Mulheres no mercado de trabalho: depois do baque da pandemia, avanços importantes
Elas têm conquistado espaço em conselhos de administração e diretorias e lentamente recuperam salários e cargos de chefia
As trabalhadoras brasileiras sofreram um baque na pandemia. Pela primeira vez, menos de 50% das mulheres de 14 anos ou mais estavam no mercado de trabalho. A quarentena, o fechamento de escolas e creches e mais tempo gasto na casa e com os filhos empurraram as mulheres para fora do mercado.
Mesmo nesse quadro, houve avanços importantes no topo da carreira. Há mais mulheres nos conselhos de administração e diretorias, nos grandes coletivos, como OAB e Associação Brasileira de Ciências, que elegeu a primeira mulher presidente em seus 105 anos de existência.
No mercado de trabalho, o drama da pandemia tem ficado para trás. A mulher perdeu participação nos cargos de chefia, mas já recuperou o patamar de 2019, alcançando 39,5% dos cargos. Em 2020, caiu para 36,5%. Nos salários, em alguns setores, a situação feminina até melhorou, como observa a economista Cristiane Soares, especialista em questões de gênero.
Ela constatou que, em 2019, a mulher em cargos de direção e gerência em saúde e educação ganhava 67% do que recebia o homem na mesma função. Em 2021, subiu para 72%:
— Diminuiu a desigualdade em alguns setores que empregam bastante mulheres, como alojamento e alimentação, e saúde e educação. Houve valorização nos setores em que as mulheres estão. Neles, elas conseguiram se inserir nos nichos que pagam mais. Nesses ramos, sempre tinha ficado abaixo de 70%.
Promoção de gestante
Nos setores que têm forte presença masculina, nos quais os salários são maiores, Cristiane diz que não houve melhora, a ponto de, na média, a mulher em cargo de chefia ganhar 68% do salário masculino. Era 67% em 2019.
Ana Lucia Melo, diretora adjunta do Instituto Ethos, tem observado que, nos últimos cinco anos, há um movimento maior nas empresas para ampliar a presença feminina em posições de liderança, cargos executivos e conselhos de administração, com uma busca ativa das empresas nesse sentido. “mas é um conjunto bastante restrito”, afirma.
— Num levantamento das empresas do Ibovespa em 2021 chegou-se a um percentual de 16,1% de presença feminina nos conselhos. Há uma evolução: era de 6,9% em 2016. Os dados do perfil do Ethos não são muito diferentes. Devemos constatar essa mudança tanto na percepção como nos resultados na nossa próxima pesquisa.
Esse avanço ainda acontece mais nas áreas de comunicação, recursos humanos, sustentabilidade e remuneração, diz Ana Lúcia. Em posições executivas, o avanço foi menor, a presença passou de 6,5% para 12,2%, diz ela.
— As áreas de negócio, no que tem a ver com a área principal do negócio, ainda são tradicionalmente ocupadas por homens. Elas chegam num momento profissional em que ir para uma posição mais alta entra em conflito com papel familiar, com a maternidade. E acabam tendo de fazer uma escolha.
Segundo Ana Lúcia, as empresas estão atuando para dar equidade na oferta de benefícios, com aumento da licença paternidade, contratando e promovendo mulheres gestantes, para tentar reduzir o impacto desse trabalho reprodutivo na carreira:
—São iniciativas pontuais, mas já começam a ser adotadas.
O setor de bens de consumo tem sido onde os avanços são maiores. “Quem começou antes já está colhendo resultados”, diz a diretora do Ethos, mas ela faz uma ressalva: “estamos falando de ascensão de mulheres brancas”.
Feito histórico na OAB
A pandemia não impediu o aumento da representação feminina em grandes coletivos no país. Os mais emblemáticos são a OAB e a Academia Brasileira de Ciências. Em abril do ano passado, a OAB passou a exigir paridade de gênero nas chapas para eleição, além de cota de 30% para negros. No mesmo ano, cinco importantes seccionais elegeram mulheres para presidência: São Paulo, Bahia, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso.
