Chegada do frio aumenta preocupação com síndromes respiratórias
Nas crianças, além da Covid-19, o Vírus Sincicial Respiratório, o influenza e o rinovírus também têm feito número crescente de casos
Com o início do mês de junho, as baixas temperaturas tendem a se repetir com mais frequência, com uma nova frente fria se aproximando do Rio e São Paulo no fim de semana. Com o frio, também aumentam as preocupações com a saúde, em especial das crianças.
Alguns estados do Brasil já vivem um surto de infecções respiratórias em crianças, como Pernambuco. Boletim Infogripe da Fiocruz, divulgado nesta quarta, aponta que, entre crianças de até 4 anos, segue o predomínio do Vírus Sincicial Respiratório (VSR), seguido por casos de Sars-CoV-2 (Covid-19), rinovírus e metapneumovírus. Os casos associados à Covid-19 nas últimas quatro semanas ultrapassaram os registros associados ao rinovírus, uma alteração decorrente do aumento de casos de Covid-19 na população em geral.
Por isso, parte desse aumento pode ser explicado pela chegada da variante Ômicron no início do ano, que provocou um impacto maior na população infantil do que nas demais faixas etárias, explica o pesquisador em saúde pública na Fiocruz Marcelo Gomes, coordenador do InfoGripe.
— Na população adulta, a variante não provocou tantas internações graças à vacinação. O público de 0 a 4 anos, que não tem vacina, e de 5 a 11, que estava ainda começando o esquema vacinal, teve um impacto muito grande. E essa cobertura é baixa até hoje — afirma Gomes.
No entanto, embora a partir de fevereiro o país tenha vivido uma melhora no cenário epidemiológico da Covid-19, com os casos de SRAG na população adulta caindo, a situação de infecções respiratórias em crianças continuou a subir. Na primeira semana de fevereiro, logo após o pico da variante Ômicron no Brasil, foram registrados 1.022 casos de SRAG na faixa de 0 a 11 anos, enquanto nos últimos sete dias de abril esse número foi de 2.615, um crescimento de 155,9%.
Fatores por trás do aumento
A pediatra do Hospital Copa D'Or Clarisse Savastano vive essa realidade e conta que, apenas em maio, teve oito crianças que atende em seu consultório internadas com pneumonia, um número muito acima do comum. Para ela, um possível motivo é que o tempo em que os pequenos estiveram em isolamento social, embora tenha os protegido da Covid-19, possa agora ter levado a uma proteção menor contra outros vírus respiratórios característicos da infância.
— A gente tem visto, principalmente nas crianças menores, um agravamento das doenças. Casos graves com vírus que normalmente causavam apenas resfriado comum, especialmente nessa época do ano. Uma possibilidade é que as crianças que passaram pela pandemia não tiveram aquele primeiro contato que acontece na pracinha, na primeira fase de formação do sistema imune. Então elas estariam com uma imunidade mais baixa mesmo — afirma a especialista.
O pediatra e presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Renato Kfouri, explica que em todo o outono, pelas baixas temperaturas e acúmulo de pessoas em locais fechados, há um aumento expressivo dos casos de doenças respiratórias, mas concorda com Clarisse que a baixa imunidade pode estar provocando esse crescimento fora do normal em 2022.
— O que tem de diferente nesse ano é que o aumento comparando com os últimos dois anos é muito expressivo. Isso porque o protagonismo da Covid-19 não deixou que os outros vírus respiratórios circulassem tanto, o que fez com que tivéssemos acúmulos de crianças nascidas de 2019 para cá sem exposição a nenhum tipo de vírus. Isso faz com que seja alto o número de suscetíveis agora nessa idade — afirma Kfouri.
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Os especialistas ressaltam que todos esses fatores acontecem no momento em que o país flexibiliza as medidas restritivas, como máscaras e distanciamento social, tornando a contaminação tanto pela Covid-19, como pelos demais vírus respiratórios, ainda mais propícia.
— Antes, a gente ainda tinha uma série de cuidados em vigor e o início do ano letivo em 2021 ainda foi de forma híbrida em muitos locais. Então o risco de as crianças serem expostas a vírus respiratórios era muito mais baixo. Neste ano a gente está vendo o inverso, abrimos mão de uma série de cuidados, o que fez com que outros vírus respiratórios voltassem com muita força em fevereiro e março na volta às aulas — explica Gomes, da Fiocruz.
Risco elevado em crianças
Isso acontece no contexto em que, no geral, as crianças são mais suscetíveis a infecções respiratórias. Como o sistema imunológico desse grupo ainda está em formação, e não desenvolveu uma série de anticorpos e imunidade celular, elas acabam sendo mais afetadas por esses patógenos.
— Uma coisa importante para esse aumento dos casos é o calendário vacinal, que deixou de ser atualizado. Nesse período, o fato de muita gente não ter vacinado seus filhos para a gripe deixou mais uma porta de entrada para uma infecção respiratória — explica Clarisse, do Copa D’Or.
Nessas faixas etárias, além da Covid-19 e da Influenza, há a prevalência alta de infecções por outros agentes, como os adenovírus e rinovírus, que causam resfriado, e, principalmente nas crianças de 0 a 4 anos, o Vírus Sincicial Respiratório (VSR). O último boletim da Fiocruz reforçou que há um aumento significativo neste grupo das SRAG relacionadas ao VSR.
Ele é um patógeno conhecido pelos especialistas e perigoso especialmente para crianças, uma vez que grande parte dos adultos foram infectados quando pequenos e desenvolveram anticorpos que perduram durante a vida. Um estudo publicado recentemente na revista científica The Lancet estimou que mais de 100 mil crianças de até 5 anos no mundo morreram devido à infecção causada pelo VSR em 2019, e cerca de 33 milhões tiveram um quadro respiratório provocado pela contaminação.
Esses vírus não costumam provocar grandes preocupações, já que a maioria das crianças é infectada e apresenta sintomas leves. Porém, isso costumava acontecer em momentos diferentes da infância de cada um, sem sobrecarregar os hospitais. Agora, pela realidade em que um alto número de crianças está suscetível ao mesmo tempo, os pediatras orientam que os pais estejam atentos a lugares fechados, com aglomerações, e deem preferência à interação ao ar livre, onde há menos risco de infecção.
Eles também reforçam que, em caso de sintomas, não se deve colocar o pequeno em contato com outras pessoas, como na escola, pois isso favorece a disseminação de um vírus.
— Os sinais mais frequentes são sintomas gripais, falta de ar, cansaço, febre alta, fatores que os pais devem estar em alerta e, se for o caso, conversar com o seu pediatra ou procurar um serviço de saúde — orienta Kfouri.