Governo mapeia nomes na CPI e faz pente-fino em investigações
Governo tenta conter crise deflagrada com a revelação de um telefonema em que o ex-ministro da Educação menciona Bolsonaro
Aliados de Jair Bolsonaro montaram uma operação para tentar abafar a crise no governo deflagrada com a revelação de um telefonema interceptado pela Polícia Federal em que o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro menciona o presidente.
Numa chamada telefônica com a sua filha, Ribeiro diz que Bolsonaro achava que haveria uma busca e apreensão em sua casa. O ex-comandante do MEC é alvo de uma investigação que apura suspeita de tráfico de influência e pagamentos de propinas envolvendo dois pastores lobistas com acesso ao governo. Ao todo, a PF gravou 1.768 ligações durante a apuração.
Auxiliares do presidente traçaram um plano para tentar frear a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado para apurar as suspeitas de irregularidades no MEC, tarefa que, de acordo com pessoas próximas ao Planalto, é considerada prioritária neste momento. Até agora, integrantes da oposição já conseguiram coletar 27 assinaturas, o mínimo exigido para dar início aos trabalhos de investigação. Ao analisar a relação dos que defendem a abertura da CPI, aliados de Bolsonaro identificaram, porém, ao menos um nome que pode recuar — o senador Giordano (MDB-SP), o último que registrou apoio à comissão.
Segundo integrantes do governo, o parlamentar estaria insatisfeito com demandas não atendidas pelo Executivo. Giordano diz que não negocia a sua opinião, mas está disposto a ouvir o Planalto:
"Se tiver um motivo plausível e uma equipe sentar comigo, sentar com a equipe do governo e explicar que a intenção não é apurar fatos reais do que aconteceu e sim eleitoreiro, tudo bem, pode ser até que eu possa avaliar".
Além do parlamentar paulista, articuladores políticos do Planalto devem fazer uma investida para tentar reverter o apoio do senador Eduardo Braga (MDB-AM). Braga, no entanto, afirmou ao GLOBO que não irá retirar sua assinatura do pedido de abertura de investigação.
Integrantes do governo avaliam que, caso o pedido de CPI do MEC seja protocolado no Senado, a oposição deverá recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que determine a imediata instauração da comissão. Caminho semelhante ao percorrido durante a abertura da CPI da Covid, que colocou o governo Bolsonaro no epicentro da investigação sobre irregularidades na compra de vacinas contra a doença.
Teoria da ‘insatisfação’
Outra frente que aliados do presidente monitoram com cautela é a investigação envolvendo Milton Ribeiro. Três pessoas de confiança de Bolsonaro relataram ao GLOBO terem sido informadas de que, até o momento, não há vestígios de novas gravações com potencial de atingir o titular do Palácio do Planalto. Com isso, o governo pretende manter o discurso de que não há provas de que Bolsonaro interferiu no inquérito da PF, nem de que vazou informações sigilosas para alvos da operação que apura irregularidades no MEC.
Esse cenário, porém, pode mudar com a apreensão do celular do ex-ministro do MEC e de outros suspeitos. Uma das próximas etapas da investigação será submeter os aparelhos à perícia para identificar registros de chamadas e diálogos que possam esclarecer se houve ou não um vazamento do inquérito. A defesa de Ribeiro nega qualquer irregularidade.
A avaliação de auxiliares de Bolsonaro é que a operação envolvendo o ex-ministro da Educação foi resultado da insatisfação de uma ala da PF com o presidente por causa de uma promessa descumprida de reajuste salarial e reestruturação da categoria.
Com base nessa suspeita, esses conselheiros passaram a mapear outras investigações que podem trazer novos problemas ao governo às vésperas das eleições.
Uma possível fonte de crise, segundo aliados de Bolsonaro, é o inquérito que apura suspeitas de tráfico de influência de Jair Renan Bolsonaro, filho mais novo do presidente e conhecido como “Zero Quatro”. O GLOBO revelou que a investigação obteve diálogos que indicam que uma arquiteta pediu a ajuda de Jair Renan para intermediar um encontro de Bolsonaro com um empresário. A defesa do filho do presidente nega que ele tenha feito tráfico de influência.
Dois autorizados a falar
Ontem, Bolsonaro ficou em silêncio sobre o caso do MEC durante evento em Santa Catarina (leia abaixo). Essa mesma tática de evitar falar sobre o escândalo do MEC foi adotada por integrantes do governo, que não saíram em defesa pública de Bolsonaro para evitar que o caso ganhasse maior evidência.
O advogado Frederick Wassef pediu autorização do presidente para tratar do caso.
"O presidente não tem nenhuma informação sobre nenhuma investigação", disse Wassef. "Se o ex-ministro usou o nome do presidente Bolsonaro, usou sem seu conhecimento, sem sua autorização, ele que responda. Compete ao ex-ministro explicar o que ele fala".
Além de Wassef, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) criticou a investigação envolvendo Milton Ribeiro em uma publicação em rede social: “Então havia gravação do ex-Ministro falando que ‘ele’ achava que poderia ter busca e apreensão? Se ‘ele’ era Bolsonaro, porque o juiz e o procurador do @MPF_PGR não remeteram os autos ao @STF_oficial. Tá cheirando a 'sacanagem’, além de crime, claro”.