GUERRA NA UCRÂNIA

Alemanha acolhe judeus da Ucrânia 77 anos após o Holocausto

Cerca de 3 mil judeus ucranianos, de um total de mais de 283 mil refugiados ucranianos, teriam encontrado refúgio na Alemanha

Frank Rumpenhorst / dpa / AFP

Na entrada de uma escola judaica em Berlim, um desenho proclama "Bem-vindos" em letras multicoloridas junto com as bandeiras da Ucrânia, Alemanha e Israel e grandes corações vermelhos desenhados por mãos ainda não muito hábeis.

As boas-vindas são para as nove crianças judias ucranianas que a escola do movimento Massorti (conservador) acolhe desde que fugiram precipitadamente de Kiev, Odessa e Kharkiv devido à invasão russa. 

Quase 80 anos após a queda do regime nazista, é na Alemanha onde milhares de judeus ucranianos encontram refúgio, especialmente em Berlim, onde são recebidos de braços abertos pelos muitos judeus de língua russa que aqui se estabeleceram após o fim do regime soviético. 

"Vivemos uma situação historicamente notável no contexto dos terríveis crimes da Segunda Guerra Mundial cometidos pelos alemães na Ucrânia", aponta Felix Klein, comissário do governo de Olaf Scholz para a luta contra o antissemitismo, durante uma visita a esta escola. 

Cerca de 3 mil judeus ucranianos, de um total de mais de 283 mil refugiados ucranianos, teriam encontrado refúgio na Alemanha, segundo estimativas de Klein.

Raízes ucranianas 
"Dada a história alemã, não é tão óbvio" que os judeus ucranianos busquem proteção aqui, afirma o presidente do Conselho Central dos Judeus da Alemanha, Josef Schuster. "Mas a Alemanha tem sua responsabilidade histórica".

Desde o início da invasão russa, os alemães juntaram-se a uma imensa onda de solidariedade e vão às estações oferecer alojamento, comida ou roupas aos ucranianos que deixaram tudo para trás. 

Dentro da comunidade judaica, "estamos particularmente bem preparados", explica a rabina Gesa Ederberg nesta escola, onde cerca de 60 alunos de 6 a 12 anos estudam alemão e hebraico. 

"40% dos membros da nossa comunidade têm raízes ucranianas", ressalta. "E 80% falam russo", acrescenta.

Por 30 anos, a Alemanha se tornou a terra prometida para muitos judeus da antiga União Soviética, concedendo-lhes residência permanente e permissões de trabalho.

Entre 1993 e 2020, mais de 210.000 judeus da Rússia, Belarus ou Moldávia fizeram da Alemanha sua nova pátria a ponto de sua comunidade, quase exterminada durante o Holocausto, ser agora a terceira maior da Europa depois da França e do Reino Unido. 

Recém-integrada na "aula de acolhida" da escola, Sonia descobriu uma comunidade judaica em Berlim que é "muito maior do que em Odessa", indica esta menina de onze anos, com mechas loiras descoloridas e as meias puxadas até os joelhos.

A guerra no almoço 
Para Ilona, entrar na comunidade Massorti da qual ela era membro em Kiev foi como encontrar uma família. 

"Temos um teto e conseguimos dar segurança aos nossos filhos", explica esta mãe de duas filhas de 13 e 5 anos, cujo rosto ainda se enche de lágrimas ao recordar a odisseia que a levou à Alemanha.

"Estávamos em um trem para Chernivtsi (sudoeste) na noite em que a guerra estourou", lembra ela, segurando a mão de uma amiga. "Ficamos lá por uma semana" antes de sermos evacuadas de ônibus.

Os vínculos entre os judeus da Ucrânia e da Alemanha também permitiram a evacuação de 120 crianças, a maioria órfãs, de Odessa para Berlim.

E alguns membros da comunidade até abriram as portas de suas casas, como Till Rohmann, que recebeu duas famílias de Odessa e Kharkiv em sua casa.

Não é fácil "digerir a guerra à mesa do almoço e do jantar", admite este pai de dois filhos, de 5 e 2 anos. "Fazemos o nosso melhor para que se sintam bem", acrescenta este músico que, há sete anos, acolheu refugiados da Síria. 

"Ao contrário de 2015, temos semelhanças culturais com os judeus ucranianos", diz. "Temos meios de comunicação com o hebraico, podemos fazer a oração do 'sabá' juntos".

Se Ilona se diz "extremamente grata" pela acolhida dos alemães, a angústia faz seu estômago dar um nó ao pensar no marido "recrutado como voluntário" para defender o país ou na irmã e sobrinha, ainda presas em Kiev.