Queremos transformar o excesso de arrecadação em redução de impostos, diz assessora de Guedes
Braço direito do ministro, Daniella Marques critica governadores por ICMS do diesel e defende privatização da Petrobras
Braço direito do ministro Paulo Guedes, a secretária especial de Produtividade e Competitividade, Daniella Marques, colocou na sua nova sala na Economia uma imagem de Nossa Senhora Desatadora dos Nós, próxima a um retrato do presidente Jair Bolsonaro. O gesto não foi em vão.
Marques acredita que, daqui até o final do ano, ainda é possível desatar os nós de alguns projetos da equipe econômica no Congresso para retomar o crescimento do Brasil. Em sua primeira entrevista depois de assumir o seu novo posto, a secretária critica os governadores por não reduzirem o ICMS do diesel, defende a privatização da Petrobras e afirma que o governo está buscando formas de transformar o excesso de arrecadação em redução de impostos.
Quais projetos a equipe econômica não conseguiu executar, mas ainda podem sair do papel?
Para este ano, o nosso papel é formular, idealizar medidas, executar e trabalhar para aprovar e contribuir para o debate democrático. Existe uma vontade de dar continuidade, de não parar. Vejo com otimismo o projeto do Marco das Garantias e a medida do registro eletrônico de cartório.
O governo prometeu, mas até agora não apresentou a renovação do Pronampe…
O Pronampe foi aprovado na comissão do Senado e foi direto para a Câmara. Estamos falando de quase R$ 50 bilhões de reais em crédito. O projeto tem o apoio do governo, e eu espero que tramite, seja aprovado e promulgue rápido. A outra dimensão está em fase final de tramitação no Palácio do Planalto, que é a consolidação dos recursos da União, aportados em fundos de garantia, para disponibilizar crédito. Editando essa Medida Provisória, o aporte pode alavancar mais de R$ 40 bilhões em crédito também focado em MEI (Microempreendedor individual) e em micro e pequena empresa.
Por que não foi ampliado o IPI para 33%, como o ministro Paulo Guedes chegou a sinalizar?
O ministro tem dado uma diretriz, e estamos buscando formas de transformar o excesso de arrecadação em redução de impostos. Já chegamos a debater (uma redução de) 50%, 33% e continua 25%. Esse é um debate vigente. Isso é o contrário do que os estados vêm promovendo.
Como assim?
Existe um excesso de arrecadação não só para a União como também para os governos estaduais. Diversos estados, ao invés de promover uma redução de impostos, concederam aumentos de salários que já custaram quase R$ 40 bilhões aos cofres públicos. Nenhuma restrição ao aumento de salários, mas a gente agora precisa estimular o setor produtivo para que seja possível custear não só as folhas como os próprios aumentos de salários.
Há também uma discussão para aumento de salários dos servidores federais...
Existe a demanda sim, e é legítimo que exista. As representações de classe estão vocalizando o pleito, mas existe uma realidade orçamentária que temos que lidar. Estão tentando construir uma solução, mas uma solução que esteja dentro do espaço discricionário que temos no Orçamento atual.
O projeto para reduzir o preço dos combustíveis até agora não teve o efeito desejado. O que aconteceu?
Esperávamos uma redução potencial de R$ 0,60 no diesel, com R$ 0,30 pelo PIS/Cofins que foi zerado, e R$ 0,30 pela regra de transição no ICMS aprovada pelo Congresso. Haveria uma redução imediata do preço do diesel. Os estados não só desrespeitam a regra aprovada pelo Congresso como congelaram a alíquota do ICMS em R$ 1, que é o topo da média da tabela dos 27 estados. Como a regra não foi respeitada, esse efeito se anulou.
Outra medida pode ser tomada?
Não vejo agora nenhuma outra medida sendo discutida no curto prazo.
A senhora ainda acha que o governo é liberal?
