião com propaganda eleitoral ostensiva e extemporânea". A entidade destacou que "a liberdade de expressão, por meio da manifestação espontânea e gratuita de ideias, é essencial para assegurar a continuidade democrática e fomentar o debate público sobre eleições".

A entidade disse ser importante a contraposição de teses, argumentos e opiniões no processo eleitoral. Destacou ainda respeitar a atividade dos tribunais do país, mas também esperar que "as normas sejam aplicadas em consonância com princípios constitucionais".

"Silenciar a voz de cidadãos com multa em valor superior à pena no caso da ocorrência da conduta, pode tolher o exercício da cidadania, limitar a difusão de ideias e empobrecer a qualidade e variedade do debate público nas mais diversas arenas da sociedade civil", diz trecho da nota.

Advogados eleitorais ouvidos pelo GLOBO também criticaram a decisão. Antonio Ribeiro Júnior, integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), disse que houve censura, mas discordou de quem defende o mero de descumprimento da decisão. Para ele, é preciso apresentar recurso no TSE para derrubá-la. O advogado também afirmou que já houve manifestações da Corte antes contra decisões que possam levar à censura. Assim, não se pode proibir previamente manifestações. O correto é acionar a justiça depois, caso alguém avalie que tenha ocorrido algum tipo de abuso.

"É censura prévia. Nós temos vários casos em que o TSE e a Justiça Eleitoral podem até aplicar a multa, considerando a propaganda eleitoral, mas não vedam previamente a manifestação", disse Antonio Ribeiro Júnior.

O também advogado eleitoral Cristiano Vilela disse não vê no episódio os elementos que costumam ser considerados pela Justiça Eleitoral para caracterizar propaganda eleitoral antecipada.

"Foi uma decisão muito polêmica do ponto de vista jurídico, porque não teve alguns elementos de pedido de voto específico, houve uma manifestação política genérica. Aliás, a própria Anitta assim o fez uns dois dias antes. Não teve menção a número, cargo e à eleição concomitantemente, que é a tríade "exigida" pela Justiça eleitoral para configurar a propaganda antecipada. E foi feita por uma pessoa na forma de livre manifestação do pensamento.

No meio jurídico, houve também manifestação de apoio à determinação do ministro Raul Araújo. O promotor Clever Vasconcelos, do Ministério Público de São Paulo, disse em sua conta no Twitter que a decisão "diz respeito a manifestações eleitorais, de antecipação de eventuais campanhas, mas não impede a liberdade de expressão genérica".

Em sua decisão, Raul Araújo avaliou que os artistas fizeram "comentários elogiosos ao possível candidato", no caso Lula, e "pediram expressamente que a plateia presente exercesse o sufrágio em seu nome, vocalizando palavras de apoio e empunhando bandeira e adereço em referência ao pré-candidato de sua preferência".