De palanques às telas, pré-campanha tem indícios de irregularidades eleitorais
Pré-candidatos têm operado na "subjetividade" da legislação para fazer campanha, dizem especialistas
As campanhas eleitorais ainda não começaram oficialmente, mas pré-candidatos têm flertado com transgressões à legislação que regula o assunto. As acusações miram de mensagens em palanques, na TV e em outdoors ao favorecimento de redes sociais a determinado candidato e distribuição de vídeos em aplicativos de mensagens.
No domingo de Dia das Mães, a primeira-dama Michelle Bolsonaro apareceu em pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV, junto da ministra Cristiane Britto (Mulher, Família e Direitos Humanos) para saudar a data e exaltar os feitos do governo em relação às mulheres.
O deputado federal Rui Falcão (PT) afirma ter acionado a Procuradoria Geral Eleitoral para investigar a participação de Michelle no pronunciamento, alegando ter havido propaganda eleitoral antecipada e improbidade administrativa.
A legislação diz que será considerada propaganda eleitoral antecipada a convocação de rede de rádio e TV pelos presidentes da República, da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal (STF) para divulgar atos que denotem propaganda política ou ataques a partidos políticos, seus filiados e instituições. O decreto não se refere à possibilidade de uma autoridade levar um convidado para o pronunciamento.
Apesar de a lei vetar pedido explícito de voto no período anterior à campanha, que começa dia 16 de agosto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pediu "voto no 13" em discurso na cidade de Sumaré (SP) na semana passada. O petista participou de uma manifestação na Vila Soma, comunidade de uma área de ocupação que havia sido regularizada.
— Eu queria dizer para esse cidadão que por acaso virou presidente da República. Nós vamos fazer uma campanha limpa. A nossa campanha não será agressiva, não terá fake news. O que vai acontecer neste país é que nós vamos ser agressivos de votar no 13 no dia 2 de outubro, para que a gente possa tirar ele e colocar alguém mais democrático para governar este país — declarou Lula.
A declaração do ex-presidente foi considerado por advogados eleitorais consultados pelo Globo como um caso de propaganda eleitoral antecipada, pois houve pedido claro de voto "no 13", sigla de seu partido, o PT.
Na semana passada, a deputada estadual de São Paulo Isa Penna (PCdoB) entrou com uma representação contra seu colega Fernando Cury (União) em razão de um outdoor em comemoração ao Dia das Mães que ele instalou na cidade de Botucatu (SP). No painel, Cury aparece ao lado da esposa e da mãe junto da mensagem: "Um feliz dia das mães para quem deu a vida e todos os dias nos dá razões para viver".
Apesar de não haver pedido expresso de voto, a deputada alega que a propaganda se apresentou "na forma dissimulada e em meio proibido em lei — outdoor". A legislação veta propaganda eleitoral em outdoors, inclusive eletrônicos, sob pena de multa de R$ 5 mil a R$ 15 mil.
Para Silvio Salata, especialista em direito eleitoral, o comportamento dos pré-candidatos opera numa linha tênue a partir da qual é difícil definir se fere dispositivos da lei ou se está próximo da violação. Salata diz que eles têm lançado mão da "criatividade para poder fugir das vedações".
Presidente do Observatório Eleitoral da OAB-SP, Maíra Recchia diz haver dois pilares de atuação legislativa nas eleições: um referente à propaganda eleitoral antecipada, e outro de combate a questões de abuso de poder econômico ou político. Para ela, os passeios de motocicleta que o presidente Jair Bolsonaro realiza com seus apoiadores, as chamadas "motociatas", e o pronunciamento de Michelle em cadeia nacional, por exemplo, são "atos claros de abuso de poder político".
— (Os dois casos) utilizam da máquina pública para garantir um desequilíbrio eleitoral. Os candidatos precisam concorrer na mesma raia de oportunidades e garantias — diz ela.
No mundo digital, Bolsonaro vem sendo favorecido por uma empresa simpática ao seu governo. A Gettr, rede social concorrente do Twitter criada por Jason Miller, ex-assessor do presidente americano Donald Trump, tem atuação institucional pró-Bolsonaro.
O perfil "Gettr Brasil Oficial" compartilha constantemente mídias de viés bolsonarista como "pleno.news", "Jovem Pan News" e "Revista Oeste" e de parlamentares como Filipe Barros e Flávio Bolsonaro, além de divulgar as transmissões ao vivo semanais do presidente da República e replicar anúncios da Secretaria de Comunicação do governo Bolsonaro sobre obras realizadas.
O perfil americano da empresa também divulga em sua programação transmissões de influenciadores bolsonaristas como Fernando Lisboa, do "Vlog do Lisboa", e Allan dos Santos, foragido da Justiça brasileira.
A diretora de Engajamento da Gettr Brasil, Camila Magalhães, reproduz semanalmente conteúdo produzido por Bolsonaro, a quem chama de "nosso presidente", e seus apoiadores. Em suas redes sociais, ela tem imagens com Eduardo Bolsonaro, Bia Kicis e Carla Zambelli, e publicações que chamam Lula de "ladrão".
O TSE chegou a publicar em setembro que a Gettr se trata "de uma nova rede social com planos de expansão para o Brasil e que tem concedido amplo espaço para ataques à democracia e ao sistema brasileiro de votação".
Para a advogada Natallia Lima, especializada em legislação eleitoral, a atuação da Gettr pode configurar abuso de poder econômico, mas seria preciso que o caso fosse antes contestado na Justiça, que só pode agir quando provocada.
— As campanhas têm limites de gastos, e qualquer veiculação de propaganda exige investimento, dinheiro. Então é preciso comprovar o quanto foi gasto com isso — afirma ela.
Pela lei, é proibido veicular qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet. A exceção fica por conta do impulsionamento de conteúdo, que deverá estar identificado de forma clara e ter sido contratado, exclusivamente, por candidatas, candidatos, partidos, coligações e federações partidárias ou pessoas que os representem legalmente.
Procurados, Cury, Lula e a Presidência da República ainda não retornaram o contato.