Rússia concentra tropas na Ucrânia e ameaça cortar fornecimento de gás à UE
Segundo o chefe da OTAN, o presidente russo pretende "reforçar sua ofensiva em Donbass", a região do leste da Ucrânia
A Rússia reagrupa suas tropas na Ucrânia para lançar novos ataques, informou a Otan nesta quinta-feira (31), em um momento em que Moscou abre uma nova frente ameaçando cortar o fornecimento de gás à União Europeia se não receber o pagamento em rublos.
"As unidades russas não estão se retirando, mas se reposicionando", assegurou o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg.
Segundo o chefe da Aliança Transatlântica, o presidente russo, Vladimir Putin, pretende "reforçar sua ofensiva em Donbass", a região do leste da Ucrânia já controlada pelos separatistas pró-russos, "mantendo a pressão sobre Kiev e outras cidades".
Haverá "mais ataques, com mais sofrimento", acrescentou.
O general ucraniano Pavlo "Maestro" considerou igualmente que as tropas russas "estão se reagrupando para atacar e enviar um máximo de forças" ao sul e leste do pais, em declarações à AFP em Karkhiv.
A agência nuclear da Ucrânia, Energoatom, informou que as tropas russas que tomaram em 24 de fevereiro a usina nuclear de Chernobyl, cenário em 1986 da pior catástrofe nuclear civil, começaram a se retirar do local "em duas colunas em direção a Belarus".
Enquanto isso, Putin anunciou nesta quinta que os países "hostis", incluindo todos os membros da União Europeia (UE), deverão prestar contas em rublos e que "os pagamentos do gás que será entregue desde amanhã, 1º de abril, serão feitos destas contas".
O chanceler alemão, Olaf Scholz, afirmou que os países da UE vão continuar pagando pelo gás russo em euros e dólares, como previsto nos contratos.
"Disse claramente ao presidente russo que as coisas continuarão assim", afirmou, em alusão a uma conversa por telefone que manteve na quarta com Putin.
A Rússia proibiu, ainda, a entrada em seu território dos "máximos dirigentes" da UE e da maioria dos eurodeputados, em represália às sanções que enfrenta pela invasão da Ucrânia.
Os Estados Unidos, por sua vez, anunciaram novas sanções contra a Rússia, apontando desta vez ao setor tecnológico, incluindo o maior fabricante russo de semicondutores.
Crise humanitária maciça
Desde o início da invasão russa, em 24 de fevereiro, quatro milhões de ucranianos fugiram do país e 6,5 milhões se tornaram deslocados internos segundo a ONU. Noventa por cento dos que cruzaram as fronteiras são mulheres e crianças.
A Europa não via semelhante fluxo de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial. "Enfrentamos as realidades de uma crise humanitária maciça, que cresce a cada segundo", alertou o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (Acnur).
As autoridades ucranianas continuam tentando organizar a evacuação em Mariupol (sudeste), onde 160 mil civis permanecem bloqueados e submetidos desde o fim de fevereiro ao assédio e aos bombardeios do exército russo.
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) declarou-se disposto a dirigir esta operação "vital" se forem estabelecidas as garantias de segurança necessárias.
Moscou anunciou um cessar-fogo nesta cidade portuária às margens do mar de Azov a partir das 07h GMT (04h de Brasília) de quinta-feira, mas ignora-se de a medida foi cumprida.
As pessoas que conseguiram sair de Mariupol e as ONGs descreveram condições de vida catastróficas, com civis entrincheirados em porões, privados de água, comida e comunicações, e corpos espalhados nas ruas.
O chefe da diplomacia turca, Mevlüt Cavusoglu, anunciou discussões sobre um possível encontro entre os ministros das Relações Exteriores russo, Serguei Lavrov, e ucraniano, Dmitro Kuleba, "em uma ou duas semanas". A Turquia poderia receber esta reunião.
O negociador-em-chefe da Ucrânia, David Arakhamia, disse na quarta-feira que os diálogos on-line com a delegação russa seriam retomados na sexta.
Popularidade de Putin em alta
Na Rússia, a popularidade de Putin subiu 12 pontos em relação a fevereiro, com 83% de opiniões favoráveis, segundo uma pesquisa do instituto independente russo Levada, o primeiro desde o início da ofensiva na Ucrânia.
Os serviços de informações de Estados Unidos e Reino Unido afirmaram na quarta-feira que Putin está "mal informado" sobre o conflito e que seus assessores temem dizer-lhe a verdade.
O porta-voz presidencial russo, Dmitry Peskov, considerou, ao contrário, preocupante o escasso conhecimento da Rússia por parte dos dirigentes americanos.
Nos Estados Unidos "não entendem o presidente Putin, não entendem o mecanismo da tomada de decisões, não entendem o nosso trabalho", disse Peskov a jornalistas.
Repercussões econômicas
As bolsas europeias fecharam em baixa nesta quinta-feira, após o anúncio das medidas russas sobre o gás.
A guerra entre dois grandes produtores de matérias-primas e as sanções internacionais puseram os mercados sob tensão, com uma inflação cada vez mais pronunciada nos países industriais, de 6,4% interanual nos Estados Unidos e de 4,5% na França, segundo dados divulgados nesta quinta.
Segundo projeções do BERD (Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento), a economia da Rússia cairá 10% este ano e a da Ucrânia, 20%.
O impacto da guerra "também tem o potencial de gerar uma grande crise na América Latina", disse o presidente da Costa Rica, Carlos Alvarado, em declarações à AFP nesta quinta-feira em Paris.
Se optar por subsidiar os combustíveis, por exemplo, isso poderia aumentar a pressão sobre a dívida pública em países da região, o que poderia "também aproximá-los de uma crise", explicou.