REAJUSTE

Plano de saúde individual: setor pode ter novo modelo de reajuste a partir de 2023; entenda

Objetivo é atrair operadoras, que deixaram segmento de lado. Para analistas, risco é aumentar ainda mais valor de contratos

Cédulas de cem reais - José Cruz/Agência Brasil

Os planos de saúde individuais estão prestes a sofrer um reajuste de dois dígitos em maio. Mas a partir de 2023, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) pode rever o modelo de cálculo destes contratos. A ideia é tornar o segmento novamente atraente para as operadoras.

Ele representa cerca de 20% do mercado, mas foi deixado de lado pelas empresas nos últimos anos. Entre fevereiro do ano passado e fevereiro deste ano, o número de usuários em planos coletivos aumentou em 1,54 milhão. No mesmo período, os individuais tiveram queda de 117 mil pessoas.

As operadoras afirmam que rever a metodologia de cálculo do reajuste é fundamental para voltar a oferecer o produto. A reclamação das empresas é que o percentual autorizado pela ANS não reflete a variação real de custos do segmento.

Para especialistas em defesa do consumidor, o risco é que os reajustes fiquem ainda mais altos, encarecendo o valor da mensalidade. De outro lado, quem deixa de contar com um plano coletivo praticamente não encontra ofertas de contratos individuais no mercado hoje.
 

O presidente da ANS, Paulo Roberto Rebello Filho, pretende colocar o tema como prioritário na agenda regulatória da agência para o próximo ano. Mas o debate de fato já começou. A FenaSaúde, que representa as maiores operadoras do setor, já disse que está preparando um material para apresentar à agência para subsidiar a discussão.

— Se flexibilizar o reajuste, a agência promoverá maior competitividade e premiará quem faz uma boa gestão — avalia Vera Valente, diretora executiva da federação.

As discussões ainda estão no estágio inicial, mas, segundo fontes, até agora já surgiram três propostas. Uma delas é a revisão técnica do contrato — algo que já está previsto na legislação. Neste caso, de tempos em tempos, a operadora faria reajustes adicionais, caso fique comprovado que o percentual aplicado não foi suficiente para garantir o equilíbrio econômico-financeiro da carteira e colocaria em risco a qualidade da assistência prestada.

Outra hipótese em debate seria adotar aumentos regionais, de acordo com as características de cada localidade. E se discute ainda a possibilidade de definir uma banda de reajuste, que funcionaria como uma margem, qualquer reajuste acima do percentual exigiria prestação de contas à ANS.

Renato Casarotti, presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), diz que a fórmula do reajuste poderia continuar sendo determinada pela ANS, mas que nesse novo formato cada empresa deveria apresentar o resultado da sua conta à agência.

— Hoje, a oferta de planos individuais se concentra basicamente em operadoras que têm rede verticalizada (própria). Uma operadora que oferece ao consumidor livre escolha em sua rede credenciada pode ter necessidade de um reajuste mais alto. E o consumidor precisa entender essa mecânica. Se a regra abre essa possibilidade, volta a oferta e isso terá um efeito na concorrência, pois o consumidor terá de fato para onde fazer a sua portabilidade de contrato — pondera Casarotti.

O presidente da ANS se apressa em dizer que não se trata de uma desregulamentação do reajuste dos planos individuais:

— Não estou dizendo que o aumento será livre. Mas se esse é um ponto que trava a oferta no mercado, a ANS tem que estar aberta à discussão — ressalta Rebello.

Ele aguarda a recomposição da diretoria da agência para formalizar o tema na agenda regulatório do triênio 2023-2025.

Para Ana Carolina Navarrete, coordenadora do programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec ), a mudança segue uma lógica equivocada:

— O plano individual se mostrou o melhor na proteção do consumidor e em refletir as variações de uso e de custo. Se a ideia é criar condições similares para que o mercado volte a vender esses contratos, o ideal era criar regras para os coletivos e não mudar aquilo que funciona bem.

Mario Scheffer, coordenador do Observatório da Judicialização da Saúde Suplementar da Faculdade de Medicina da USP, concorda:

— Defendemos a regulamentação de reajuste dos 80% restantes do mercado, que são desregulados. Entre eles, há parte extremamente vulnerável: os falsos coletivos com aumentos abusivos anuais.

Regular reajustes dos coletivos, de fato, não está na agenda da ANS. Mas Rebello diz que está nas suas prioridades a implementação de um sistema que garanta maior transparência em relação aos aumentos dos contratos coletivos:

— Esse é um processo que tem que acontecer em conjunto. É preciso sistematizar as informações sobre os reajustes dos planos coletivos, dando maior transparência a esses dados. É importante que o consumidor saiba qual foi reajuste aplicado por uma operadora a um plano similar ao seu. Isso empodera o consumidor e aumenta a competição.

Na avaliação de Casarotti, da Abramge, a proposta de aumento de transparência é desafiadora, mas bastante positiva para as empresas:

— O grande desafio é que cada empresa adota uma metodologia diferente de cálculo. Mas o consumidor precisa saber qual a variação do custo médico naquela carteira, que indicador econômico entra naquele cálculo. Esse é um debate muito saudável.