Estudo

Temperatura do Atlântico ajuda a prever evento climático extremo no Nordeste até três meses antes

Conclusão é de estudo publicado por cientistas de Brasil, China, Austrália e Alemanha na revista Geophysical Research Letters

Seca - Alfeu Tavares/Folha de Pernambuco

A temperatura das águas do oceano Atlântico Norte pode ser usada como um indicador climático para prever com antecedência de até três meses períodos de eventos extremos ligados à redução de chuvas e secas intensas na região Nordeste do Brasil.

Essa é uma das principais conclusões de um estudo publicado na revista científica Geophysical Research Letters, que envolveu pesquisadores do Brasil, China, Austrália e Alemanha.

O grupo aplicou uma nova abordagem metodológica, com foco no déficit de precipitação, e mostrou que, nos últimos anos, a influência do Atlântico Norte se tornou mais persistente do que a atuação do Pacífico tropical, até então apontada como um dos fatores de impacto na intensidade das secas no Nordeste. Ao mesmo tempo, a conexão entre Pacífico e Atlântico Norte ficou mais frequente, sugerindo que essas interações entre as bacias oceânicas tropicais reforçaram as estiagens na região nas últimas décadas.

“O trabalho foi motivado pela grande seca registrada entre 2012 e 2015. Esse longo período nos fez refletir, do ponto de vista meteorológico, como as temperaturas dos oceanos tropicais influenciam essas condições climáticas. O diferencial agora é a metodologia inovadora, que explora a questão das diferentes áreas do Pacífico e do Atlântico e o padrão de seca no Nordeste. Esses resultados servem como ferramenta de gestão para que centros meteorológicos façam a previsão com antecedência de eventos com esse potencial”, diz à Agência FAPESP Lincoln Muniz Alves, cientista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e um dos autores do artigo.

A seca que atingiu o semiárido do Nordeste entre 2012 e 2015 teve intensidade e impacto recordes, destruindo áreas agrícolas, levando à falta de água e afetando cidades e pequenas localidades. Outros trabalhos já apontaram como causas dessa situação as alterações na circulação atmosférica, sugerindo um papel ativo das águas superficiais mais quentes do que o normal no oceano Atlântico. O El Niño, fenômeno climático que envolve um aquecimento incomum do Pacífico, também contribuiu com o agravamento do quadro.

À época, o El Niño foi considerado um dos que tiveram maior impacto (depois dos registrados em 1982-1983 e 1997-1998), provocando perdas em diferentes regiões do mundo. No Brasil, houve seca intensa no Nordeste e na Amazônia, estiagem prolongada no Norte, no centro-norte de Minas, de Goiás e no Distrito Federal, além de inundações no Sul.

“Esse tipo de El Niño, chamado ‘canônico’, ou seja, com o padrão de aquecimento na mesma região do oceano Pacífico, tem mudado tanto de posicionamento como de intensidade. Paralelamente a isso, temos visto nas últimas décadas um aquecimento anômalo no Atlântico tropical. A partir do mix de análises feitas, o artigo dá subsídio para que quem trabalha com previsão possa olhar, meses antes, os sinais vindos do Atlântico tropical. O Pacífico influencia, mas o Atlântico tem peso maior”, completa Alves.

Novos parâmetros
A proposta do estudo consiste em usar métodos não lineares de coerência de fase e análise generalizada de sincronização de eventos para entender os mecanismos de causa e efeito. Para isso, os cientistas interpretaram as relações entre a variabilidade da temperatura da superfície do mar (TSM) e o índice de precipitação-padrão como interações diretas, enquanto as relações entre oceanos foram avaliadas como efeitos indiretos sobre chuvas.

Os pesquisadores usaram dados de precipitação do Climate Prediction Center, agência federal dos Estados Unidos integrante do serviço nacional de meteorologia da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA, na sigla em inglês). Foram selecionadas quatro regiões: o Nordeste brasileiro, que tem sido o centro da seca nas últimas décadas; a área chamada Niño 3, onde houve intensa atividade do fenômeno ENSO (El Niño - Oscilação Sul); o Atlântico Norte e o Atlântico Sul, ambas áreas semelhantes utilizadas em trabalhos anteriores.

Para verificar a consistência, os resultados foram comparados com a chamada região Niño 4, que inclui o Pacífico Central e o Atlântico Sul estendido. Para cada domínio, foram calculadas a média espacial da variável de interesse e as anomalias diárias relativas a uma base do período de 1981-2010, sendo as estações chuvosas definidas de janeiro a abril, e as secas, de maio a agosto.

Os resultados revelaram um papel dominante do Atlântico Norte para o déficit de precipitação e secas, particularmente nas últimas décadas. Além disso, as frequências de precipitação e de temperatura da superfície do mar mudaram após eventos de El Niño e La Niña muito fortes, resultando em uma maior probabilidade de coerência de fase.

“Não existe mais um padrão normal ou de linearidade, como se observava havia três décadas. Vários outros trabalhos têm corroborado com o resultado que obtivemos. Essa metodologia revela que não existe um padrão linear para montar as previsões. A pesquisa mostra que é preciso sair do convencional e destaca a importância de olhar para outras áreas dos oceanos, não focando somente no Pacífico”, afirma Alves.

Entre as conclusões do artigo, o grupo aponta ainda que outros fatores, como mudanças no uso da terra, podem levar a alterações no ciclo hidrológico, como já demonstrado em estudos de modelagem, particularmente sobre a bacia amazônica. Por isso, os cientistas sugerem que novos trabalhos com a metodologia desenvolvida podem focar em como essas mudanças no uso da terra alteram as características e interações climáticas.

“Quando discutimos variações climáticas estamos falando também em impactos socioeconômicos e na biodiversidade. Por isso, centros meteorológicos podem usar o modelo para trabalhar em prevenção, focando em políticas públicas ou na tomada de decisão sobre ações de mitigação de eventos extremos”, completa Alves.