'Manguebeat na era do 4.0: os 30 anos do Movimento Mangue' é tema de live, nesta terça (31)
Fred Zero Quatro e Renato L - autores do manifesto "Caranguejos com Cérebro" - conversam com a jornalista da Secult-PE Michelle de Assumpção
Pensar o movimento mangue à luz dos novos tempos conduz a conversa da live “Manguebeat na era do 4.0: 30 anos depois”, que acontece nesta terça (31), às 19h, no canal do Youtube e Facebook da Secretaria de Cultura e Fundarpe. Os convidados são seus autores: Fred Zero Quatro e Renato L. Eles vão conversar com a jornalista da Secult-PE, Michelle de Assumpção.
“Emergência! Um choque rápido ou o Recife morre de infarto! Não é preciso ser médico para saber que a maneira mais simples de parar o coração de um sujeito é obstruindo as suas veias. O modo mais rápido, também, de infartar e esvaziar a alma de uma cidade como o Recife é matar os seus rios e aterrar os seus estuários. O que fazer para não afundar na depressão crônica que paralisa os cidadãos? Como devolver o ânimo, deslobotomizar e recarregar as baterias da cidade? Simples! Basta injetar um pouco de energia na lama e estimular o que ainda resta de fertilidade nas veias do Recife…”
Assim começa o contundente texto intitulado “Caranguejos com Cérebro”, escrito no Recife, em julho de 1992, pelo músico e jornalista Fred Zero Quatro, com o auxílio do amigo jornalista Renato Lins, ou apenas Renato L, que posteriormente viria a ser apresentado como o Ministro da Informação do Movimento Mangue, apelido que recebeu de Chico Science, inspirado nos "ministérios" que os Panteras Negras e o Public Enemy tinham. A intenção inicial de Fred era divulgar uma festa, ou seja, fazer um release, mas a necessidade de contextualizar a realidade social, econômica, política e cultural em que viviam seus amigos, fazedores de arte, de música e afins, terminou por conduzi-los para a criação do que seria tomado como um manifesto, tamanho o poder simbólico de suas palavras, ao mergulhar nas várias dimensões de uma cidade.
“Em meados de 91, começou a ser gerado e articulado em vários pontos da cidade um núcleo de pesquisa e produção de idéias pop. O objetivo era engendrar um *circuito energético* capaz de conectar as boas vibrações dos mangues com a rede mundial de circulação de conceitos pop. Imagem símbolo: uma antena parabólica enfiada na lama”, continuava Fred em seu texto.
No tempo em que conseguir ouvir um disco de uma banda estrangeira demorava cerca de três meses após o seu lançamento, e que a internet ao alcance das mãos era algo impensável, o Manifesto Mangue já falava em “rede mundial de circulação de conceitos pop”. Em 1994, quando lançou o primeiro disco, Samba Esquema Noise, Fred Zero Quatro se ornava com chips e peças de computador e cantava “Sou eu transistor/ Recife é um circuito/ O país é um chip/ Se a terra é um rádio/ Qual é a música?”
“Realmente o manguebeat acontece um pouco antes dessa explosão da internet, mas atravessa todas essas transformações. No início dos anos 90, tínhamos uma visão mais otimista em relação a essas mudanças tecnológicas, mas ao longo das décadas essa visão foi se tornando mais crítica, até pela desconstrução do modelo da indústria da música como conhecíamos, sem que fossem implementados novos modelos sustentáveis”, comenta Renato L.
“Se eu fosse atualizar (o Manifesto) com certeza traria uma postura crítica em relação à hegemonia dos algoritmos, um questionamento a todo fundamentalismo tecnológico, fake news, conteúdos mentirosos e perfis falsos. Eu tenho um texto sobre isso no encarte do disco de 2011 (Novas lendas da etnia Toshi Babaa), onde falo da cyber selva, essa coisa bárbara, selvagem que tem se tornado a internet”, diz Zero Quatro.
Por fim, há que se dizer que The Walking Dead Folia, disco mais recente da banda Mundo Livre S/A, é também um manifesto a seu modo. Nele ouvimos músicas como “Necropolitano” (não há mais pulmão, nem circo, nem pão), “Fake Milho” (Foda-se o agro, Foda-se o tóxico, Foda-se o fake grão transgênico), “Baile Infectado” (Presidente é bom no Jet Ski/ Miliciano adora ostentação/ O congresso passa álcool gel/ E a suprema corte lava as mãos), entre outras que nos fazem pensar, enquanto dançamos. O álbum ainda traz uma capa que satiriza a distopia dos tempos atuais e, por fim, consagra mais uma vez a Mundo Livre no lugar de uma das melhores bandas dos últimos 30 anos.
A narrativa musical de Zero Quatro sempre tratou de problematizar os avanços da tecnologia, questionar sistemas predatórios, sem medo de ser ácido e corrosivo. Com muito groove e doses de sarcasmo, ironia, cinismo e alguma libidinagem. Assim, o autor de Caranguejo com Cérebro atravessou três décadas mantendo-se conectado ao que sempre foi: um sujeito que canta a sociedade que vive, observa, critica e festeja.
Serviço
Live “Manguebeat na era 4.0: 30 anos depois”
Quando: 31 de maio de 2022 (terça-feira), às 19h
Com: Fred Zero Quatro, Renato L e Michelle de Assumpção (mediação)
Transmissão: Youtube da SecultPE | Facebook da SecultPE