Violência

Brasil avança no uso de câmeras corporais para reduzir violência policial

Projeto que monitora a violência revela que o Brasil tem uma das polícias que mais matam e morrem no mundo

Cidade do Rio de Janeiro enfrenta problemas crônicos de violência policial - Andre Borges / AFP

O Rio de Janeiro, que enfrenta problemas crônicos de violência policial, começará a instalar câmeras nos uniformes dos agentes, uma medida que obteve resultados em outras cidades brasileiras, mas longe de ser uma "panaceia" contra os abusos, segundo especialistas.

O Brasil tem uma das polícias que mais matam e morrem no mundo: em 2021 foram registradas mais de 6.100 vítimas fatais em operações policiais e 183 agentes foram assassinados, segundo o projeto Monitor da Violência, uma parceria entre o portal de notícias G1, o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

"A polícia age com pouca transparência no Brasil e quando ocorre um tiroteio e alguém morre, a resposta imediata é 'fomos atacados durante uma operação, respondemos e matamos os agressores' (...) Salvo exceções, não há prestações de contas", afirma César Muñoz, pesquisador sênior para o Brasil da Divisão Américas da Human Rights Watch. 

"As câmeras corporais podem ser úteis tanto para documentar a atuação do policial, quanto para protegê-lo de acusações infundadas", acrescenta o especialista. 

Com 8 por 6 cm, a depender do modelo, as câmeras acopladas na altura do peito dos uniformes estão sendo cada vez mais usadas em estados como São Paulo e Santa Catarina.

E os primeiros resultados são animadores.

Segundo dados oficiais, os confrontos diminuíram 87% nas unidades que desde 2021 usam câmeras em São Paulo, que também adotou outras medidas, como o uso de armas não letais.

Em Santa Catarina, um estudo acadêmico comprovou que os dispositivos reduziram em mais de 60% o uso da força policial desde 2019.  

A presença de câmeras também melhorou o registro de alguns crimes, como os de violência doméstica, que foram reportados com mais precisão pelos agentes.

Olhos no Jacarezinho
Em breve, o Rio de Janeiro começará a usar cerca de 8.000 câmeras no patrulhamento de alguns bairros, da abastada Copacabana a favelas como Maré ou Jacarezinho, informou a Polícia Militar em e-mail enviado à AFP.  

O Jacarezinho foi cenário há um ano da operação policial mais letal da história do Rio: uma incursão contra o narcotráfico que resultou na morte de 27 "suspeitos" e um policial.

Se os policiais estivessem usando câmeras, "ajudaria a solucionar" vários dos homicídios, "até em benefício dos policiais", disse ao portal de notícias G1 o promotor André Cardoso, chefe das investigações que resultaram na denúncia de quatro policiais e dois traficantes.

"Quando você busca as provas, você tenta reconstituir, montar aquele 'quebra-cabeças', reconstituir aquela situação. Se você está filmando, não precisa de mais nada", disse Cardoso, que considera o uso das câmeras  "imprescindível".

Os dispositivos também ajudariam a reunir provas sobre outras denúncias que a Defensoria Pública recebeu com frequência no Jacarezinho: a ocupação e o saque de residências por parte de policiais em serviço, como documentou uma moradora com câmeras escondidas em seu apartamento.

Mas "as câmeras em si não são uma panaceia. Têm que ser parte de uma política mais ampla", que inclua mais treinamento e apoio psicológico para a polícia, assim como investigações verdadeiramente independentes, adverte Muñoz, da HRW.

Limitações
Na América Latina, estas ferramentas também têm sido usadas em países como o México para combater a corrupção de seus agentes e no Chile para vigiar a atuação de seus carabineiros. A Colômbia anunciou um plano piloto em Bogotá. 

No Brasil, seu sucesso dependerá em parte de como serão aplicadas, afirma Melina Risso, diretora de Pesquisa do Instituto Igarapé, especializado em segurança pública.  

"A câmera ficará ligada 24 horas ou é acionada? Por quem? Pelo próprio policial? Quem supervisiona as gravações? Quanto tempo as imagens são armazenadas e como é sua rede de custódia? Como proteger a privacidade dos policiais e dos demais?", pergunta Risso.

No programa de São Paulo, uma gravação sem som e de menor qualidade é acionada automaticamente durante todo o turno do policial, que deve ativar uma segunda gravação "intencional" de melhor qualidade quando é chamado a agir.

No Rio de Janeiro, a Polícia Militar explicou que as câmeras também farão a gravação automática e as imagens ficarão armazenadas por cerca de 90 dias, entre outros protocolos que serão ajustados à medida que o programa for colocado em prática.