Julgamento de Daniel Silveira tem quatro votos pela condenação e um contra
Deputado federal é acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de agressões verbais e graves ameaças contra os integrantes do Supremo
O Supremo Tribunal Federal (STF) julga nesta quarta-feira ação (20) contra o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), acusado de agressões verbais e graves ameaças contra os integrantes da Corte e ao tribunal.
Com recados sobre os limites do exercício da liberdade de expressão, o ministro relator Alexandre de Moraes pediu a condenação do parlamentar a oito anos e nove meses de reclusão em regime inicial fechado, e aplicação de 35 dias-multa de cinco salários mínimos, cerca de R$ 192 mil. O ministro também determinou a perda do mandato político de Silveira e a perda dos direitos políticos enquanto durarem os efeitos da pena. Também votaram pela condenação os ministros André Mendonça, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. Somente Nunes Marques pediu a absolvição de Daniel Silveira.
Segundo o ministro relator, as declarações do deputado contra os integrantes da Corte e as instituições democráticas não estão protegidas por um "escudo protetivo". Em seu voto, Moraes citou diversas passagens das declarações de Silveira contra o STF e seus membros e disse que os ataques não são "palavras jocosas, em tom de brincadeira", mas "graves ameaças", instigando o povo contra as instituições.
Entre as declarações citadas pelo ministro está, por exemplo, a passagem em que o deputado diz que "o STF não vai existir, porque nós não permitiremos", ou que o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Luís Roberto Barroso fraudou as eleições de 2020.
— O que nós estamos vendo são mentiras descaradas, atividades criminosas, tentando levar o povo uma mensagem errônea, falsa, criminosa de que há fraudes nas urnas eletrônicas. O TSE no ano passado cassou um deputado estadual por isso, porque é uma atividade criminosa — disse Moraes.
Para o ministro, "as graves ameaças" feitas pelo réu consistiram em severas intimidações aos membros dessa Corte.
— Sem Poder Judiciário independente, autônomo, não existe estado de direito e sem estado de direito, não existe democracia — alertou, ao classificar a conduta do deputado como "gravíssima".
Já no início de seu voto, que contém mais de cem páginas, Moraes rechaçou a tese de que as declarações de Silveira estariam protegidas pela liberdade de expressão e fez uma defesa enfática da manifestação de opiniões que não abriguem "discurso de ódio" e "prática de delitos".
— A Constituição não garante a liberdade de expressão como escudo protetivo para a prática de atividades ilícitas, para discurso de ódio, discurso contra as instituições — afirmou o relator.
E continuou:
— A liberdade de expressão existe para a manifestação de opiniões contrarias, opiniões jocosas, sátiras, opiniões inclusive errôneas, mas não para imputações de ódio, atentados contra a Democracia — apontou.
Silveira, que ficou preso por quase um ano, é acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de agressões verbais e graves ameaças contra os integrantes do Supremo em três ocasiões; incitar o emprego de violência e grave ameaça para tentar impedir o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário por duas vezes; e estimular a animosidade entre as Forças Armadas e o STF, ao menos uma vez. Ele virou réu em abril de 2021.
Em seguida, o ministro Nunes Marques votou pela absolvição do deputado federal. O ministro, que foi o segundo a votar, é o revisor da ação penal contra o parlamentar e fez críticas à falta de ação da Câmara dos Deputados com relação à postura do bolsonarista.
— O que se vê aqui são bravatas que, de tão absurdas jamais serão concretizadas. Ele extrapolou e muito os limites do tolerável em sua postura, atingindo a própria Câmara Federal — disse Nunes Marques.
Ao votar, o ministro, que foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), diminuiu as chances de que o julgamento fosse paralisado. Havia a expectativa entre aliados de Silveira de que o ministro pedisse vista e suspendesse a análise do caso.
— É reprovável e inaceitável para um deputado federal agir com tais condutas, e eu me sinto constrangido por estar aqui a ter que cobrar que a Casa do povo preserve o decoro que o povo brasileiro merece — afirmou.
O ministro disse ainda repudiar a "lamentável linguagem" usada pelo parlamentar, mas disse entender que, "por mais absurdas que sejam", não vê como suficiente para condená-lo, julgando a denúncia como improcedente.
Também indicado por Bolsonaro, André Mendonça também votou durante a sessão desta quarta-feira, frustrando as expectativas de aliados de Silveira, que contavam com um pedido de vista que paralisasse o julgamento. Ele votou pela condenação de Silveira à pena de dois anos em regime aberto e multa de R$ 91 mil pelo crime de coação previsto no artigo 344 do Código Penal, divergindo em parte do relator, Alexandre de Moraes, sobre a aplicação do crime previsto da Lei de Segurança Nacional.
— É bem verdade que o deputado alertou que não estava fazendo ameaças ou que não estava incentivando outros a agir daquela forma, mas apenas revelando “ um desejo dele”. No entanto, pelo contexto fica nítido o caráter de ameaça e de incentivo em muitas das suas manifestações. A mera negativa nominal de que esteja fazendo ameaças não possui condão de alterar o conteúdo do que é dito, dê-se o nome que quiser — disse Mendonça.
