BRASIL

Bolsonaro tenta reverter crise com PF por pressão salarial

Presidente precisou montar operação de emergência para tentar debelar atritos com a categoria, considerada estratégica no seu plano de reeleição, sob acusação de descumprir acordo

O presidente Jair Bolsonaro - Alan Santos/PR

Acusado de descumprir acordo feito com policiais federais, o presidente Jair Bolsonaro precisou montar ontem uma operação de emergência para tentar debelar crise com a categoria, considerada estratégica no seu plano de reeleição.

Representantes da classe ficaram insatisfeitos com a decisão do governo de reajustar o salário de todos os servidores da administração federal em 5% e cobram um aumento maior do que os demais. A revolta acontece após o próprio presidente ter afirmado em diversas oportunidades que apenas Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Departamento Penitenciário Nacional seriam contemplados.

As reivindicações e o clima de revolta com o governo ameaçam a boa relação do presidente com um segmento que é um pilar eleitoral para ele. Desde o início do governo, as categorias policiais têm sido privilegiadas com várias concessões do governo.

Numa tentativa de acalmar os ânimos, Bolsonaro escalou o ministro da Justiça, Anderson Torres, para se reunir ontem com representantes de dez entidades ligadas aos policiais, num encontro marcado às pressas.

Na conversa, na sede da pasta em Brasília, Torres disse que o martelo ainda não estava batido sobre o aumento a todo o funcionalismo e que ainda tentaria reverter a situação, apresentando uma proposta em que o governo de alguma forma desse um reajuste diferenciado para as forças de segurança. Além do aumento maior que os 5%, a categoria reivindica uma reestruturação nas carreiras, outra promessa de Bolsonaro.
 

Segundo presentes, o clima de insatisfação da categoria ficou explícito no encontro com o ministro. Representantes dos policiais relataram a Torres que estava difícil “segurar a base” e que assembleias de servidores foram marcadas para hoje a fim de deliberar sobre uma reação ao não cumprimento das promessas feitas pelo governo. A expectativa dos policiais é que, com a pressão, consigam um reajuste salarial entre 16% e 20% para recompor as perdas inflacionárias dos últimos anos.

Após a reunião no Ministério da Justiça, que contou também com a participação de parlamentares ligados à área de segurança, Torres seguiu para o Palácio do Planalto. Ele disse aos policiais que levaria ao presidente o descontentamento da categoria. De todo modo, o ministro advertiu que Bolsonaro não tem o perfil de ceder a pressões e que radicalizar poderia colocar todas as negociações a perder.

Na conversa, parlamentares chegaram a propor que o governo desse o aumento linear para todo o funcionalismo, como previsto, mas que ao menos mantivesse para este ano a proposta de reestruturação das carreiras policiais, o que, na prática, significa criar novos postos, uniformizar cargos e reajustar os salários.

Cobrado a responder se o pleito será atendido, o ministro afirmou que não tinha como garantir uma resposta até hoje e que trataria do tema com Bolsonaro. Os deputados federais presentes na conversa, José Medeiros (PL-MT), Sanderson (PL-RS), Aluisio Mendes (PSC-MA) e Jorielson (PL-AP), também se comprometeram em falar com o presidente.

O reajuste linear de 5% a todas as categorias foi acertada na semana passada, em reunião de Bolsonaro com o ministro da Economia, Paulo Guedes. A decisão é uma tentativa de o governo colocar um ponto final na novela iniciada ainda no ano passado, quando Bolsonaro prometeu aumento a servidores federais, “nem que fosse de 1%”, conforme chegou a dizer em entrevista. Após uma queda de braço com a equipe econômica, o presidente mudou de ideia e passou a defender o aumento restrito apenas aos policiais federais, o que gerou uma onda de protestos das demais categorias do funcionalismo. Auditores da Receita e funcionários do Banco Central, por exemplo, chegaram a paralisar suas atividades em reação à medida.

Advertido pelo auxiliares de que privilegiar apenas as forças policiais poderia ter um custo muito alto em ano de eleição, Bolsonaro voltou atrás novamente e decidiu pelo aumento linear. Por outro lado, uma ala do Palácio do Planalto alerta que a valorização da categoria foi uma promessa de campanha do presidente.

