"Querem atingir o presidente porque conhecem minha influência", diz pastor lobista do MEC em ligação
Em uma chamada interceptada pela Polícia Federal, Gilmar Santos contou como se sentia na mira de denúncias envolvendo o Ministério da Educação
Em uma conversa interceptada pela Polícia Federal (PF), o pastor Gilmar Santos, alvo de uma investigação de suspeita de corrupção no Ministério da Educação (MEC), disse que as denúncias de pagamentos de propina e tráfico de influência na pasta teriam o objetivo de "atingir o presidente".
Na gravação, ocorrida no dia 6 de junho, Santos conversa com um líder evangélico de uma igreja em São Luís, no Maranhão. O interlocutor pergunta ao pastor se após as denúncias no MEC ele preferia ficar "mais reservado" ou se ainda toparia uma "participação pública" em um evento da Assembleia de Deus no fim deste ano.
Ao se explicar, Santos contou o que achava do escândalo do MEC, que resultou na queda de Milton Ribeiro do comando da pasta. "Todo esse assunto envolveu mais uma politicagem. Eles querem atingir o presidente, porque conhecem minha influência no país, e estão tentando jogar os evangélicos contra o presidente. Graças a Deus isso cada dia está ficando mais esclarecido e mais resolvido", justificou Santos.
Dados obtidos pelo Globo por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) mostram que Santos esteve dez vezes no Palácio do Planalto desde o início do governo Bolsonaro, enquanto o seu parceiro Arilton Moura visitou a sede do Executivo em 35 ocasiões. Além da Presidência, os pastores foram recebidos na Casa Civil, na Secretaria de Governo, na Secretaria-Geral, entre outros órgãos.
A agenda oficial de Bolsonaro registra três encontros com os pastores no Palácio do Planalto: em 25 de abril de 2019, 18 de outubro de 2019 e 14 de outubro de 2020, sendo que uma dessas visitas não foi registrada oficialmente pelo Gabinete de Segurança Institucional.
Em depoimento à PF, Milton Ribeiro confirmou que Bolsonaro pediu para receber Santos no MEC, mas negou o pastor que tivesse "tratamento diferenciado".
Procurados, Santos e Moura não se manifestaram. Após sair da prisão, Santos escreveu em suas redes sociais que estava em "profunda reflexão com o coração quebrantado". "Não há julgamento ou veredicto sob o meu nome, o que mostra a ilegalidade desta prisão, sem lastro na legislação brasileira, reconhecidamente inconstitucional", disse ele.
Pregações
Ao falar com o seu interlocutor, Santos disse que estava seguindo adiante com a sua vida, mantendo a sua agenda de pregações. Diferentemente do ex-ministro do MEC Milton Ribeiro e do pastor Arilton Moura, que submergiram após virem à tona as denúncias na Educação, Santos fez questão de continuar coordenando os trabalhos em sua igreja, cuja fachada em Goiânia leva o seu nome e foto.
No púlpito e nas redes sociais, o pastor também tem procurado mostrar que mantém a sua agenda de participações em conferências e igrejas evangélicas em outros estados. No culto do último domingo, Santos declarou que não gosta de ficar "misturando o sagrado culto com o que não convêm", mas fez um dos primeiros comentários públicos sobre as investigações.
"Como pastor titular eu tenho que mostrar um norte aos irmãos. Tenho recebido muitos telefonemas pedindo uma coletiva, mas vai chegar a hora (...) Não temos que baixar o nível, desrespeitar e entrar em confrontos. Nós somos a agência dos céus. A Bíblia diz que um dia faz declaração a outro dia", declarou ele.
Desde que foi envolvido nas acusações, em março, o pastor tem pregado sobre personagens bíblicos que foram perseguidos pelas autoridades, traçando um paralelo com a sua trajetória.
"Por que Daniel foi jogado na cova dos leões? (...) Nós somos Daniel. Ele não temeu, não se intimidou, não se escondeu por causa das acusações", disse ele, no púlpito, no fim de março, logo após estourar o escândalo. No início de abril, o pastor lembrou que Jó foi "humilhado, desrespeitado, duvidado (...) perdeu dinheiro, influência", mas depois foi recompensado por manter a sua fé.
No fim de um dos cultos ocorrido no fim de abril, a reportagem do Globo o abordou para que ele pudesse comentar sobre as acusações. Mas ele respondeu que daria uma resposta no "tempo certo".
Na última semana, dois dias depois de ter sido solto da cadeia, o líder religioso publicou um vídeo no Facebook no qual um membro da igreja o chamava de "prisioneiro de Cristo".