Economia

Pandemia e redução do auxílio jogam 23 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza

Grupo correspondia a 10,8% da população em 2021

Pobreza - Agência Brasil

A pandemia de Covid-19 e os vaivéns das políticas de transferência de renda levaram a uma piora do nível de pobreza no país. Mais de 23 milhões de brasileiros, ou 10,8% da população, estavam abaixo da linha da pobreza em 2021. É o nível mais alto da série histórica anual, iniciada em 2016, em termos relativos e absolutos.

Estar abaixo da linha de pobreza significa sobreviver com uma renda mensal de R$ 210 ou R$ 7 por dia, considerando preços do final do ano passado. Em apenas um ano, 7,2 milhões de brasileiros passaram a fazer parte desse contingente. Em relação ao pré pandemia, há 3,6 milhões a mais nesta condição.

Quando observada a linha que vive na extrema pobreza, aproximadamente 5,9% dos brasileiros recebeu menos que R$ 105 reais por mês - ou R$ 3,50 por dia - em 2021. É também o maior nível da série anual.
 

É o que aponta pesquisa dos economistas Marcelo Neri, diretor do FGV Social, e Marcos Hecksher, doutor em População, Território e Estatísticas Públicas. O objetivo foi mensurar o nível do bem-estar social na população brasileira a partir da chegada da pandemia de Covid-19 e a adoção de novas políticas de transferência de renda. O levantamento foi feito com base nos dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) de 2021, publicada pelo IBGE.

Montanha-russa entre os mais pobres
O estudo revela que os mais pobres viveram uma espécie de montanha-russa nos últimos anos. O país já havia atingido o maior percentual da população (9,2%) abaixo da linha de pobreza em 2019, nível que vinha subindo desde 2016, início da série. Com a chegada da pandemia e o pagamento do auxílio emergencial que beneficiou 68 milhões de brasileiros, o número de pessoas que recebeu menos de R$ 210 por mês caiu para menos da metade: 4,2% da população - nível próximo ao de 2016, quando foi de 4%.

Acontece que, com a gradual redução do auxílio emergencial em 2020 e a posterior interrupção do benefício em março de 2021, não somente a população mais pobre cresceu como essa parcela sofreu uma queda abrupta da renda.

O economista Marcelo Neri, um dos autores do estudo, ressalta que o país tem passado por uma grande instabilidade, principalmente nos últimos três anos. Enquanto a primeira meta dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio era diminuir a pobreza em 50% em 25 anos, a pobreza no Brasil cresceu 42% em apenas seis meses, saindo de 3,9% em agosto de 2020 para 13,2% em março de 2021, quando atingiu pico na variação mensal.

— O Brasil é o pais da desigualdade, mas também da instabilidade. Fomos do céu ao inferno e vice-versa algumas vezes em função da pandemia e das políticas adotadas nesse período. O auxílio emergencial levou o país ao menor nível de pobreza da história. Mas seis meses depois você voltou ao maior nível dos últimos dez anos. E essa montanha-russa é uma oscilação tão custosa quanto uma estagnação econômica ou falta de crescimento.

Neri destaca ainda que as políticas públicas devem ser pensadas de modo a suavizar o padrão de vida dos pobres, e não gerar alta oscilação . — O desafio de alguma forma é permitir que as pessoas comam todos os meses e não comam carne um mês e depois passem fome no outro mês — explica.

A renda mensal dos 10% mais pobres caiu de R$ 114 em novembro de 2019 para R$ 52 em março de 2020, início da pandemia. Em seguida, foi mais do que quadruplicada até atingir o pico histórico em agosto do mesmo ano, com R$ 215, durante a fase mais generosa do pagamento do auxílio emergencial. Já em janeiro, com a suspensão do programa, desabou para R$ 55.

Com o retorno do benefício com cobertura e valores reduzidos, a renda foi parcialmente recuperada para R$ 113 em agosto de 2021, mas recuou no fim do ano e ficou 15,8% abaixo do nível pré-pandemia, o equivalente a R$ 96 em novembro de 2021.