Reino Unido

Governo britânico busca maneiras de seguir com expulsões de migrantes para Ruanda

Johnson deve comparecer ao Parlamento para a sessão semanal de perguntas, na qual se espera que a oposição trabalhista levante a controvérsia

Primeiro-ministro britânico, Boris Johnson - PRU / AFP

O governo britânico de Boris Johnson, enfurecido que a justiça europeia impediu no último minuto o primeiro voo para expulsar imigrantes para Ruanda, busca nesta quarta-feira (15) uma maneira de contornar o inconveniente e continuar com seu polêmico projeto

Johnson deve comparecer ao Parlamento para a sessão semanal de perguntas, na qual se espera que a oposição trabalhista levante a controvérsia, depois de o primeiro-ministro ter sugerido no dia anterior que ao defender os imigrantes os advogados "instigam o trabalho de gangues criminosas" de tráfico de seres humanos.

"O mundo jurídico é muito bom em encontrar maneiras de tentar fazer com que o governo não cumpra o que achamos ser uma lei sensata", disse. "Algumas regras precisarão ser alteradas para nos ajudar a avançar? Possivelmente sim. Todas essas opções estão sob revisão", acrescentou.

O programa eleitoral que em 2019 deu a Johnson o melhor resultado do Partido Conservador britânico em 40 anos incluiu o compromisso de "atualizar a Lei de Direitos Humanos e a lei administrativa para garantir que haja um equilíbrio adequado entre os direitos das pessoas, nossa segurança nação vital e um governo eficaz".

Muitos comentaristas se perguntavam nesta quarta-feira se o que aconteceu no dia anterior no Tribunal Europeu de Direitos Humanos será o gatilho.

A conservadora ministra do Interior, Priti Patel, falará aos deputados "determinada" a encontrar uma maneira de implementar seu programa. 

"Nossa equipe jurídica está revisando todas as decisões tomadas neste voo e a preparação para o próximo começa agora", anunciou na terça-feira.

Afirmando que quer desencorajar as perigosas travessias marítimas clandestinas a partir da costa francesa, que aumentam constantemente, Patel anunciou em meados de abril um acordo com Ruanda, país africano a 6.500 km de Londres, para receber migrantes e demandantes de asilo que chegam ao Reino Unido de forma irregular.

Inicialmente, Londres pagaria cerca de 157 milhões de dólares a Kigali para financiar o programa. 

As Nações Unidas, a Igreja Anglicana, as ONGs de defesa dos refugiados e dos direitos humanos denunciaram esta política como "ilegal" e "imoral" e várias associações tomaram medidas legais para impedi-lá.

Voo esvaziado

O primeiro voo, fretado junto à companhia espanhola Privilege Style, deveria partir na noite de terça-feira. 

Mais de 130 imigrantes – sírios, afegãos, albaneses e egípcios, entre outros – foram notificados de sua expulsão para um país com um histórico preocupante em termos de direitos humanos, segundo a ONG Care4Calais. 

Alguns deles apresentaram recursos judiciais individuais, auxiliados por associações e advogados que também tentaram um bloqueio legal ao programa como um todo. 

De sexta a segunda-feira, vários juízes britânicos rejeitaram os argumentos gerais, dando razão ao plano do governo, mas aceitaram casos específicos reduzindo gradualmente o número de passageiros para o primeiro voo, totalizando apenas sete na manhã de terça.

Patel afirmou que, apesar de tudo, o avião - com um custo estimado pela imprensa em 250 mil libras (300 mil dólares) de dinheiro público - decolaria para estabelecer o "princípio" da política "dissuasiva". 

No entanto, em uma reviravolta de última hora, um dos sete imigrantes, procedente do Iraque, conseguiu que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, com sede em Estrasburgo, bloqueasse sua deportação temporariamente até que sua legalidade fosse totalmente analisada.

Isso causou uma inesperada aprovação em cadeia de congelamentos para os outros seis e o voo acabou sendo cancelado após as 22h00 locais (17h00 de Brasília), para raiva e humilhação de um governo britânico que desde o Brexit vem tentando distanciar-se da justiça europeia a todo o custo. 

Um dos principais argumentos para a saída britânica da União Europeia, decidida em 2016, mas efetivada apenas a partir de janeiro de 2021, foi o controle migratório.

E o plano de expulsar as pessoas sem documentos para Ruanda é muito popular entre grande parte dos eleitores conservadores de Johnson, que, atormentado por múltiplos escândalos, busca retomar sua popularidade e reconquistar o eleitorado visando as eleições de 2024.