Documentos entregues ao STF mostram mapa do orçamento secreto
Valores informados pelos próprios parlamentares em cumprimento a uma decisão da Corte expõem a distribuição de recursos entre os deputados e senadores
Mecanismo usado pelo governo Bolsonaro para angariar apoios no Congresso e tema de uma crise entre Judiciário e Legislativo no fim do ano passado, o orçamento secreto, enfim, começou a ter os detalhes revelados.
Documentos entregues ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em cumprimento a uma decisão da Corte, expõem o mapa de distribuição de recursos entre os parlamentares.
Os valores foram informados pelos próprios parlamentares — centenas de ofícios chegaram ao STF. Por determinação da ministra Rosa Weber, que chegou a suspender os repasses por um período em novembro de 2021, foram implementados mecanismos de transparência.
Ao todo, de acordo com o Congresso, 342 deputados e 64 senadores repassaram informações — 406 parlamentares, o que representa 68% do conjunto de Câmara e Senado. Alguns deles, no entanto, disseram que não foram contemplados. Os documentos foram encaminhados quase dois meses após o fim do prazo estipulado pela magistrada.
Ao contrário de outras modalidades de emenda, nas de relator, que compõem o orçamento secreto, não há divisão igualitária entre os parlamentares. Integrantes da cúpula do Congresso, por exemplo, indicaram R$ 1 bilhão nos últimos dois anos.
Dentro deste grupo, quem lidera o apadrinhamento é o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), com R$ 357,4 milhões. Em seguida, aparecem o senador Fernando Bezerra (MDB-PE), ex-líder do governo no Senado, com R$ 256,6 milhões; o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (PL-TO), com R$ 243,3 milhões; Pacheco, com R$ 180,3 milhões; e o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, R$ 17,5 milhões.
O valor de R$ 1 bilhão equivale a 2,7% dos R$ 36,9 bilhões autorizados na peça orçamentária para este tipo de emenda em 2020 e 2021. Os cinco parlamentares representam 0,8% do total de representantes do Legislativo federal. Os recursos foram direcionados por eles para custear gastos nos seus redutos eleitorais nas áreas de educação, saúde e infraestrutura. A falta de transparência na partilha era considerada um fator que dificultava o controle do dinheiro público pelos órgãos de fiscalização.
Ao chegar à Presidência da Câmara, em fevereiro de 2021, Lira passou a ser o principal responsável, dentro do Congresso, por articular as indicações dos parlamentares ao orçamento secreto. Assim, também foi autor de um elevado montante de indicações.
Essa função, anteriormente, cabia ao senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), que presidiu o Senado de fevereiro de 2019 a fevereiro de 2021. Ele, no entanto, não informou os detalhes das emendas que indicou. Ao contrário de outros parlamentares, que apresentaram tabelas com os valores destinados a cada município, Alcolumbre apresentou uma lista com a descrição genérica de emendas de relator apoiadas por ele, sem os valores.
Essas ações orçamentárias, entretanto, envolvem a indicação de emendas por diversos parlamentares para diferentes municípios pelo Brasil. Especialistas consultados pelo GLOBO afirmam que, por isso, não é possível identificar as indicações de Alcolumbre ao orçamento secreto apenas com base nas informações apresentadas. As emendas citadas pelo ex-presidente do Senado somam R$ 17 bilhões, valor elevado porque envolve a indicação de diversos congressistas.
Apesar de não integrar a cúpula do Congresso, a senadora Eliane Nogueira (PP-PI), mãe e suplente de Ciro Nogueira (PP-PI), ministro da Casa Civil, indicou valores que superam o dos colegas: R$ 399,2 milhões. Já o deputado Marcos Pereira (SP), presidente do Republicanos, sigla do Centrão, indicou R$ 190 milhões.
Lira afirmou ontem, em um evento, que a divulgação confere transparência. Pacheco disse que “o critério (das indicações) foi a análise das demandas dos municípios”. Barros negou a existência de orçamento secreto e pontuou que os recursos obtidos por emendas são divulgados por ele nas redes sociais. A assessoria de imprensa de Alcolumbre afirmou que não vai comentar o caso, porque ele se recupera de uma cirurgia. Eduardo Gomes disse que “cumpriu a determinação do STF e isso contribui com a transparência do destino das verbas públicas”. Eliane Nogueira afirmou que atua para “atender as necessidades e demandas do povo do Piauí com total transparência”.