Entenda como funciona o FNDE, fundo para melhorias da educação
Maior parte do orçamento de R$ 42 bilhões é de transferência obrigatória, mas R$ 1,8 bi são direcionados da forma com que gestores quiserem
Alvo de pastores com influência no Ministério da Educação (MEC) e de políticos do Centrão, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), criado em 1968, funciona como intermediário na relação entre estados e municípios e o MEC.
Em 2022, o órgão tem um orçamento de R$ 42 bilhões. No entanto, apenas 4,2% desse dinheiro é liberado para que o ministro decida seu destino. Mesmo assim, isso significa um montante de R$ 1,8 bi sob disputa.
Isso porque a maior parte do dinheiro do FNDE é de destinação obrigatória. Ou seja, diferentes leis regulam como, quanto e para onde vai determinada quantia cujo gasto, eventualmente, também já está definido.
É o caso, por exemplo, do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). O programa destina um valor pré-definido (entre R$ 0,32 e R$ 2, dependendo da etapa escolar) por aluno a cada dia letivo para estados e municípios comprarem de merenda.
Outro exemplo é a própria destinação da parte da União do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
A nova lei do fundo já definiu que parte desse dinheiro é enviado para os nove estados mais pobres do país (sete do Nordeste e dois do Norte) e outra para as cidades mais pobres (considerando o custo investido por aluno e por ano), independentemente do estado no qual elas se encontrem.
No entanto, o FNDE tem esse R$ 1,8 bi em disputa que podem ser disponibilizados da forma com que o presidente do FNDE e o ministro decidirem. Assim, são eles que escolhem como, quanto, para quem e para comprar o quê o dinheiro é liberado, o que, na avaliação de especialistas, abre espaço para influência política.
— Por isso é melhor que as transferências sejam com destino objetivo. Era melhor a União colocar mais dinheiro na merenda e no transporte e liberar os recursos dos entes para que eles decidam onde gastar. . Ou seja, aumentar os recursos objetivos e diminuir esse dinheiro do toma lá, dá cá — avalia Abreu.
Nesta terça-feira, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que o FNDE suspenda a compra de ônibus escolares até que o tribunal apure se houve sobrepreço no processo de aquisição da frota. No sábado, o jornal "O Estado de S. Paulo" revelou que o prejuízo da compra dos veículos acima do preço aceitável pela área técnica poderia chegar a R$ 732 milhões.
Na semana anterior, Milton Ribeiro foi demitido do cargo após um áudio dele ter vazado no qual ele afirma que repassa verbas do FNDE para municípios indicados por dois pastores – e que faz isso em atenção a um pedido do presidente Jair Bolsonaro.
— Resolver essas questões do financiamento não é uma dificuldade técnica. Ela é política, porque vai deixar de ter esses recursos que sustentam essa relação política com o Congresso e os gestores locais — defende Mariza Abreu, especialista em financiamento da educação.
Um marco importante para a descentralização de recursos foi a criação do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), em 1995. Ele é um montante de dinheiro, distribuído de acordo com o número de matrículas entre as redes, que, como o nome diz, vai diretamente para os diretores dos colégios decidirem quais as suas necessidades específicas.
Em 2007, o Brasil chegou a construir um sistema para tentar minimizar a influência política na decisão do destino das verbas. O Plano de Ações Articuladas (PAR) é um mecanismo no qual os secretários de educação do país respondem aos questionamentos do MEC que terminam por realizar um diagnóstico do que eles precisam nas redes deles. A partir disso, podem fazer requisições do que precisam: a compra de ônibus escolares, a reforma de escolas, a construção de creches, etc.
— O FNDE foi, durante muito tempo, um balcão de negócios mesmo. Com o PAR é que as transferências voluntárias puderam ser organizadas por critérios técnicos, quando as redes demonstravam efetivamente suas necessidades — explica Caio Callegari, pesquisador em financiamento da educação.
No entanto, como não há dinheiro suficiente para atender todas as requisições dos estados e prefeituras, é preciso definir as prioridades. Nesse momento, mesmo o desenvolvimento do PAR deixa espaço para as decisões políticas, explica Callegari.
— A lei do PAR previa que as redes mais vulneráveis, pelo nível socioeconômico ou pelo Ideb, deveriam ser priorizadas. Isso funcionou bem durante alguns anos. No entanto, foi constatado que essas redes não tinham competência técnica de efetivar os programas e isso se perdeu. Aí, em vez de fortalecer essas redes, se abriu para outros critérios — critica o especialista.
Fundeb - R$ 30 bi
Programa Nacional de Alimentação Escolar - R$ 3,9 bi
Digitalização das escolas, via Fust - R$ 3,5 bi
Compra de livro didático - R$ 2,8 bi
Programa Dinheiro Direto na Escola - R$ 2 bi
Manutenção do transporte escolar - R$ 772 mi
Reforma de escolas - R$ 945 milhões
Apoio ao Desenvolvimento da Educação Básica - R$ 590 milhões
Construção de escolas para educação infantil - R$ 100 milhões
Compra de ônibus pelo Caminho da Escola - R$ 14 milhões
*Dotação atual, ou seja, o gasto previsto pelo orçamento para cada ação em 2022, segundo o Siop