Hidrelétrica de Santo Antônio precisa de aporte e pode se tornar controlada da Eletrobras
Ao divulgar seus resultados no primeiro trimestre deste ano, na semana passada, a Santo Antônio Energia afirmou que eles foram "severamente impactados"
A Santo Antônio Energia (SAE), que opera a usina hidrelétrica Santo Antônio no Rio Madeira, em Porto Velho (RO), se prepara para fazer um aumento de capital no valor de R$ 1,58 bilhão. O montante, aprovado por unanimidade pelos acionistas da Madeira Energia, controladora da operação, será usado para cumprir decisão resultado de um processo de arbitragem envolvendo o consórcio construtor da usina.
Ao divulgar seus resultados no primeiro trimestre deste ano, na semana passada, a Santo Antônio Energia afirmou que eles foram “severamente impactados” pela sentença da arbitragem, ainda em fase preliminar, com um impacto contábil de R$ 2,069 bilhões para a companhia.
Na prática, isso significa que o resultado líquido registrado de janeiro a março, que seria negativo em R$ 527,9 milhões, ou 5% abaixo de igual trimestre de 2021, se aprofunda para menos R$ 2,59 bilhões ao incluir o efeito da arbitragem.
É movimento similar ao do tombo no Ebitda, indicador de gerador de caixa da companhia, no período, que cairia de R$ 427,4 milhões para R$ 485,8 milhões negativos.
— Isso ocorreu principalmente em razão de uma arbitragem que teve um resultado ainda não definitivo desfavorável para a companhia — disse Ana Paula Romantini, diretora de Relações com Investidores da SAE, na teleconferência. — É um evento não recorrente e vai ser tratado dessa forma, distante da operação. Os R$ 408 milhões de caixa são suficientes para manter a companhia. O aporte será usado para fazer frente à arbitragem, conforme comunicado ao mercado em 29 de abril.
Esse evento é rodeado de complicadores. Um deles é que o endividamento da Santo Antônio Energia bateu em R$ 19,4 bilhões no fim de março, com 67% do total em contratos com o BNDES e 31% em emissões de debêntures.
Todos esses contratos têm as mesmas garantias reais, conforme descrito no Formulário de Referência da companhia, com cláusulas que preveem vencimento antecipado de dívidas, o que poderia resultar em um cross default.
A Madeira Energia tem cinco sócios: Furnas, com 43,06%; Odebrecht Energia do Brasil, em recuperação judicial e com 18,35%; SAAG Investimentos (Andrade Gutierrez), com 10,53%; Cemig, com 8,53% e Caixa Fundo de Investimento em Participações Amazônia Energia (19,63%).
Reunidos em assembleia, esses sócios aprovaram o aumento de capital por unanimidade no último dia 29 de abril. Não está claro tampouco previsto em Acordo de Acionistas se todos eles têm de fazer o aporte nem em que proporção.
O que leva ao segundo complicador: Furnas já detém 43% do capital social da SAE, e a depender do aporte feito pela subsidiária da Eletrobras, ela poderia subir à controladora da operação no Madeira.
“Após a aprovação da AGE (assembleia geral), há um prazo de 30 dias para que os sócios decidam sobre a subscrição e integralização desse aporte”, informou a Santo Antônio Energia.
Questionada sobre que sócios fariam o aporte, a empresa respondeu que não comenta decisões que cabem a seus acionistas.
— Pela lei vigente, os sócios não têm obrigação de acompanhar o aporte. Um ou mais podem entrar, enquanto outros não. Tudo isso terá de estar amarrado considerando tanto o acordo de acionistas quanto o preço das ações — destaca Carlos Augusto Junqueira, advogado especialista em Direito Societário e consultor sênior da FGV Projetos.
Ele destaca que, ainda que apenas um dentre os sócios seja o responsável pelo aumento de capital como um todo, há formas de garantir que esse sócio não suba ao posto de controlador da companhia.
Furnas é vista como uma peça de peso nesse tabuleiro em razão da privatização da Eletrobras, que o governo federal pretende realizar entre os meses de julho e agosto deste ano. O processo, porém, enfrenta sucessivos questionamentos e dificuldades.
No último dia 11, a uma semana do julgamento do processo de privatização da estatal no Tribunal de Contas da União (TCU), o plenário da Corte aprovou uma fiscalização adicional na empresa.
O julgamento deve ocorrer nesta quarta-feira. Toda a discussão sobre a privatização da Eletrobras gira em torno da precificação das usinas que integram a companhia. Caso Santo Antônio passasse para o chapéu da estatal, poderia dar margem a novos debates.
No início desta semana, Clóvis Torres deixou o cargo de presidente de Furnas, como havia antecipado o colunista Lauro Jardim, do Globo, sendo substituído interinamento pelo diretor financeiro Caio Pompeu, mudança que foi confirmada pela companhia.
Roberto Brandão, pesquisador sênior do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), da UFRJ, reconhece que um aporte vindo apenas de Furnas poderia levar a estatal ao controle de Santo Antônio, mas entende que há outras possibilidades.
— Se Furnas for a única a aportar, vai ter o controle da empresa que poderia se tornar estatal. Mas depende de uma série de fatores e condições. E há outras formas de tratar o aporte que poderia ser um adiantamento de um futuro aumento de capital ou um controle temporário até a privatização — diz ele.
Importante observar, continua o especialista, que apesar de ser uma empresa com problemas financeiros, a Santo Antônio Energia tem avançado e é um ativo de valor:
— Ela opera, gera energia e, reestruturada, é sustentável. Um ativo que tem valor. Tem um Ebitda de mais de R$ 2 bilhões ao ano (foram R$ 2,2 bilhões em 2021), não é pouco dinheiro.
A arbitragem resulta de um impasse sobre que parte deve arcar com perdas geradas pelo atraso na entrega da usina. Santo Antônio responsabiliza o consórcio construtor e vice-versa.
Procuradas, Furnas e Eletrobras se limitaram a repassar o comunicado divulgado sobre a aprovação do aumento de capital pelos sócios da Mesa.