Inflação é risco para estabilidade na América Latina, alertam analistas em Davos
Nesse contexto, muitos defendem em Davos o multilateralismo e uma maior presença da região nas instituições internacionais
A inflação ameaça o futuro imediato e a estabilidade política na América Latina, alertaram nesta segunda-feira (23) vários observadores da região no fórum de Davos, um diagnóstico pessimista para o qual recomendam o reforço das instituições e do multilateralismo.
"A América Latina está entrando em um período muito perigoso", disse o venezuelano Moises Naïm, ministro no final dos anos 1980 e desde então analista de política internacional, em um dos debates organizados pelo fórum esta semana na cidade suíça.
"A inflação está chegando, para todo o mundo e também para uma geração de latino-americanos que não sabe conviver com ela. E as consequências econômicas e sociais podem ser desastrosas", comentou Naïm, que alerta para a risco de que alguns regimes autocráticos se consolidarem ou chegarem ao poder.
As previsões variam de acordo com as instituições, mas as "ondas sísmicas" provocadas pela guerra na Ucrânia, como recentemente apontado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), afetarão diretamente a economia latino-americana.
Embora a região tenha menos ligações diretas com a Europa do que outras partes do planeta, também será afetada pela inflação e pelo aperto das políticas monetárias, alertou a instituição em abril.
E lembrou que, mesmo antes de a Rússia invadir a Ucrânia em 24 de fevereiro, a inflação já havia aumentado em muitos países da região devido aos preços das matérias-primas e aos desequilíbrios de oferta e demanda causados pela pandemia.
Nesse sentido, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), reduziu no final de abril sua estimativa de crescimento do PIB da América Latina e Caribe para este ano, de 2,1% para 1,8%.
A inflação pode, acima de tudo, causar instabilidade política.
"São tempos difíceis para ser latino-americano", afirmou o chileno Andrés Velasco, ex-ministro das Finanças do governo de Michele Bachelet e agora reitor da Escola de Políticas Públicas da London School of Economics.
"Temos um problema com a capacidade de nossos governos, de direita ou de esquerda, mais ou menos democráticos, de alcançar resultados", assegurou, citando o exemplo do Peru, que tem a maior taxa de mortalidade por covid-19 no mundo e sofre grande instabilidade política.
A combinação de má gestão e pressão inflacionária pode levar à "deterioração democrática", com sistemas sobrecarregados pela "fragmentação e governos baseados no Twitter", segundo Velasco.
Nesse contexto, muitos defendem em Davos o multilateralismo e uma maior presença da região nas instituições internacionais.
"Se olharmos para o cenário internacional, vemos uma total ausência de liderança latino-americana", opinou a espanhola Arancha González Laya, ex-ministra socialista do governo Pedro Sánchez e agora acadêmica.
Também citaram como exemplo de falta de cooperação regional a IX Cúpula das Américas, marcada para o próximo mês em Los Angeles, fórum multilateral ameaçado de boicote por vários governos da região após críticas dos Estados Unidos, país anfitrião, a Cuba, Nicarágua e Venezuela.
Diante desse cenário, alguns optam pelo otimismo econômico, principalmente se a América Latina conseguir se tornar produtora e exportadora de energia verde (energia solar e eólica, em particular) no médio prazo.
Outros veem na revolução do teletrabalho desencadeada pela pandemia uma forma de os profissionais que não conseguem encontrar trabalho no seu país de origem o façam, remotamente, noutro da região.