Acho que sim. Quando eu olho para trás, no primeiro ano, focamos na reforma da Previdência, e em ajustes de contas públicas. O arcabouço fiscal que foi construído neste governo é muito sólido. Mas tivemos que sair do nosso caminho liberal para combater uma pandemia. Gastamos R$ 700 bilhões, quase 10% do PIB, para salvar vidas, empresas e empregos. Teve um choque econômico e de saúde que nos tirou desse caminho. Saímos do pior momento da pandemia e fechamos 2021 com superávit de contas públicas. Se isso não é ser liberal, não sei o que é. Muito foi feito e obviamente muito tem a fazer.
Mas quando o presidente Jair Bolsonaro tenta controlar o preço do combustível, isso não contraria a cartilha liberal?
Eu respondo por ações. Nunca se interferiu na política de preços da Petrobras. Esse é o fato.
O ministro Guedes defende a privatização da Petrobras. O presidente Bolsonaro já se convenceu disso?
Acho que a classe política inteira demonstra estar se convencendo. É uma questão de amadurecimento de debate. O modelo de estatal sociedade mista hoje não atende nem ao acionista, porque a ação tem desconto, nem à população. Também terá que ser endereçado no futuro a desverticalização da cadeia, porque a Petrobras controla a produção em várias etapas, principalmente refino, transporte e logística. O modelo de abrasileirar combustível infelizmente não existe numa commodity global.
Algumas pautas emblemáticas da equipe econômica não avançaram no governo Bolsonaro. Caso das privatizações e da reforma tributária. O que aconteceu?
Essas pautas estão na agenda prioritária do governo. A sociedade civil tem que se engajar. É uma questão de amadurecimento do debate.
Como o governo está desenhando essa isenção de IR para estrangeiro para estrangeiros em títulos privados?
Hoje existe isenção para investidor estrangeiro nos títulos públicos, nas ações de empresas privadas emitidas na B3, e nas ações emitidas por empresas de capital fechado através de fundos de private equity e de venture capital. O que propomos é dar isonomia de tratamento para títulos e valores mobiliários emitidos por empresas privadas. O Brasil virou uma fronteira fechada dos investimentos estrangeiros para esse tipo de ativo. Estamos falando de estoques de ativos de ativos de quase R$ 900 bilhões onde a participação do investidor não residente não chega a 1%.
Como o governo pretende reduzir a fila do desemprego?
O grande legado que está construído para gerar empregos são os investimentos contratados por meio do plano de concessões que o governo conduziu. Já fizemos mais de 350 eleições de concessão, com 5G, rodovias, aeroportos, parques, etc.. Isso gera investimento contratado. São R$ 843 bilhões no modelo de demanda de investimento e não de outorga.
O governo ainda não lançou o mercado de crédito de carbono. Quando isso virá?
Estamos negociando com o Congresso. O Brasil com certeza vai ser o maior gerador e exportador de crédito carbono do mundo. É um projeto que vai permitir preservar com monetizar. Estamos falando, segundo alguns relatórios de instituições internacionais, que o Brasil pode ter receita de US$ 100 bilhões de dólares por ano até 2030 com certificados de crédito carbono.
A senhora está encabeçando uma proposta de empreendedorismo feminino. Como isso funcionará na prática?
Vamos atuar na progressão das carreiras das mulheres no mundo corporativo e, na questão social, desenvolver capacitação, acesso à crédito, encorajamento, apoio e construção de políticas públicas principalmente para as pessoas que estão em situação de vulnerabilidade.
O governo Bolsonaro tinha três mulheres como ministra. Hoje, só tem uma...
Estamos no período final (do governo). Tivemos ministras muito fortes e competentes atuando em suas pastas, por vocação e mérito. A questão da representatividade é muito importante e elas mesmas propuseram os substitutos. Me perguntam “como é que você trabalha com o presidente machista e lançou um programa de empreendedorismo feminino?”. Hoje, a principal hegemonia dos homens está no poder financeiro e no poder político. Um presidente que tem, depois do ministro da Economia, como principal interlocutora, uma mulher e colocou na articulação política do seu governo uma mulher, que a ministra Flávia Arruda, é autoexplicativo.