Chuvas intensas serão mais frequentes? O que fazer para evitar novos desastres
Especialistas analisam os temporais que atingiram a Região Metropolitana do Recife na última semana
Se você conversar com moradores do Recife acima dos seus 55 anos de idade, é muito provável que eles se recordem da grande cheia que inundou a Região Metropolitana no ano de 1975. São lembranças impossíveis de esquecer.
Impossíveis de esquecer serão, também, as lembranças do último mês de maio. O ano presente, 2022, já entrou para a história como o ano de um dos maiores desastres vividos em Pernambuco. Uma tragédia que interrompeu 128 vidas e deixou mais de 9,3 mil pessoas desabrigadas.
Em meio a tudo isso os questionamentos que ficam são: (1) não era possível evitar? e (2) O que fazer para que tragédias como essas não se repitam?
De acordo com a Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac), a previsão para o mês de junho é de mais chuvas intensas, que podem seguir até agosto.
“Nós estamos bem dentro do que nós chamamos de quadra chuvosa, que são os quatro meses que mais chovem no ano, e junho e julho são os dois meses que mais chovem. O histórico de chuva dentro desses meses, tanto em Recife como na Região Metropolitana como um todo, é de mais de 300 mm e, na Zona da Mata, é mais que 200 mm. Então, já se espera chover muito e, agora, com condições mais favoráveis de chuva, significa que pode chover acima da média”, comentou Romilson Ferreira, meteorologista da Apac.
No entanto, não é possível prever se haverá, nos próximos meses, outro temporal com a mesma intensidade do ocorrido em maio.
“A gente não pode afirmar que vai ter um evento desse, assim como também a gente não pode descartar completamente. É difícil de acontecer, mas espera-se que continue chovendo e, em alguns momentos, que possa chover forte”, esclarece Ferreira.
Meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Morgana Almeida explica que eventos extremos como esses costumam ocorrer em longos períodos de tempo: “Eventualmente [nos próximos meses], pode ter um episódio ou outro de chuvas mais fortes. Não há previsão de que uma precipitação, um evento tão significativo, venha a se repetir. Porque a gente usa um termo que chama período de retorno. Então, esse período de retorno desses eventos extremos são relativamente longos.”
A longo prazo, porém, devido às mudanças climáticas, as chuvas intensas e concentradas podem se tornar cada vez mais frequentes. “É inequívoco que o sistema climático está passando por alteração. A maior concentração de CO2 na atmosfera realmente vem potencializando a questão do efeito estufa e aumentando as temperaturas. Isso faz com que os eventos extremos, seja de chuva em excesso ou de escassez dela, tendem a ser mais frequentes", disse.
"E a cidade do Recife é uma das mais vulneráveis, por conta, justamente, de toda essa questão geográfica que ela está inserida: está praticamente ao nível médio do mar, tem uma densidade populacional muito grande e uma desigualdade de renda, aspectos que envolvem a vulnerabilidade social das pessoas”, ressaltou a meteorologista", acrescentou.
Fatores como o aumento da temperatura do oceano, que se encontra até três graus acima da média na costa do Estado, contribuem para o registro de temporais, a exemplo do ocorrido no fim de maio, que culminou no trágico dia 28, quando deslizamentos de barreiras e enchentes vitimaram mais de 100 vidas, com buscas pelas pessoas desaparecidas se estendendo por quase uma semana.
No entanto, como destaca o pesquisador do Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) Giovanni Dolif, as chuvas, sozinhas, não são responsáveis pelas tragédias que já causaram mortes em diferentes áreas do País.
“Nem toda chuva forte causa tragédia. Você pode ter tido uma chuva com essa mesma intensidade em cima de um local que você não tivesse pessoas expostas a algum tipo de risco, a alguma vulnerabilidade, e não teria tido nenhum problema”, disse.
“O que acontece é que a gente tem uma combinação de fatores. Você tem um evento da natureza com uma certa intensidade, atingindo uma ocupação humana que está vulnerável a essa intensidade. Ou seja, essa ocupação não tem a capacidade de se manter, manter a sua estrutura, sua organização, diante da magnitude desse evento natural. Então, o desastre é a combinação de uma ameaça, que é um evento natural, e uma vulnerabilidade socioambiental. Essa combinação é que resulta no desastre”, detalhou.
Para que tragédias como essas não voltem a ocorrer, aponta Dolif, é preciso atuar em ações que diminuam tanto o aquecimento global como a vulnerabilidade social. “A gente tem, só na Região Metropolitana de Recife, cerca de 1.800 áreas de risco e nessas áreas de risco a gente tem em torno de 600 mil pessoas. Então, uma maneira de a gente reduzir os impactos dos extremos do clima seria reduzir o número de pessoas em áreas de risco, minimizar o número de pessoas em situação de vulnerabilidade às ameaças naturais”, frisou.
Medidas estruturais para conter o avanço do mar e facilitar o escoamento e a drenagem das águas também podem ser tomadas para mitigar os efeitos das chuvas. Além disso, reforça, é preciso que haja ações voltadas para a população que vive próxima a barreiras.
“Na questão de deslizamento de terra, são necessárias medidas estruturais de zoneamento urbano, de realocação de pessoas, medidas educativas de sensibilização e de percepção de risco, para que o resultado final seja menos impactante, tirando o impacto tanto nas estruturas, nos bens comuns, mas, principalmente, diminuindo as perdas de vida.”
