Economia

Alta dos juros pelo BC encarece mais o crédito e dificulta a vida de quem precisa de financiamentos

Taxa média de juros no rotativo do cartão de crédito saltou de 327% para 355,19% em um ano e agora deve subir mais. No cheque especial, juro chega a 132% ao ano

Economia - Marcello Casal Jr./Agência Brasil

A alta da taxa básica de juros do Brasil, a Selic, para 12,75%, anunciada na quarta-feira (4) pelo Banco Central (BC), tem efeitos contrários para quem tem dinheiro para investir e quem precisa de financiamento ou já está endividado.

Se, por um lado, a maior parte das aplicações em renda fixa passa a dar um retorno maior, por outro, o custo do crédito fica mais alto. Em média, desde o início do atual ciclo de alta dos juros, o crédito ficou 8,08% mais caro.

Isso significa que os consumidores que precisarem usar cheque especial ou cartão de crédito numa emergência ou financiar um carro ou uma casa terão que pagar mais aos financiadores por causa dos juros mais altos.

Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, diz que esse é mesmo o objetivo prático do aumento do juro: reduzir o consumo para frear a alta de preços.

"É normal esperar que o sistema financeiro repasse isso ao consumidor final, já que o objetivo do BC é desacelerar a economia e, com isso, ter uma reversão da inflação lá na frente. O caminho é desestimular o crédito", explica.

Um levantamento feito pelo economista e diretor de pós-graduação do UniAnchieta, Filipe Pires, com base em dados do BC mostra que a taxa média de juros cobrada pelo rotativo do cartão de crédito saltou de 327,04% ao ano em fevereiro de 2021, quando a Selic estava no patamar de 2%, para 355,19% em fevereiro de 2022, quando o juro básico era de 10,75%.

Nesse mesmo período, a taxa do cheque especial acelerou de 125,52% ao ano para 132,6%. O efeito contrário ocorreu, no entanto, com crédito pessoal não consignado, cujo custo caiu de 84,45% para 83,42% ano ano, mas ainda assim é muito alto perto da Selic de 12,75%.

Segundo Pires, a exceção pode ser explicada pela alta concorrência no produto, o qual é oferecido não só pelos bancos tradicionais, mas também pelas fintechs.

E acrescenta: "outro fator que explica o crédito pessoal ter ficado mais barato é que, com maior inadimplência, há maior limitação. Ou seja, para reduzir o risco, o banco agora só empresta para quem ele quer e, muitas vezes, usa algum bem como garantia, como carro, casa. Há, até mesmo, empréstimos condicionados ao celular, algo que a maioria das pessoas de classes C e D tem".

Economistas avaliam que os produtos que terão maior alta nas taxa de juros são cartão de crédito e limte de cheque especial, muito usados para o consumo no dia a dia.

Durval Meirelles, professor de Economia da Universidade Veiga de Almeida, teme que os novos valores pressionem ainda mais o orçamento dos endividados e inadimplentes:

"Com a Selic aumentando, todas as taxas de juros pesam muito no bolso. O cartão de crédito pode chegar a 400% ao ano. É muito para um país que possui 60 milhões de CPFs inadimplentes no SPC/SERASA e seis milhões de micro e pequenas empresas devendo a bancos ou fornecedores".

Ele acrescenta: "para quem já está precisando de recursos para poder se alimentar, fica muito difícil visto que o salário mínimo está com um valor muito baixo. Em termos reais, é o mínimo mais baixo dos últimos anos".

Ricardo Jorge, sócio da Quantzed, empresa de tecnologia e educação financeira para investidores, diz que o custo do cheque especial em relação à Selic é mais caro do que o custo de outros créditos:

"Com o cheque especial, você paga mais que o dobro do que se pegasse um outro tipo de empréstimo. Com o nível de inadimplência mais alto, as instituições que oferecem o crédito vão querer cobrar um spread (margem de lucro) ainda maior para compensar esse risco".

Myrian Lund, economista do FGV, destaca que as taxas de juros vêm subindo sem acompanhar a mesma proporção da taxa Selic porque as instituições financeiras não reduziram o custo do crédito em simetria quando o Copom anunciou uma taxa básica de 2%. Dessa forma, ganharam uma margem, usada agora.

O crédito consignado, tipo de empréstimo em que a parcela é descontada direto do contracheque de pagamento, no entanto, é o que mais vem sofrendo com a alta dos juros:

"Você conseguia pegar consignados a menos de 1% ao mês. Agora, o banco que praticou essa taxa não consegue nem mais remunerar os seus aplicadores. Hoje, um empréstimo barato está na faixa de 2,5% ao mês".

A economista ainda diz que, para conseguir empréstimos melhores, o ideal é negociar com antecedência com a instituição e ter histórico de bom pagador.

"Se pegar empréstimo na boca do caixa, no balcão do gerente ou não tiver bom score, vai pagar algo em torno de 5% ao mês. Para pegar dinheiro mais barato, tem que chegar no banco e avisar que vai precisar de dinheiro na semana seguinte, por exemplo. Aí eles têm tempo de analisar o perfil e oferecer algo melhor", sugere.

O professor de Economia do Ibmec-RJ, Caio Ferrari Ferreira, argumenta que não é possível saber em quanto as instituições financeiras irão encarecer as suas linhas de crédito porque as tarifas são relacionadas não só á Selic, mas também a políticas internas e a choques externos que a economia possa vir a sofrer.

Olhando para o movimento de mercado, ressalta que o Indicador de Custo do Crédito (ICC), que mede o custo médio de todo o crédito do Sistema Financeiro Nacional, atingiu 19,4% a.a., elevando-se 2,2 pontos percentuais em 12 meses.

Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, o mercado imobiliário não sofrerá grandes mudanças porque tem maior garantia.

"Boa parte dessa alta já foi incorporada ao sistema. O que podemos ter agora é um aumento marginal, já que a taxa está significativamente elevada", opina.

Ao Globo, o Itaú Unibanco informou que, como a Selic é um componente importante na precificação das taxas para os clientes, mas também levam em consideração as condições de mercado, custos operacionais, tributos e inadimplência.

O banco admite que a alta da Selic pode ter impacto em alguns produtos de crédito oferecidos pelo banco, mas tem como posicionamento oferecer condições competitivas aos clientes.

O Banco do Brasil também comentou que sua política de preços tem base em fundamentos de mercado. Porém, "monitora constantemente as taxas de juros dos produtos de crédito para pessoas físicas e jurídicas, sempre com o propósito de estabelecer condições competitivas".

A Caixa informou que a definição das taxas de juros se baseia na análise da associação de fatores mercadológicos e conjunturais dentro das regras prudenciais de definição das condições do crédito. O banco estatal diz buscar constantemente o equilíbrio financeiro de suas operações e pela adoção das melhores taxas do mercado.

Bradesco e Santander não responderam.