Mendonça, que participou do julgamento por videoconferência diretamente de Lisboa, onde participa de um congresso jurídico organizado pelo decano da Corte, Gilmar Mendes, iniciou o voto falando do "alto grau de reprovabilidade" das declarações de condutas de Silveira.
— De tudo o que foi dito pelo deputado réu, [as manifestações] não se enquadram no âmbito das palavras, opiniões e votos previstos na imunidade parlamentar — disse, resslatando que as falas de Silveira estão inseridas "claramente" no âmbito das ameaças.
O julgamento começou com a leitura do relatório da ação penal por parte do ministro Alexandre de Moraes, que é o relator do caso. Em seguida, a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Maria Araújo, fez a sustentação oral por parte da Procuradoria-Geral da República (PGR), autora da ação penal.
— A conduta praticada pelo réu destoa do limite que o próprio Bobbio (o filósofo político Norberto Bobbio), em um de seus mais relevantes escritos, chama de ideal de não violência, de solução de conflito sem derramamento de sangue — disse Lindôra.
Ainda segundo a vice-procuradora-geral da República, em recado claro contra a postura de Silveira, o "discurso que instiga violência constitui ele mesmo violência moral, atingindo de modo específico membros de instituições fundamentais ao funcionamento do Estado".
— As declarações do denunciado tinham objetivo de constranger os ministros a que não praticassem atos legítimos — afirmou.
Em sua primeira sessão no plenário do STF, Lindôra afirmou que as imputações contra Silveira têm por base falas e manifestações que "ferem o domínio sensível de grave ameaça à legítima atividade constitucional de instituições democráticas pela violência moral direcionada a membro de órgão da cúpula a um dos poderes de República".
Assim, ao final da manifestação, a PGR pediu a condenação do deputado federal com base em crimes previstos nos artigos 344 e 359 do Código Penal. O artigo 344 dispõe que "quando o réu, com o fim de favorecer interesse alheio, profere ameaças em desfavor de pessoas que foram chamadas a intervir em processos policial e judicial movido em desfavor de terceira pessoa". Já o 359 diz que é crime " tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais".
— A Constituição deslegitima as condutas e discursos que, apostando na violência e na grave ameaça, substituem método democrático — disse Lindôra.
Falando pela defesa de Silveira, o advogado Paulo Faria afirmou que o deputado federal é inocente e que está sendo julgado por um tribunal que é "vítima e juiz". O defensor aponta que as declarações de Silveira contra o STF estão protegidas pela imunidade parlamentar, e se tratam de mera ironia.
— Este é um julgamento político porque o acusador, o juiz e vítima estão na mesma pessoa e isso viola o sistema penal acusatório — disse Faria, que teve uma hora para fazer a defesa do parlamentar.
Em 2021, Silveira foi preso e virou réu por incitar crimes e violência contra o STF e seus membros. Entre as declarações do parlamentar estão frases como: "O povo entre no STF e agarre o Alexandre de Moraes pelo colarinho dele e sacuda a cabeça de ovo dele e o jogue numa lixeira".
A poucos minutos do início previsto da sessão, Silveira foi barrado ao tentar entrar no plenário da Corte para acompanhar presencialmente o julgamento. O parlamentar, que estava acompanhado pelo também deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), foram informados de que não poderiam entrar no plenário devido a uma resolução baixada em fevereiro deste ano em razão da pandemia. A medida veda a presença de público no local, permitindo a participação apenas dos advogados de defesa.
Após ter a entrada vetada, Silveira disse que vai acompanhar o julgamento a partir da Câmara dos Deputados.
— Depois de nove ministros votarem uma medida inconstitucional, qual será a minha expectativa? — disse ao Globo, após ser questionado sobre a expectativa para o desfecho do julgamento desta quarta-feira.
A entrada do advogado de Silveira no plenário do STF também foi alvo de restrição. Paulo Faria se recusou a apresentar o comprovante de vacinação que é cobrado na entrada da Corte e, por isso, teve o seu acesso vetado ao prédio. A mesma resolução de fevereiro que proíbe a parmanência de público no plenário determina que a entrada na sede da Corte será condicionada à apresentação do passaporte da vacina, ou de um teste negativo.
A celeuma em torno da entrada do advogado atrasou em mais de uma hora o início do julgamento, marcado para começar às 14h. Somente após o advogado aceitar fazer um teste de covid-19 e apresentar o resultado negativo é que a sessão foi iniciada.
— O advogado inscrito para representar o denunciado recusou-se a fazer o teste noticiando que não tomara a vacina —, disse o presidente do STF, ministro Luiz Fux, no início da sessão.
Ao Globo, o advogado disse não haver lei que obrigue a demonstração do passaporte vacinal contra a covid-19, e não revelou ter se vacinado, ou não.