Sudão do Sul

Mais de 14 mil civis fogem do Sudão do Sul por escalada da violência

Os combates se estenderam até domingo (10), impondo um alto preço aos civis deste condado

Manifestantes sudaneses participam de uma manifestação contra o regime militar antes de quebrar o jejum com uma refeição coletiva Iftar em 11 de abril de 2022 na capital Cartum durante o mês sagrado muçulmano do Ramadã - AFP

Há cinco dias, Detoh Rie vive nos pântanos do condado de Leer, assim como outras cerca de 14 mil pessoas que fogem do aumento da violência nesta região do Sudão do Sul

Os combates eclodiram na última sexta-feira (8) nesta parte do estado de Unity, no norte do país, entre tropas do SPLA IO, ligadas ao vice-presidente Riek Machar, e forças que desertaram deste movimento em agosto passado para se somarem ao inimigo jurado de Machar, o presidente Salva Kiir.

Os comandantes militares de ambos os lados, baseados na capital nacional, Juba, pediram imediatamente o fim das hostilidades. Os combates se estenderam até domingo (10), impondo um alto preço aos civis deste condado. 

"Os soldados atacaram nossas aldeias e queimaram nossas casas. Levaram vacas, cabras e mataram gente", contou Detoh Rie, em conversa por telefone com AFP, falando diretamente desta área de difícil acesso. 

"Toda a nossa comida foi queimada junto com nossas casas. Não temos nada", desabafa este pai de família, de 51 anos. 

Em um comunicado divulgado na segunda-feira (11), a Missão das Nações Unidas no Sudão do Sul (UNMISS, na sigla em inglês) informou que "muitas aldeias ao sul da cidade de Leer foram saqueadas e incendiadas". 

A nota também expressou preocupação com os relatos sobre a destruição do porto de Adok, no Nilo Branco, "o segundo polo econômico deste estado".

Estupros, assassinatos, saques

Na terça-feira (12), a porta-voz da UNMISS, Linda Tom, disse à AFP que as forças de paz estão "intensificando as patrulhas", referindo-se a "informes preocupantes de violência sexual, saques e destruição". 

De acordo com o prefeito do condado de Leer, Stephen Taker, 13.930 deslocados foram contabilizados na segunda-feira. As autoridades locais alertam, contudo, que este número pode ser muito maior, já que algumas pessoas ainda não chegaram às infraestruturas de ajuda, enquanto outras, como Detoh Rie, preferem se refugiar nas zonas vizinhas.

Kou Tek caminhou por quase quatro horas com sua família para se abrigar no pântano. Ele conta que, em sua aldeia, Waay, os agressores estupraram mulheres e meninas. Disse ainda que viu oito corpos - a maioria, homens. 

Longe dos combates, diz ele, o dia a dia nos pântanos continua sendo o da sobrevivência. 

“As crianças pegam água dos rios, que não é saudável. Muitas têm diarreia e não recebem nenhum medicamento”, lamenta este homem de 39 anos, pai de três menores.

“Eles e os idosos sofrem muito, e a maioria morre de fome”, acrescenta.

Em Muon, os deslocados abrigados em um acampamento militar “se encontram em estado de choque”, afirma o coordenador da Comissão de Socorro e Reabilitação da UNMISS, Paulino Kuch Mawich. 

“Precisam de comida, abrigo, água e atenção médica, mas é difícil saber quando vão receber”, reconhece, enquanto as organizações humanitárias continuam a retirar seus funcionários desta área, devido à violência a que são submetidos com frequência.

Esses combates agravam um quadro humanitário já "desastroso", segundo a ONU nesta região do Sudão do Sul. O país mais jovem do mundo está mergulhado na instabilidade política, econômica e de segurança desde sua independência do Sudão, em 2011.