Política

Partidos entram com ação na Câmara contra Eduardo Bolsonaro por deboche contra Míriam Leitão

PCdoB e PSOL protocolaram representação no Conselho de Ética da Câmara por quebra de decoro parlamentar

Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) - Nilson Bastian/Câmara dos Deputados

Uma publicação em rede social do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), debochando da tortura sofrida pela jornalista Míriam Leitão, colunista do GLOBO, durante a ditadura militar, provocou várias reações de repúdio. Partidos como o PCdoB,  PSOL e Rede entraram nesta segunda-feira com representações no Conselho de Ética da Câmara contra o parlamentar filho do presidente Jair Bolsonaro.

O comentário de Eduardo Bolsonaro foi feito em sua conta do Twitter, na tarde deste domingo, em resposta a uma postagem em que a jornalista afirmou que Jair Bolsonaro (PL) é um inimigo confesso da democracia. Eduardo Bolsonaro escreveu: “Ainda com pena da cobra”, numa referência a um dos métodos empregados pelos torturadores da jornalista.
 

A representação do PCdoB classificou a conduta do deputado como "incompatível com o decoro parlamentar" e o acusou de fazer "verdadeira apologia à tortura". "Em verdade, o deputado ora representado, foi muito além do deboche, não foi mero 'animus jocandi', o parlamentar do PL, fez verdadeira apologia a tortura, na medida em que o réptil a que fez referência, foi instrumento de tortura psicológica, cruel e que revela a mente sádica de quem a praticou, bem como de quem consegue extrair do fato, o que julga humor, galhofa, motivo de piada, aliás, a publicação do parlamentar revela muito sobre o seu caráter, ou melhor, a falta dele", diz o texto assinado pela presidente do PCdoB, Luciana Santos.

Já a ação do PSOL e da Rede pediu a cassação do mandato de Eduardo pelo que chamou de "atentado contra a dignidade de todas as mulheres".  "A cassação é imperativa e urgente. Não há nenhuma condição moral e política dele permanecer à frente de qualquer cargo público.

Diante desses fatos, é dever fundamental dos poderes constituídos, inclusive o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, a tomada das providências cabíveis para punir o Representado pelos referidos atentados contra à dignidade da jornalista", diz ação assinada pelo presidente do PSOL, Juliano Medeiros.

As ações foram anunciadas por deputados logo pela manhã de hoje. O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) disse que estava consultando os advogados da sigla para mover a representação pelo "deboche afrontoso e desumano à tortura sofrida pela jornalista". 

Em seus perfis no Twitter, as deputadas Natália Bonavides (PT-RN) e Sâmia Bonfim (PSOL-SP) também anunciaram que iriam acionar o Conselho de Ética. "A solidariedade à Míriam Leitão, torturada aos 19 anos e grávida, precisa ser a punição de Eduardo Bolsonaro", escreveu Natália.

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"Miriam Leitão estava grávida quando usaram uma Cobra numa sala escura para torturá-la. Um homem que faz piada com essa situação é desumano, repugnante", acrescentou Sâmia.

Esta não é a primeira vez que Eduardo Bolsonaro é alvo de processos no Conselho de Ética. Em abril de 2021, a comitê decidiu arquivar a acusação de que ele quebrou o decoro e atentou contra a democracia por sugerir, em entrevista, a adoção de um novo AI-5, ato que cassou as liberdades individuais durante a ditadura militar.

Em 2017, foram arquivados outras duas ações que pediam a suspensão dele por ter cuspido em direção ao então deputado federal Jean Wyllys (Psol-RJ) durante a sessão que votava a admissibilidade do pedido de impeachment de Dilma Rousseff. Wyllys, por outro lado, foi punido com uma censura por escrito pelo Conselho de Ética por ter cuspido no então deputado Jair Bolsonaro, que hoje é presidente da República.

Desde ontem, o comentário de Eduardo Bolsonaro gerou uma onda de repúdio por parte de políticos de diferentes partidos e ideologias.

O senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP) considerou o comentário covarde e asqueroso e “reflete o que essa família é”. O também senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) escreveu que o ataque grosseiro contra a jornalista visa desviar a atenção de problemas como fome, miséria e casos de corrupção. “A estratégia dos Bolsonaros é clara: usar falas polêmicas para desviar a atenção”, afirmou o parlamentar.

O deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ) classificou o deputado como um “monstro”. A ex-deputada Manuela D’Ávila afirmou “que ele debocha do Brasil e de nossas instituições”.

Professora Dayane Pimentel, deputada federal (União Brasil-BA), escreveu que Míriam Leitão pode ter escolhas políticas diferentes das suas, mas isso é democracia.

“Mas Eduardo Bolsonaro ameaçar, xingar e desrespeitar a mim, a ela ou a qualquer outra mulher só mostra o vil que é. Família Bolsonaro é perseguidora de quem não se curva”, escreveu a parlamentar.

Jornalistas dos mais diferentes veículos e economistas também se pronunciaram a respeito da agressão do filho do presidente.

“Durante a ditadura militar, usaram uma cobra para torturar a Míriam Leitão, que estava grávida. Hoje, essa figura nojenta publicou isso”, protestou o economista Sérgio Goldenstein.

Em 2014, Míriam Leitão relatou que, dois dias depois de ser presa e levada para o quartel do Exército em Vila Velha,  no Espírito Santo, ela foi retirada da cela e escoltada para o pátio. Míriam estava grávida. Seu suplício, iniciado no dia 4 de dezembro de 1972, até ali já incluía tapas, chutes, golpes que abriram a sua cabeça, o constrangimento de ficar nua na frente de 10 soldados e três agentes da repressão e horas intermináveis trancada na sala escura com uma jiboia. A caminho do pátio escuro, os torturadores avisaram que seria último passeio, como se a presa estivesse seguindo para o fuzilamento.

Leia o editorial publicado pelo GLOBO na noite deste domingo sobre o tema:

"Repugnante e inaceitável

FOI REPUGNANTE, ofensiva e absolutamente inaceitável a manifestação do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) que fez referência à tortura sofrida pela jornalista Míriam Leitão, colunista do GLOBO, durante a ditadura militar.

EM POST publicado numa rede social contestando uma crítica feita por Míriam ao presidente Jair Bolsonaro — ela o chamara de “inimigo confesso da democracia” —, o filho Zero Três zombou de um dos episódios mais dramáticos e cruéis da vida dela, a tortura a que foi submetida nos porões da ditadura enquanto estava grávida.

A MANIFESTAÇÃO do deputado deve ser repudiada com toda a veemência. É incompatível não apenas com o que se espera de um detentor de mandato popular, mas sobretudo com a decência e o respeito humanos. Merece, além do repúdio firme, providências das instituições obrigadas constitucionalmente a zelar pelo Estado de Direito".