Geração TikTok: por que a rede social faz tanto sucesso e quais os efeitos na rotina dos jovens?
O TikTok chegou a ser o aplicativo mais baixado do mundo no ano passado e ultrapassar a marca de um bilhão de usuários ativos
Você já deve ter se deparado com vídeos de dancinha, dublagem ou humor rápido enquanto navega pela internet e acessa plataformas digitais. É até capaz, também, de você ter visto esse tipo de conteúdo ao ser replicado em algum programa de televisão.
E sabe de onde surgiu essa nova forma de comunicar que tem feito tanto sucesso? A resposta é: da rede social chinesa TikTok, grande responsável pela alta projeção dos vídeos curtos - e na maioria das vezes bem humorados - que têm, inclusive, ganho espaço em mídias concorrentes.
Público-alvo da ferramenta, os jovens podem passar horas e mais horas em frente à tela do celular, consumindo os conteúdos que o aplicativo oferece.
Um estudo realizado por cientistas da Universidade Zhejiang, na China, e publicado na revista científica NeuroImage, revelou que algumas regiões do cérebro ligadas ao sistema de recompensa são acionadas enquanto crianças e jovens assistem aos vídeos personalizados pela plataforma, gerando sensação de prazer e satisfação no organismo, o que, segundo especialistas, pode causar uma espécie de vício e dependência e prejudicar o foco em atividades mais complexas.
Para o neuropsicólogo Hugo Monteiro Ferreira, coordenador do Núcleo do Cuidado Humano e do Grupo de Estudos de Transdisciplinaridade da Infância e da Juventude, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), o uso excessivo da rede social pode trazer consequências perigosas.
“Os vídeos podem sim provocar dependência, a depender de quem vai se relacionar com eles. Como na contemporaneidade nós estamos presenciando uma geração muito frágil em termos emocionais, então é muito provável que haja uma probabilidade maior de se criar uma dependência”, disse.
Autor do livro “A geração do Quarto”, que aborda questões relacionadas à saúde mental de crianças e adolescentes, Ferreira avalia que a predileção por interações virtuais pode afetar habilidades comportamentais.
“As consequências são mais drásticas porque a ausência da relação face a face também leva a uma ausência de interlocução, de diálogo, de divergência, de contraposição, de contra-argumentação. Você aciona menos a sua capacidade crítica, a sua dúvida, o seu questionamento”, analisou.
Mas, explica, como o uso de redes sociais é cada vez mais inevitável, é indicado, então, encontrar um equilíbrio. “Eu acho que as famílias e as escolas precisam urgentemente apresentar alternativas para as crianças e os adolescentes. Quais são essas alternativas? Alternativas que possam possibilitar o contato face a face, os encontros culturais, os encontros de convivência, as relações que podem ser estabelecidas sem a mediação da máquina”, sugeriu.
"E nós podemos fazer isso. Nós podemos fazer isso desde as brincadeiras com as crianças até mesmo os passeios com adolescentes e jovens, as discussões sobre livros, a ida a teatros, a ida a museus, o descobrir da cidade", completou.
A analista de marketing e consultora de comunicação Paula Galvão destaca que o sucesso do TikTok também pode ser atribuído à visão de que pessoas comuns podem ter mais chance de visibilidade.
“Com a era dos influencers e criadores de conteúdo, o TikTok é visto como uma ferramenta que possibilita explorar mais ainda a criatividade com challenges, danças, dublagens, montagens e afins. E isso, naturalmente, gera mais engajamento, porque a ideia principal é viralizar. É fazer com que os anônimos apareçam de alguma forma, sobretudo na pandemia onde as pessoas precisaram se reinventar para tentar minimizar os efeitos do isolamento”, analisou.
Para a especialista, o aplicativo é uma ferramenta criada para entreter. “Não é para gerar notícias, como o Twitter, ou postar foto, como o Instagram, por exemplo. As métricas que eles usam, inclusive, são mais focadas no tempo e é o que retém o usuário na plataforma", disse.
"A estratégia da viralização, além de uma interface intuitiva, facilita a adesão a novos usuários. Não à toa que, além de ser grande sucesso entre jovens, vem em uma crescente também com o público de mais idade”, pontuou.
A estudante Isadora Castro, de 10 anos, utiliza a rede social com a supervisão da família. Ela começou a usar a plataforma há dois anos, durante a pandemia, como forma de passatempo e porque outros amigos também estavam acessando.
Durante a semana, conta, costuma assistir em média duas horas de vídeos por dia. Já aos fins de semana, o tempo médio sobe para cerca de três horas diárias.
“Os meus amigos, do colégio e da rua que eu moro também, sempre usam o TikTok. A gente conversa sobre os vídeos, combinamos de fazer dancinha às vezes. A gente às vezes posta vídeos juntos quando tem algum tempo no colégio, por exemplo”, comentou.
