Após Bolsonaro anunciar em 'live', governo vai ao STF contra estados por ICMS do diesel
André Mendonça será o relator da ação da AGU para suspender decisão do Confaz, que driblou a criação de alíquota única. Litro do combustível já subiu 111% desde o início do governo
O governo Jair Bolsonaro (PL) apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação contra a política de ICMS dos estados sobre diesel, em meio a uma forte alta de preços dos combustíveis que podem afetar a popularidade do presidente. Bolsonaro havia anunciado em live nas redes sociais que iria à Justiça. O pedido foi protocolado nesta quinta-feira pela Advocacia-Geral da União (AGU). O relator do caso é o ministro André Mendonça, que foi indicado por Bolsonaro.
Apesar de o presidente afirmar que uma mudança no ICMS poderia levar à redução nos preços, especialistas avaliam que isso não é garantido. Desde o início do governo Bolsonaro, o litro do diesel nas bombas já subiu 111%.
Na ação, a AGU pede que o Supremo suspenda o convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que definiu a alíquota de ICMS sobre o diesel.
Procurados, os estados afirmaram que não foram notificados oficialmente por causa da ação. Em nota, o Comitê Nacional de Secretários da Fazenda, Finanças, Receitas ou Tributação dos Estados e Distrito Federal (Comsefaz) disse que "os Procuradores-Gerais dos Estados irão aprofundar os argumentos que embasaram o pedido da AGU e analisar a procedência ou não da ação".
Eles alegam que já estão abrindo mão de arrecadação ao manter o congelamento do ICMS: até o momento, a renúncia é de R$ 15,9 bilhões, considerando o período entre novembro de 2021 e abril de 2022. Caso haja extensão até o final do ano, a projeção de renúncia é de R$ 37,1 bilhões. AS perdas são partilhadas com municípios, que deixm de receber 25% da arrecadação com ICMS.
Toda a polêmica envolve a lei aprovada às pressas, em março, para tentar reduzir o preço do diesel em até R$ 0,60, segundo estimativas do governo. A lei zerou os tributos federais sobre o combustível e estabeleceu que os estados deveriam criar uma alíquota única de ICMS sobre o diesel.
Diversos estados argumentaram, na época, que a lei era inconstitucional, por ferir o pacto federativo. Mas, ao invés de questionar a norma, criaram uma engenharia: tornaram a alíquota do ICMS muito elevada, de R$ 1,09, acima do valor então cobrado no estado onde o imposto era o mais alto.
Em troca, o convênio do Comsefaz, determinou que cada estado poderia dar descontos sobre esta alíquota. Assim, na prática, cada estado manteve a cobrança de ICMS sobre o diesel como já era feita. Não ocorreu a criação de uma alíquota nacional sobre o diesel.
O preço dos combustíveis se tornou um problema político para Bolsonaro. Na quarta-feira, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, deixou o cargo e foi substituído por Adolfo Sachsida, que trabalhou com Paulo Guedes no Ministério da Economia.
Em abril, a troca foi de comando na Petrobras, com o afastamento do general Joaquim Silva e Luna, que foi substituído por José Mauro Ferreira Coelho, que tinha trabalhado com Bento no ministério.
Um dos argumentos levantados pelos estados é de que eles á abriram mão da arrecadação ao manter o congelamento do ICMS, medida que passou a valer em novembro de 2021 e já foi prorrogada duas vezes – vale até junho, e há sinalização de ser estendida novamente caso o cenário de pressão no preço do petróleo continue.
O ICMS sobre combustíveis é cobrado considerando uma média de 15 dias dos preços nos postos, chamado de Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final (PMPF) é calculado pelos estados. É esse valor que está congelado desde novembro.
Para André Horta, diretor institucional do Comsefaz, o esforço do congelamento traz resultados superiores ao da lei, e também representa uma renúncia maior dos estados:
— Os governadores estão oferecendo R$ 37 bilhões, o que equivale a três meses e meio de arrecadação desse ano. Oferecer quase um terço da arrecadação do imposto mais importante para os estados não é pouco, é bastante relevante.
Após o Congresso ter aprovado a mudança no ICMS do diesel, os estados tomaram uma decisão política: não perder "um centavo sequer" de arrecadação, afirmou uma pessoa que participou dos debates.
Por outro lado, argumentou essa fonte, a nova alíquota significa que os estados não terão ganhos de arrecadação, caso o diesel suba mais de preço nos próximos meses. A manobra só foi possível, também, devido ao caráter generalista da lei, aprovada a toque de caixa pelo Congresso.
A lei foi aprovada na semana em que a cotação do petróleo atingiu o mais alto patamar desde 2008 e foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em menos de 24 horas.
A lei, que entrou em vigor em 11 de março, também criou a "monofasia" do ICMS sobre o diesel, ou seja, a cobrança do imposto só pode ocorrer em um único momento da cadeia do produto. E estabeleceu que estados também precisarão unificar o ICMS sobre os combustíveis, mas não há prazo fixado para isso.
"A forte assimetria das alíquotas de ICMS enseja problemas que vão muito além da integridade do federalismo fiscal brasileiro, onerando sobretudo o consumidor final, que acaba penalizado com o alto custo gerado por alíquotas excessivas para combustíveis – que são insumos essenciais, e, por isso, deveriam ser tratados com modicidade – e com a dificuldade no entendimento da composição do preço final desses produtos", diz a ação protocolada pela AGU.
No pedido apresentado ao Supremo, a AGU ainda afirma que "a monofasia e o princípio da uniformidade devem ser observados por todos os entes federativos na imposição fiscal do ICMS-Combustíveis".
Nesta quinta-feira, o presidente Jair Bolsonaro afirmou em redes sociais que iria à Justiça contra os estados.
— Esperamos aqui redução de preço. Vamos ter que recorrer à Justiça. Sabemos que quando eu recorro é quase impossível eu ganhar, isso quando se coloca em votação — afirmou Bolsonaro na em sua live semanal, em algo que pode ser entendido como uma crítica indireta à Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal (STF).