Com "Medida Provisória", Lázaro Ramos quer que utopia vença distopia
Primeiro filme dirigido pelo ator baiano traz ficção que reflete as questões raciais no Brasil
Reconhecido pelos vários papéis marcantes que já viveu no cinema, como em “Madame Satã” (2002) e “Ó Paí, Ó” (2007), Lázaro Ramos tem experimentado o que é estar por trás das câmeras. Seu aguardado primeiro longa-metragem de ficção como diretor, “Medida Provisória”, finalmente entra em cartaz nas salas de cinema, nesta quinta-feira (14), após atrasos e tentativa de boicote.
Até chegar às telas, o filme precisou enfrentar alguns obstáculos. As gravações da obra ocorreram ainda em 2019, mas levou mais de um ano para a estreia em circuito nacional ser aprovada pela Agência Nacional de Cinema (Ancine). A liberação só veio em dezembro do ano passado. Além disso, personalidades como o ex-presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, utilizaram as redes sociais para atacar a trama do longa.
O roteiro de “Medida Provisória” é uma adaptação do espetáculo teatral “Namíbia, Não!”, escrita por Aldri Anunciação em 2011. O enredo é ambientado no Brasil, em um futuro distópico, quando o governo federal decreta uma medida obrigando os cidadãos negros a retornarem à África, como forma de reparar a escravidão.
O advogado Antônio (Alfred Enoch), sua companheira, a médica Capitú (Taís Araújo), e seu primo, o jornalista André (Seu Jorge), não aceitam a migração forçada. Enquanto os dois homens permanecem confinados no apartamento onde moram, a mulher busca refúgio em um “afrobunker”, espécie de quilombo moderno, que serve como esconderijo e quartel general da resistência.
O elenco ainda traz nomes como Adriana Esteves, Renata Sorrah, Mariana Xavier, Emicida, Flávio Bauraqui e Paulo Chun. Referências a artistas negros estão presentes ao longo de todo o filme, especialmente na trilha sonora assinada por Plínio Profeta, Rincon Sapiência e Kiko de Souza, com músicas de vozes como as de Elza Soares, Liniker e Xênia França.
Após a sessão de pré-estreia do longa no Recife, realizada no Cinema São Luiz, na semana passada, Lázaro Ramos destacou a representatividade da obra. “Preciso dizer que essa é equipe que teve mais negros na frente e atrás das câmeras na história do cinema nacional. Tu que vem aí é fruto disso”, comentou o diretor, que estava na companhia de Alfred Enoch. Filho de mãe brasileira, o ator britânico classificou o convite para gravar no Brasil como um presente. “Pessoalmente, foi muito marcante poder mostrar um trabalho meu em português para a minha família e dizer, através de uma fala do Antônio, que esse País é meu também”, apontou.
Com roteiro assinado pelo próprio Lázaro e por Lusa Silvestre, “Medida Provisória” mistura gêneros como humor, thriller e drama. Segundo o diretor e roteirista, boa parte das suas escolhas tiveram objetivos bem claros. “Eu não queria, por exemplo, que tivesse um corpo preto sangrando em cena. Também não queria ver armas nas mãos de um negro como se aquilo fizesse parte do seu extinto, como se fosse algo natural”, explicou.
De fato, armas de fogo aparecem em poucas cenas ao longo da produção. Em uma delas, o personagem interpretado pelo rapper Emicida tira o objeto da mão de um rapaz e o troca por um livro. “Talvez, esse seja um pensamento utópico, mas acho que a gente já está vivendo uma distopia. O sonho já não está dando mais conta do tempo que estamos vivendo. Por isso, precisamos ir além e sonhar o que parece ser impossível”, disse.