Em nota divulgada na semana passada, a (Fenapef) deixou clara sua insatisfação:

“Devemos lembrar que o governo foi eleito com a promessa de que valorizaria os profissionais de segurança pública e, até então, os profissionais dessa área, tão utilizada pelo Governo e, em especial pelo próprio Presidente em suas propagandas na apresentação dos recordes alcançados, foi incapaz de promover qualquer modificação estrutural ou a reestruturação da carreira”, diz o texto.

Em viagem a Doha, no Catar, o presidente Jair Bolsonaro afirma que a aprovação da PEC dos Precatórios, que abriria espaço no Orçamento de 2022, permitiria ao governo dar um reajuste salarial a todos o servidores públicos federais. Na ocasião, ele não explicou de quanto seria o aumento.

Após Congresso e equipe econômica sinalizarem não ser possível um aumento amplo, que alcance todo o funcionalismo, Bolsonaro atua para que o Congresso aprove o Orçamento de 2022 com R$ 1,7 bilhão destinado para reajuste salarial restrito a servidores da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Depen e Ministério da Justiça.

Diante da mobilização de outras carreiras do funcionalismo com a possibilidade de apenas policiais receberem aumento, Bolsonaro passa a colocar em dúvida o cumprimento da própria promessa. Em entrevista à Joven Pan, ele diz que o reajuste para policiais estava suspenso.

Em reunião com a equipe econômica do governo, Jair Bolsonaro decide dar um aumento linear de 5% a todos os servidores, tanto civis quanto militares. Representantes de categorias de policiais federais, no entanto, reclamam de terem sido enganados pelo presidente e reivindicam reajuste maior.

Um emenda à Reforma da Previdência permitiu que policiais federais ganhassem regras de aposentadoria mais brandas, entre elas está a idade estabelecida para pedir o benefício. O texto-base previa 55 anos; o texto final, porém prevê que policiais se aposentem com 53 anos (homens) ou 52 anos (mulheres).

Em março, o governo federal criou o Habite Seguro, programa para subsidiar a compra de casa própria por profissionais da Segurança Pública com salário de até R$ 7 mil. O benefício contempla servidores ativos, da reserva, reformados ou aposentados das carreiras de policial civil, militar, federal, rodoviário federal, penitenciário, bombeiros, agentes penitenciários, peritos e guardas municipais. Para 2022 e 2023, a expectativa do governo é investir R$ 100 milhões por ano para pagar parte das parcelas que podem ser quitadas em até 35 anos.

Deputados aliados de Bolsonaro aprovaram na Câmara regime de urgência para o projeto que cria a Lei Orgânica das Polícias Militares, que dá mais autonomia à corporação. Um dos pontos prevê que a categoria tenha os salários atrelados ao teto dos ministros do STF, e não mais ao do governador de estado.

Bolsonaro assinou no mês passado quatro propostas de alteração legislativa para abrandar penas de policiais que cometem excessos e agravar penas a crimes cometidos contra agentes de segurança. Um dos projetos amplia a possibilidade de “legítima defesa” para profissionais de segurança pública durante operações. Pela proposta apresentada, em situação de flagrante, a autoridade policial deixa de efetuar a prisão se entender que o profissional de segurança pública praticou o fato amparado por qualquer excludente de ilicitude ou culpabilidade.

Bolsonaro publicou decreto permitindo que policiais tenham até dez armas de fogo — o limite para o resto da população é de quatro. Além disso, os dispensou de apresentar exigências para adquirir armas, como idoneidade moral e comprovantes de capacidade técnica e de aptidão psicológica.

O governo Bolsonaro também defende a implantação do programa “Pra Viver”, que prevê a garantia de direitos humanos para policiais. O projeto de lei de autoria das deputadas bolsonaristas Major Fabiana (PSL-RJ) e Carla Zambelli (PSL-SP) visa à melhoria da qualidade no trabalho, ao combate ao racismo e à liberdade de expressão. A iniciativa mira na proteção da vida, garantia das liberdades individuais e direitos culturais dos agentes. A proposta será financiada pelo Fundo de Segurança Pública e Direitos Difusos, pelos ministérios e com emendas parlamentares.