Economia

Especialistas alertam para riscos de endividamento com novas regras do INSS para crédito consignado

Especialistas também alertam para possíveis fraudes

Cédulas de cem reais - José Cruz/Agência Brasil

Depois da publicação de uma série de regras que regulamentam o crédito consignado para quem está recebendo o Benefício de Prestação Continuada (BPC) pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) na quinta-feira, especialistas passaram a alertar para os riscos de endividamento que a nova medida levanta.

O BPC é um pagamento mensal de um salário mínimo para pessoas com mais de 65 anos ou pessoas com deficiência que tenham renda por pessoa da família abaixo de um quarto do salário mínimo.

Diego Cherulli, advogado e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), afirmou que consignar parte do benefício dá a possibilidade para as pessoas de obter crédito, mas também de se endividar. Segundo ele, a maior preocupação neste caso é o superendividamento.
 

Cherulli ressalta também que o pagamento do BPC pode ser cessado, diferente da aposentadoria, o que traz algum risco para o beneficiário que optar por tomar crédito. O advogado também destaca que a medida traz segurança jurídica para as instituições financeiras, mas não tantas mudanças para o cliente.

— Essa política toda beneficia mais o sistema financeiro do que a pessoa, isso faz com que a pessoa se endivide. Você está fomentando que uma pessoa que recebe o benefício assistencial se endivide — disse Cherulli.

Além disso, como o pagamento do crédito consignado é feito diretamente na folha, o resultado também é uma diminuição nos recebimentos mensais para o beneficiário.

Para a economista Ione Amorim, coordenadora do programa de Serviços Financeiros do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), "transformaram o consignado em um balcão de negócios e isso vai piorar o assédio sobre esses beneficiários".

— Essas pessoas já vivem em condição de vulnerabilidade extrema e vão ser assediadas para contratação desses serviços. Essa portaria atende não só o interesse das instituições financeiras, mas também cria a possibilidade de "instituições consignatárias acordantes", que vai ofertar crédito, cartão e auxílio funerário, o que vai fazer extrapolar, ainda mais, o endividamento dessas famílias — alerta Ione.

Em março, o governo editou uma Medida Provisória (MP) que autoriza o consignado para beneficiários do Auxílio Brasil e do BPC. Na época, o Ministério do Trabalho calculava que a medida chegaria a 4,8 milhões de pessoas só no BPC.

Fraude nos consignados

Reclamações sobre fraudes em consignados de aposentados são constantes no INSS. Em muitos casos, empréstimos são feitos sem a autorização dos beneficiários, com descontos na folha de pagamento.

Diego Churelli, do IBDP, ressalta que apesar dessas pessoas agora poderem ter acesso ao crédito, estão expostas a fraudes.

— O problema é que essas pessoas vão continuar sujeitas a fraudes, como os aposentados já estão. Cotidianamente fraudes são feitas com empréstimo consignado — disse.

Crédito e outras cobranças

Entre as possibilidades de uso dessa margem do consignado, está o uso de cartão de crédito ou cartão consignado. Para quem optar por contratar o cartão, as instituições poderão ofertar auxílio-funeral ou seguro de vida no valor mínimo de R$ 2 mil com validade de dois anos.

Além disso, a instrução permite que instituições financeiras ofereçam seguro contra roubo de cartão e cobrem pela emissão do cartão de crédito ou consignado ligado ao Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Nesses serviços, a portaria permite a cobrança de até R$ 15 pela emissão do cartão, com a possibilidade de parcelamento em até três vezes e até R$ 3,90 pela contratação de um seguro contra roubo, perda ou extravio do cartão.

Consta também a possibilidade de saque de até 70% do limite disponível no cartão.

Ione Amorim, do Idec, destaca que a medida vai consolidar ainda mais o produto de cartões de crédito.

— As instituições vão fazer abordagem, tendo como premissa que se o consumidor assinou, ele tinha ciência do que estava contratando. Mas não leva em conta a baixa escolaridade dessas pessoas que vivem em situação de miserabilidade — diz a economista, que pontua: — A portaria traz produtos de caráter financeiro e não prevê nenhum instrumento que preserve o consumidor ou que penalize essas instituições em caso de excessos.

A possibilidade do saque e da oferta do seguro de vida e do auxílio funeral também foi permitida para aposentados e pensionistas, que já estavam incluídos na normativa de cartão de crédito.

Limites

A norma também determina algumas proteções, como a previsão de que a margem para o consignado só será feita a pedido, por escrito ou por meio eletrônico, do beneficiário, além de proibir a oferta ou marketing ativo de crédito consignado dentro dos primeiros 180 dias após a concessão do benefício.

Thais Riedel, advogada especialista em Direito Previdenciário da advocacia Riedel, entende que a instrução normativa tenta estabelecer alguns critérios para o consignado.

— A instituição financeira vai fazer o empréstimo e o que vai acontecer: eu posso combinar que vou pagar todo mês e o INSS já vai direto descontar de lá, vai pegar margem consignado como faz no salário — exemplificou.

De acordo com a instrução, também fica proibida a emissão de um cartão adicional e cobrança de taxa de manutenção ou anuidade. A instituição financeira não poderá aplicar juros sobre as compras quando o valor consignado pagar toda a fatura em uma única parcela.

O beneficiário poderá também cancelar o cancelamento do cartão de crédito ou do cartão consignado a qualquer momento, independente se está adimplente ou não.

Prazo de pagamento e juros

Embora a portaria não traga prazo de pagamento desse tipo de empréstimo e os juros que serão cobrados, a expectativa é de que fique similar ao que é cobrado pelo INSS. Atualmente o prazo de pagamento está em 84 meses. Já o percentual do empréstimo consignado para aposentados e pensionistas chega a 2,14 % ao mês, e as operações realizadas pelo cartão de crédito, 3,06% ao mês.

O comprometimento do benefício está em 40%, assim como os demais beneficiários do INSS. Exemplificando: quem recebe um salário mínimo mensalmente, hoje em R$ 1.212, vai poder ter acesso ao empréstimo consignado utilizando 35% para empréstimo pessoal, que equivale a R$ 424,20, e 5% para retiradas de compras no cartão de crédito consignado ou quitação das dívidas do cartão (correspondente a R$ 60,60).

Uma fonte da Secretaria de Trabalho e Previdência, no entanto, avalia que ainda falta regulamentação para prazos e juros a serem cobrados e não soube informar quando seriam divulgados. Mas especialistas em Direito Previdenciário que analisaram a portaria informam que não há qualquer menção à separação de condições de beneficiários do BPC e de aposentados e pensionistas do INSS.

O INSS afirmou que a portaria apenas regulamenta o que estava disposto em outros normativos e o desbloqueio para empréstimos continua sendo feito pelo seguro pelo aplicativo “Meu INSS”.

“Lembramos que a contratação de qualquer empréstimo consignado é uma operação particular, realizada diretamente entre o banco e o cliente, sem participação do INSS, que apenas operacionaliza os descontos”, disse em nota