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Fabiana Baptista, procuradora do Estado de Goiás, começou em 2017 um movimento “Menos rótulo, mais respeito”, com objetivo de aumentar a igualdade no Judiciário e por mais respeito pelas advogadas no ambiente de trabalho. Mas a situação mudou, diz ela:
— Avançamos bastante. Em 2019, tivemos pela segunda vez uma procuradora geral do estado. Temos chefe de gabinete mulher, e dois subprocuradores, um homem e uma mulher. Algumas pesquisas apontam que, no ingresso, temos 40% de mulheres.
De 2008 a 2018, a participação feminina nas comissões e nas bancas do concurso público subiu de 24% até 37%. Pela primeira vez, houve paridade no conselho federal. São 81 conselheiras. Até o ano passado, eram 16.
Na época, a campanha de Fabiana citava comentários ouvidos no trabalho do tipo: “bonita demais para ser inteligente”, “histérica”, “bonitinha, mas burra”, “deve ser a TPM”.
— Houve melhora nessa questão também. Hoje é no mínimo constrangedor fazer piadas. As pessoas estão revendo posturas. Estamos longe do ideal, mas houve avanços.
Outro coletivo importante que, pela primeira vez, elegeu uma mulher para a presidência foi a Associação Brasileira de Ciências (ABC), depois de 105 anos de existência. Até 2019, só tinha havido uma vice-presidente, nos anos 1960, Johanna Döbereiner, que desenvolveu um método de adubação para soja que aumentou a competitividade do grão.
— Em 105 anos, estamos celebrando a primeira mulher na presidência. Temos a primeira mulher diretora da Politécnica da USP e no IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) de São Paulo. São fatos que estão acontecendo, mas num número muito pequeno. Isso significa que temos um longo percurso pela frente—afirma Helena Nader, biomédica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que foi eleita para presidir a associação.
Ela já tinha sido presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e era vice-presidente da ABC desde 2019:
— Dos 13 titulares eleitos entre todos os pares, 62% são mulheres pela primeira vez. Mudar naquela velocidade ia levar muitos, muitos anos. Nós tivemos que fazer política de cotas e de busca para chegar a esses números.
Pior para mulher com filho
Ana Diniz, coordenadora do Centro de Estudos de Diversidade e Inclusão no Trabalho do Insper, diz que a sobrecarga dos cuidados e dos afazeres domésticos na pandemia atingiu as mulheres mesmo com escolaridade mais alta, como no caso das cientistas:
— No desempenho acadêmico, as mulheres casadas com filhos tiveram o desempenho profissional comprometido, mesmo dividindo o lar com o parceiro, mesmo com dois adultos em casa.
Ana se refere ao levantamento do Parent in Science, em 2020, com 15 mil cientistas, que mostrou que somente 8% delas conseguiram trabalhar remotamente, contra 18,3% dos homens. Enquanto 66,6% das mulheres com filhos conseguiram cumprir prazos de solicitação de fomento e bolsas, apresentação de relatórios e prestação de contas, entre os homens, também com filhos, a taxa sobe para 77,1%.
—Está surgindo uma tendência a montar questionários para bolsas de fomento com perguntas sobre filhos. Muitas vezes, a pesquisadora deixa de publicar por um tempo por causa da maternidade. Como as publicações são um quesito para bolsas, elas ficavam em desvantagem. A maternidade começa a ser levada em conta nessas análises —afirma Helena Nader.
E a escolaridade maior das mulheres —elas são maioria nas universidades desde o início dos anos 1990 —é desperdiçada, num país em que a produtividade na economia patina há décadas.
Segundo o doutor em população, território e políticas públicas. Marcos Hecksher, entre os ocupados no mercado de trabalho, as mulheres também são mais escolarizadas, mas isso não impediu que tivessem que se afastar do trabalho durante a quarentena para combater a Covid-19. Pela primeira vez, segundo cálculos do pesquisador, a participação feminina no mercado de trabalho chegou a menos de 50%, em 49,7%:
— A participação das mulheres com criança em casa de 0 a 10 anos se recuperou. A volta às aulas presenciais ajudou, mas ainda está abaixo de 2019, a 57,1% frente 58,5% de 2019.
Já entre os homens com crianças em casa, a participação praticamente já voltou ao período anterior à pandemia. Era 81,9% e agora está em 81,5%.