Empresa de Musk não consegue fazer monitoramento ambiental, dizem especialistas
Segundo especialistas, Starlink poderá conectar áreas remotas, mas ela não se presta para monitorar o desmatamento no Brasil
O bilionário Elon Musk disse estar “superanimado” por estar no Brasil para o lançamento da Starlink, sua empresa de serviços de internet, para conectar áreas rurais e para o monitoramento ambiental da Amazônia.
Faltou a ele explicar que acesso à internet é uma coisa completamente diferente de monitoramento ambiental para cálculo do desmatamento.
E este na Amazônia brasileira não para de crescer. Desde 2019 tem batido recorde sobre recorde de devastação da floresta. A média das taxas anuais de desmatamento nos três primeiros anos do governo Bolsonaro é 75% mais elevada do que média das taxas anuais da década anterior.
Os dados do desmatamento não são apenas um serviço ou estatística. Eles têm impacto na economia, pois dizem respeito à atividade agropecuária. São ainda questão de soberania nacional, alerta o ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) Gilberto Câmara, especialista em mudanças no uso da terra, geoinformática e processamento de imagens espaciais.
Câmara lembra que dados nacionais de desmatamento são fundamentais em negociações internacionais. Para especialistas, o Brasil não precisa de novos sistemas além dos do INPE. E o Brasil tem ainda sistemas como o MapBioma, que funciona complementarmente com a participação de instituições de pesquisa e da Google.
Para os especialistas, o governo brasileiro precisa sim alocar recursos para que o sistema existente funcione em plenas condições, além de implementar ações de fiscalização baseadas nos dados apontados.
_ Não é somente com imagens de satélite e interpretações superficiais que se monitora desmatamento. Monitoramento não é um mapa. É um sistema com camadas densas de informação. Isso é uma coisa extremamente séria e depende de uma série de análises. O Inpe sempre tomou esse cuidado. Pense na gravidade de um exame de câncer. O diagnóstico tem que ser preciso e não sujeito a erros, pois dessa informação depende uma vida. Os dados do desmatamento são a mesma coisa. Precisam ser e são precisos e cuidadosos e dizem respeito à floresta e à economia _ frisa Câmara.
O mero envio de imagens de satélites e informações está a anos-luz de ser monitoramento ambiental. A Starlink não faz esse tipo de serviço que, por sua complexidade, jamais poderia ser montado e oferecido numa escala de meses, dizem cientistas.
_ É inviável pensar num novo sistema em poucos meses. Isso é impossível, um blefe. Apostar nisso parece uma medida desesperada para tentar negar a realidade do desmatamento. E isso é outra coisa impossível porque existe uma rede de satélites internacionais captando dados o tempo todo e que revelariam informações erradas _ diz Câmara.
O monitoramento é um sistema complexo, no qual as imagens são apenas parte. O sistema as associa a dados de campo e usa algoritmos sofisticados e altamente especializados para combiná-los. A interpretação cabe a cientistas com experiência em sistemas de informação e no próprio bioma.
- A classificação feita por cientistas continua a ser superior à produzida por qualquer sistema de inteligência artificial. A máquina tenta replicar o que o ser humano faria. E temos o melhor sistema do mundo. O que tem falhado terrivelmente é a fiscalização das áreas desmatadas apontadas pelo monitoramento - destaca Raoni Rajão, professor de Gestão Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autor de numerosos estudos sobre desmatamento e uso do solo no Brasil.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) tem os sistemas mais avançados do mundo para o monitoramento da Amazônia. Ele é composto por dois programas. O primeiro é o Programa de Monitoramento do Desmatamento (Prodes), criado em 1989 e que calcula anualmente a taxa de desmatamento na Amazônia.
Em 2004 foi criado o Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter), que apoia o Ibama e outros órgãos federais e estaduais em ações de combate. Os dois sistemas do Inpe são complementares.
O país conta também com o MapBiomas, que emite dados complementares. O país ainda tem o sistema do Imazon.
O Prodes é respeitado em todo o mundo. Seus dados servem para estudos científicos internacionais. Até 25 de abril somavam 1.442 os artigos publicados em 469 periódicos científicos internacionais de grande impacto com base nos dados gerados pelo Inpe.
A conexão de internet da Amazônia, porém, é bem-vinda. Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas, diz que a rede a Starlink poderá conectar áreas remotas, mas frisa que ela não se presta para monitorar o desmatamento no Brasil, país que tem o sistema mais sofisticado do planeta para esse propósito.
A falta de acesso à internet é uma realidade amazônica e se espera que possa ajudar na conexão de povos da floresta, acesso à educação e envio de denúncias de violações ambientais e de direitos humanos. O próprio MapBiomas desenvolve um projeto chamado “Internet para os povos da floresta”, que visa a levar a internet para todas as comunidades indígenas, quilombolas e extrativistas.