Ciência

Paciente que recebeu o primeiro coração de porco sofreu inúmeras complicações, diz médico americano

Descoberta reforça posição de cientistas que temem que órgãos de animais modificados possam facilitar introdução de novos patógenos nos homens

Cirurgiões realizando um transplante de coração de um porco geneticamente modificado para o paciente David Bennett, Sr., em Baltimore, Maryland, em 7 de janeiro de 2022 - University of Maryland School of Medicine / AFP

Um americano de 57 anos que sobreviveu por dois meses com um coração transplantado de um porco geneticamente modificado apresentou sinais de um vírus que os suínos carregam, de acordo com o cirurgião que realizou o primeiro procedimento do tipo.

A descoberta reforça uma das objeções mais prementes aos transplantes de animais para humanos, que é o uso generalizado de órgãos de animais modificados poder facilitar a introdução de novos patógenos na população humana.

A presença de DNA viral no paciente pode ter contribuído para sua súbita deterioração e morte em 8 de março, disse Bartley Griffith, cirurgião de transplantes da Faculdade de Medicina da Universidade de Maryland, nos EUA, durante uma apresentação na Sociedade Americana de Transplantes.

Os comentários de Griffith foram relatados pela primeira vez pela revista MIT Technology Review, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts.

O porco foi geneticamente modificado para que seus órgãos não provocassem rejeição pelo sistema imunológico humano. O coração foi fornecido ao paciente, David Bennett, pela Revivicor, uma empresa de medicina regenerativa com sede em Blacksburg, Virgínia.

Funcionários da empresa se recusaram a comentar nesta quinta-feira. Funcionários da universidade disseram que o animal havia sido testado para o vírus, chamado citomegalovírus suíno. Mas os testes detectam apenas infecções ativas, não latentes, nas quais o vírus pode se esconder silenciosamente no corpo do porco.

O transplante de Bennett foi inicialmente considerado bem-sucedido. Ele não mostrou sinais de rejeição ao órgão, e o coração do porco continuou a funcionar por mais de um mês, passando um marco crítico para os pacientes transplantados.

Um teste indicou a presença de CMV suíno em Bennett 20 dias após o transplante, mas em um nível tão baixo que Griffith disse acreditar que poderia ter sido um erro de laboratório. O médico, porém, afirma que, 45 dias após a cirurgia, Bennett ficou gravemente doente, e testes subsequentes mostraram um aumento vertiginoso nos níveis do vírus.

— Passamos então a pensar que o vírus detectado precocemente no dia 20, como apenas um vestígio, começou a crescer com o tempo, e pode ter sido o agente que desencadeou tudo isso — comentou Griffith em sua apresentação. No dia 45, ele estava realmente estranho, algo aconteceu. Ele parecia doente, perdeu a atenção, não quis falar conosco, estava deitado na cama respirando com dificuldade e estava meio quente.

O transplante de coração foi um dos vários transplantes inovadores nos últimos meses que deram esperança às dezenas de milhares de pacientes que precisam de novos rins, corações e pulmões em meio à terrível escassez de órgãos humanos doados.

Mas a perspectiva de consequências imprevistas — e particularmente a potencial introdução de uma doença animal na população humana — pode diminuir o entusiasmo pelo uso de órgãos geneticamente modificados.

Muitos cientistas acreditam que a pandemia de coronavírus se originou com um vírus transmitido de um animal, ainda não identificado, para pessoas na China.