No ano passado, o TikTok chegou a ser o aplicativo mais baixado do mundo e ultrapassar a marca de um bilhão de usuários ativos.
A cantora Bela Maria, de 20 anos, viu na rede social uma forma de atrair e entreter o público. “Quando chegou a pandemia, eu queria fazer uma coisa diferente relacionada à música. Eu sempre amei fazer poesia e eu gosto muito de conversar com o público. Eu falei: eu acho que vou trazer isso no TikTok, que é um lugar que eu me sinto confortável de trazer porque tem de tudo ali”, contou.
É ela quem produz e edita os vídeos que compartilha no perfil com mais de 400 mil seguidores - e percebeu que boa parte desse público migrou, também, para a sua conta no Instagram, onde soma 904 mil. “Eu sempre quis ver referências e agora eu estou sendo para as pessoas. Eu acho que é o principal para mim, que eu canto para isso também”, frisou.
Também estudante de jornalismo, ela busca conciliar a carreira na música com a comunicação. “Eu sigo conciliando a carreira, com o estágio, com a faculdade em si e, agora, com o trabalho de conclusão de curso. Mas a música, eu posso dizer que é o meu sonho”, disse.
Ainda na adolescência, Bela participou do The Voice Kids, reality musical exibido pela TV Globo. No TikTok, faz sucesso com músicas autorais e com versões e traduções de hits famosos. Entre os vídeos que geram mais alcance estão os que iniciam com uma reflexão, muitas vezes sobre relacionamentos, e recebem uma resposta em forma de música.
“No começo foi muito sobre a ideia do que eu queria fazer, uma coisa que eu talvez quisesse consumir e não via muita gente trazendo. E eu queria que tivesse essa atenção maior para a música dentro das redes sociais. E talvez se a gente se encaixasse nesse meio, fazendo essas coisas diferentes, tivesse, né? E eu queria que o pessoal entendesse o que é que eu estou sentindo quando eu cantasse essa música, sabe?”, comentou.
A influencer Beca Barreto ficou famosa com os vídeos de dancinha, um dos tipos de conteúdo que mais viraliza na rede atualmente. A jovem de 20 anos, que possui 22 milhões de seguidores no TikTok e 8,2 milhões no Instagram, também começou a produzir conteúdo para o aplicativo na quarentena.
“O vídeo dançando uma música ‘gringa’, viralizou. Eu tinha postado e saí, devo ter passado um dia sem entrar no TikTok. Quando entrei no dia seguinte, tinham muitos novos seguidores, muitas visualizações. Fiquei muito chocada”, lembrou.
O público jovem é o que mais acompanha as publicações da influencer. Hoje em dia, comenta Beca, ela passa muito mais tempo produzindo do que consumindo conteúdo.
“Antes, quando eu não trabalhava para isso e gravava conteúdo sem ser profissionalmente, eu consumia mais, ficava bem mais tempo no TikTok. Mas, ultimamente, passo menos tempo, mas procuro sempre estar por dentro das trends e dos áudios que estão fazendo sucesso.”
Os irmãos Deko e Peu Feitoza, de 33 e 27 anos respectivamente, também viram o alcance do perfil Se Liga nos 15, onde somam 1 milhão de seguidores, aumentar com a pandemia. A conta inicou com vídeos de edição e hoje faz também sucesso com vídeos de humor.
“Com todo mundo em casa parado, eu disse ‘agora, é vídeo’, e começamos a testar os vídeos de humor”, comentou Peu. “Foi quando o próprio TikTok explodiu”, completou Deko que, admite, não costuma consumir o conteúdo produzido na rede.
Já o irmão afirmou que acompanha as publicações de outros perfis como forma de inspiração e alertou para a necessidade do equilíbrio: “Eu acho que você tem que ter cuidado porque vicia. Tanto que o próprio TikTok se preocupa com isso. Um dia desses eu estava de noite em casa e pensei ‘vou pegar umas inspirações aqui’, quando eu vi eu estava há mais de duas horas no TikTok e apareceu um vídeo do aplicativo dizendo ‘olha, não está na hora de dar uma pausa não?’, lembrou.
Engenheiros por formação, eles deixaram o ramo no fim do ano passado para se dedicar exclusivamente aos trabalhos em torno da internet. “Se você é produtor de conteúdo, você tem um consumo diferenciado, você está anotando coisas que podem ajudar na sua criação. Mas se você está ali pelo entretenimento, é como ver um filme. Você vai passar o dia vendo filme? Então, tem que ter essa dosagem”, defendeu Deko.
Conteúdo Extra
Saiba mais sobre os efeitos psicológicos causados pelo uso em execsso do Tiktok no podcast abaixo: