Efeitos negativos da PEC Eleitoral serão duradouros, apontam especialistas
Medida aumenta pressão na inflação e na alta de juros, além de levar a crescimento mais baixo, dizem
Caso a PEC Eleitoral aprovada no Senado na quinta-feira passe também pelo crivo dos deputados, os efeitos não ficarão restritos apenas para o segundo semestre de 2022, apontam especialistas.
O impacto de curto prazo já pode ser visto no mercado financeiro, com a alta do dólar no pregão desta sexta-feira. No longo prazo economistas ouvidos pelo Globo apontam que os efeitos serão sentidos por meio de mais pressão na inflação e na alta de juros, além de crescimento mais baixo.
Bráulio Borges, pesquisador associado da área de Economia Aplicada do FGV IBRE, ressalta que a PEC contraria “uma questão básica” das regras fiscais que é evitar que se faça de “tudo e mais um pouco” em ano de eleição.
— As regras fiscais surgem dentre outros aspectos para evitar isso e essa PEC claramente vai contra isso. É uma maneira de criar um benefício bem oportunístico às vésperas da eleição, para tentar impulsionar a competitividade eleitoral do atual governo — disse.
Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos, ressalta que a situação fiscal do país vem melhorando nos últimos meses, mas ainda é muito delicada e a PEC aprovada é “mais uma medida” no sentido de flexibilizar o teto de gastos.
— Em que pese a pertinência da medida (aumento do Auxílio Brasil) é importante pensar em como isso vai ser pago ao longo do tempo e apesar da PEC dizer que é temporário, parte do mercado diz: E se o auxílio se tornar permanente? — disse Megale.
O impacto negativo na credibilidade fiscal do país é reforçado pela percepção de que esses gastos não ficarão restritos ao segundo semestre de 2022, mas serão permanentes por conta da política, ressalta o pesquisador da FGV, Bráulio Borges.
— A gente sabe pela economia política do Brasil que dificilmente a gente vai conseguir retirar tudo isso no ano que vem. O mercado já tá colocando no preço de que boa parte da piora do déficit que vai ser gerado vai ser incorporada de maneira permanente mesmo com o preço dos combustíveis caindo e a guerra evoluindo favoravelmente — apontou.
Na avaliação de analistas de mercado e de ex-presidentes e dirigentes do Banco Central (BC), o movimento é influenciado tanto pelo cenário externo, com o processo de aperto monetário, iniciado por bancos centrais de economias desenvolvidas, quanto pelo recente aumento do risco fiscal.
— O Federal Reserve (o BC americano) já começou a aumentar as taxas. O Banco Central Europeu também está mudando postura e esse processo de aperto monetário lá fora, com os juros mais altos nos países desenvolvidos reduz a atratividade de moedas de países emergentes, de maneira geral. Esse fenômeno é importante e tem colaborado para encarecer o dólar —disse o economista e ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman.
Para ele, o noticiário fiscal tende a ganhar mais peso aos olhos do mercado neste segundo semestre:
— Estamos vendo que finalmente caíram em si. Os sinais de que tinha uma deterioração fiscal em curso já vinham, mas se materializaram com a aprovação da PEC. Não só jogamos R$ 40 bilhões a mais em termos de gastos públicos, mas se alguém ainda duvidada, vimos que o regime fiscal não é sólido. Você consegue enfiar na Constituição até auxílio-taxista.
Além do que já foi aprovado, há o receio de que a porteira esteja aberta para mais gastos à medida que o período eleitoral se aproxima.
—Essa resposta que tivemos no mercado de câmbio mostra isso. Um crescente desconforto em relação à situação fiscal e a falta de compromisso do Executivo e do Legislativo com as contas públicas — afirma o Diretor-Presidente da Tendências Consultoria e ex-presidente do Banco Central, Gustavo Loyola.
Para os analistas, a medida atrapalha o trabalho do BC em conter juros. Tanto Schwartsman quanto Loyola acreditam que a autoridade monetária terá que elevar juros além da reunião de agosto, quando se esperava a última alta da Selic.
— Isso é um verdadeiro tiro no pé, porque atrapalha a busca de redução da inflação, aumentam as incertezas e vai fazer que a taxa de juros no Brasil fique mais alta por mais tempo. Vai ser difícil o Banco Central não ter que fazer isso. Acredito que vão ter mais duas altas de juros — destaca Loyola.
O país até vinha apresentando dados de atividade e no quadro fiscal mais positivos, como a redução do indicador dívida/PIB. No entanto, a sinalização de descompromisso com as regras fiscais acaba preponderando.
— Existe uma insegurança institucional no Brasil muito forte. Com essa perda de votos nas pesquisas (de Bolsonaro) e o aumento de despesas, aumentam as incertezas e tem uma valorização do dólar, uma alta dos juros, e a expectativa de inflação aumenta — disse o sócio da Tendências Consultoria e especialista em câmbio, Nathan Blanche.
Blanche ainda destaca que o real se beneficia do patamar alto de commodities. Para o restante do ano, segundo ele, o nível de retomada da atividade econômica na China e o desenrolar do processo de aperto monetário do Fed vão ser importantes guias para o comportamento do câmbio.
— Nós temos que fazer o dever de casa, porque não podemos interferir em relação à guerra e à política monetária do Fed — disse Loyola.
Mais inflação e pressão nos juros
Na decisão da última alta de juros para 13,25%, o Banco Central ressaltou que um dos fatores que influenciaram nas próximas decisões de política monetária seria a política fiscal.
Segundo a ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), a incerteza sobre o arcabouço fiscal do país e políticas que “impliquem em sustentação da demanda agregada” elevavam os riscos de alta de juros.
Esse ponto afeta a estratégia do BC porque a trajetória de alta nos juros básicos, a Selic, freia a economia ao diminuir o consumo, o que, por sua vez, arrefece a inflação. A PEC Eleitoral injeta dinheiro fazendo justamente o efeito contrário.
Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital, reforça que a PEC vai gerar mais inflação no curto prazo e pressiona o Banco Central em duas frentes. O primeiro é nas expectativas de mercado, que devem subir e são usadas pelo BC para calcular seus próximos passos. O segundo é justamente pelo consumo.
— Além de ser um gasto muito elevado, quem vai ter acesso a esses recursos serão as pessoas que compõem a base da pirâmide social, são as pessoas que vão transformar esse dinheiro em consumo, não vai existir poupança — disse.
Câmbio
O economista-chefe da XP ressalta também que a alta no câmbio, alimentada pela elevação do risco fiscal, afeta as decisões de juros do Banco Central. Megale explica que a situação global de alta nos juros em outras economias poderia ajudar a desinflação no país, mas o efeito pode ser mitigado pela alta do dólar.
— O problema é que se o câmbio depreciar demais, essa depreciação do câmbio mitiga ou eventualmente até anula o efeito da desinflação global. Então de alguma forma o aumento do risco fiscal, impacto no câmbio, ele torna mais desafiador trazer inflação para baixo do que seria se o câmbio estivesse tranquilo perto de R$ 5 — aponta.
Nesse cenário de demanda aquecida, impacto nas expectativas e dólar em um patamar mais alto, o BC pode ter que elevar os juros para além dos 13,75% previstos atualmente pela XP ou manter nesse patamar por um tempo mais elevado, ressalta Megale.
O presidente do BC costuma dizer, e repetiu na semana passada, que o BC não tem papel na política fiscal. Apenas aguarda as decisões do governo e faz as análises para então decidir o melhor caminho na sua estratégia de cumprir a meta de inflação.
Menos crescimento
Argenta, da CM Capital, aponta que a PEC deve contribuir positivamente para o PIB no curto prazo porque estimula o consumo das famílias, fator com grande impacto no cálculo da atividade, mas traz riscos para o crescimento estrutural.
— O problema é que isso pode ter mais um voo de galinha como os que tivemos, é preciso que essa mudança seja estrutural e não pontual com fins claramente eleitorais como estamos vendo agora — disse.
O economista-chefe da XP concorda e ressalta que a PEC “antecipa crescimento”, destacando que a atividade deve ser mais forte no terceiro trimestre, mas compromete a capacidade de crescimento de longo prazo.
— Provavelmente a gente vai ver revisões para cima do crescimento do PIB este ano, mas com pressão de juros, risco de inflação permanentemente mais alta, isso compromete a capacidade de crescer ao longo do tempo, que é mais importante do que o crescimento de um ano específico — alerta.