Segundo o governador de Pernambuco, Paulo Câmara, diante do período chuvoso, que deve se manter, ao menos, pelos próximos dois meses, os esforços estão voltados para evitar o risco de novos desastres.
"Toda a área da Defesa Civil vai continuar acionada e nossos bombeiros militares também vão ficar em alerta, porque a gente tem que enfrentar esses próximos 60 dias onde devem ocorrer chuvas. Não há ainda nenhum registro de um fenômeno como o que nós tivemos de chuvas fortes para as próximas semanas, mas temos que ficar alertas até o final desse período, e fazer todo o trabalho necessário. Os municípios estão muito cientes também de tirar as famílias que moram em áreas de risco que foram afetadas", afirmou.
O Governo do Estado, acrescenta Câmara, terá o papel de apoiar os municípios na realização de obras, garantindo recursos para ampliar as ações nos próximos anos.
"Temos que começar um trabalho que perpassa governos, ajudar os municípios a fazerem os projetos ao longo dos anos que deem a resolutividade necessária e, também, ajudar na execução de obras. Sem esquecer que a gente precisa se preparar muito para o próximo inverno, para que não haja em 2023 nem perto de uma tragédia como nós tivemos esse ano”, frisou.
O prefeito do Recife, João Campos, informou que solicitou recursos federais para serem aplicados, especialmente, em ações preventivas.
“Formalizei uma solicitação ao Ministério de Desenvolvimento Federal para que R$ 74 milhões que existem no convênio entre prefeitura e Governo do Estado, firmado ainda em 2012, possa ser liberado de maneira imediata, e é possível, para a gente realizar essas obras, além de R$ 300 milhões para a construção de novas proteções de encosta, tendo em vista que o Recife tem capacidade de projeto, tem estoque de projeto. A gente está fazendo investimento com fonte própria, mas é lógico que o desafio do tamanho da cidade do Recife é um desafio federado”, comentou.
Além disso, afirmou o prefeito, continuarão sendo realizadas vistorias e acompanhamento em locais de risco.
“Agora, naturalmente, a gente começa também uma fase de intensificação de cuidado, mas com olhar estrutural. O primeiro cuidado é: há possibilidade de trazer segurança para a moradia da pessoa sem necessidade de realocação das famílias? E, no caso de famílias que realmente estão em uma área inapropriada, é necessário fazer o laudo crítico da Defesa Civil e a remoção. Mas é lógico que o nosso interesse é poder aumentar a amplitude, aumentar a capacidade de todos os programas e ações de prevenção a desastres na cidade.”
Por que choveu tanto em maio?
Segundo especialistas ouvidos pela Folha de Pernambuco, três fatores, aliados ao fato de já estarmos em um período chuvoso, contribuíram para a intensidade dos temporais: os fenômenos conhecido como La Niña e Ondas do Leste e o aquecimento do Oceano Atlântico na costa do Estado, que se encontra até três graus acima da média.
“Além de estarmos no período chuvoso, a gente tem esse ano dois ingredientes especiais. Um é o efeito da La Niña, que é o resfriamento anômalo das águas do pacífico equatorial, que isso provoca a intensificação dos ventos alísios e, consequentemente, potencializam as chuvas na região Nordeste como um todo. E, além disso, a gente tem as águas do Oceano Atlântico muito quentes. Quando as Ondas de Leste, que se formam lá na costa da África, chegam à costa do Nordeste e encontram águas quentes, isso serve como se fosse combustível para intensificar essas ondas de chuva, que ficam ainda mais carregadas”, explicou Morgana Almeida, meteorologista do Inmet.
De acordo com o pesquisador Giovanni Dolif, do Cemaden, quando pensamos na Região Metropolitana do Recife, é preciso também observar, além da temperatura do oceano, a dinâmica em relação à maré que, caso esteja alta, torna o tempo de escoamento da água maior. “Então, são dois processos naturais distintos, os dois consequências do aquecimento global, que se somam aumentando o potencial de ameaça em termos de efeitos de inundação, por exemplo.”
De acordo com a Agência Pernambucana de Águas e Climas, é emitido, mensalmente, um Informe Climático, boletim que apresenta a previsão de tempo para os três meses subsequentes. Nas chuvas do fim de maio, os alertas sobre a chegada dos temporais foram aumentando à medida que os dias se passavam.
“Foi uma sequência de avisos, a gente enviou avisos desde o dia 22, quando a Apac começou avisar sobre essa sequência de chuvas que estavam para chegar. O nosso primeiro aviso foi um aviso amarelo, do estado de observação. Aumentamos o aviso no dia 24, que foi para o aviso laranja, e a gente enviou um aviso vermelho no dia 25. E a maior chuva aconteceu no dia 28”, lembrou Romilson Ferreira, meteorologista da Apac.
"Um dos grandes fatores das mudanças climáticas é que a gente deve ter chuvas mais concentradas e as áreas de vulnerabilidade podem sofrer mais com chuvas intensas. Devem ocorrer com maior frequência chuvas fortes e em tempos mais curtos, o que significa mais prejuízo porque quanto menor for o tempo dessa chuva e mais intensa ela for, maior o prejuízo urbano", acrescentou.
Veja onde mais choveu na Região Metropolitana do Recife em maio deste ano: