Retirada de civis no Donbass ucraniano segue ante implacável avanço russo
Cidade que tinha 100 mil habitantes antes da guerra, continuou sendo evacuada nesta quarta-feira (6)
A retirada de civis continuou nesta quarta-feira (6) na cidade ucraniana de Sloviansk diante do avanço das forças russas, que buscam conquistar toda a bacia de mineração do Donbass, no leste do país.
A cidade, que antes da guerra tinha 100.000 habitantes, é alvo de bombardeios russos em larga escala há vários dias.
"Vinte e dois anos de trabalho, e perdi tudo", lamentou Yevgen Oleksandrovych, de 66 anos, em conversa com a AFP, enquanto observava sua loja de autopeças reduzida a escombros.
Nessa terça-feira (5), jornalistas da AFP foram testemunhas da queda de vários foguetes sobre o mercado da cidade e em ruas adjacentes, onde os bombeiros multiplicavam suas intervenções para apagar os incêndios.
A parte do mercado que não ficou danificada continuou funcionando e atendendo clientes.
"Vou liquidar o que resta, e é isso, ficaremos em casa. Temos porões, vamos nos esconder lá. O que podemos fazer? Não temos para onde ir, ninguém precisa de nós", disse Galyna Vasyliivna, vendedora de frutas e verduras de 72 anos.
O prefeito de Sloviansk, Vadym Lyakh, declarou que ainda há cerca de 23.000 pessoas na cidade, mas afirmou que os russos não conseguiram cercar o município.
"Desde que começaram as hostilidades, 17 moradores da comunidade morreram, e 67 ficaram feridos", afirmou.
"A retirada está em andamento. Estamos retirando pessoas todos os dias. Ainda restam cerca de 23.000 habitantes. Muitos foram levados de ônibus até Dnipro, mais a oeste", relatou.
"A cidade está bem fortificada, a Rússia não consegue avançar", afirmou.
Vitaliy, um encanador, disse que sua esposa e filha, que está grávida de seis meses, foram retiradas de Sloviansk nesta quarta-feira.
"Estou com medo por minha esposa", disse ele à AFP. "Aqui, depois do que aconteceu ontem, quando atacaram o centro da cidade, precisamos sair", explicou.
"Enviei minha esposa, não tenho escolha: amanhã vou me alistar no exército", disse ele.
Pressão
A resistência ucraniana obrigou a Rússia a abandonar seu objetivo de tomar Kiev rapidamente, após lançar sua invasão em 24 de fevereiro.
A ofensiva se concentrou, então, no Donbass, já parcialmente controlado por separatistas pró-russos desde 2014.
Essa bacia de mineração é composta pelas regiões de Luhansk - que as forças russas assumiram quase completamente - e Donetsk, onde atualmente concentram seus ataques.
A queda de Lysychansk no domingo, uma semana após a retirada do exército ucraniano da vizinha Severodonetsk, abriu caminho para a cidade de Donetsk.
O governador de Donetsk, Pavlo Kyrylenko, disse que as forças russas mataram cinco civis e feriram outros 21 na região na terça-feira.
Por sua vez, o governador de Luhansk, Serhiy Haiday, afirmou que os militares ucranianos estavam conseguindo repelir as tropas russas.
"Ontem, os russos queriam avançar para o oblast [província] de Donetsk e cortar a estrada entre Bakhmut e Lysychansk [...], mas o inimigo teve que voltar por causa da pressão do nosso exército", disse ele.
Haiday insistiu em afirmar que a Rússia não controla toda a região de Luhansk, e destacou que "ainda há combates em duas cidades".
Armas pesadas
Na terça-feira, as sirenes antiaéreas soaram em boa parte do país, incluindo na capital nacional, Kiev.
No entanto, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, exaltou em sua mensagem diário a nova artilharia pesada ocidental que aumentou o poder de fogo de suas tropas.
"As armas que recebemos de nossos parceiros começaram a funcionar de maneira muito poderosa. Sua precisão é exatamente como deveria ser", assinalou.
"Nossos defensores infligem golpes notáveis contra armazéns e outros pontos que são importantes para a logística da ocupação. E isso reduz significativamente o poder ofensivo do exército russo", afirmou Zelensky.
O ex-presidente russo Dmitry Medvedev mencionou um eventual uso de armas nucleares e descartou que seu país seja alvo de sanções por parte da Justiça internacional, no momento em que o Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, investiga acusações de crimes de guerra na Ucrânia.
"A mera ideia de punir um país que possui o maior arsenal nuclear do mundo é um absurdo por si só. Isso cria uma potencial ameaça à existência da humanidade", escreveu no Telegram o atual vice-presidente do poderoso Conselho de Segurança da Rússia.
E, ainda nesta quarta, a Rússia introduziu penas de prisão severas, de até sete anos, para quem insistir em agir contra a segurança nacional, em um contexto de forte repressão às vozes contrárias à ofensiva na Ucrânia.
A guerra na Ucrânia e as sanções contra a Rússia provocaram uma interrupção nas exportações dos dois países, com consequências como o aumento dos preços de grãos e fertilizantes em todo mundo, assim como no abastecimento de energia na Europa.
A União Europeia (UE) anunciou que fará uma reunião extraordinária, no final do mês, para discutir a situação do setor energético no bloco.
"Precisamos nos preparar para mais interrupções no fornecimento de gás, até mesmo um corte completo [do fornecimento] da Rússia", alertou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.