Economia

Combustível no Brasil é um dos mais caros do mundo, diz associação global de empresas aéreas

Vice-presidente da Iata afirma que os governos federal e estaduais devem cortar impostos sobre o querosene de aviação

O vice-presidente da Iata para as Américas, Peter Cerdá - Divulgação

A Associação Internacional de Transportes Aéreos (Iata), entidade internacional que representa as companhias aéreas, tem intensificado tratativas junto ao governo brasileiro e ao Congresso para que o poder público mude a política de preços para o querosene de aviação (QAV) no país, que já acumula alta de 70% neste ano. Em entrevista ao Globo, o vice-presidente da Iata para as Américas, Peter Cerdá, diz que o combustível brasileiro é um dos mais caros do mundo e que os governos federal e estaduais deveriam reduzir impostos sobre o QAV.

O senhor se reuniu recentemente com líderes do Congresso brasileiro para expor preocupações do setor aéreo. Quais são elas?

Viemos falar sobre (o dispositivo legal vetado por Bolsonaro que garantia) gratuidade de bagagens em voos domésticos e sobre o elevado preço dos combustíveis. O setor economicamente está deixando o cenário da pandemia com muitos desafios. Nossa indústria depende do que acontece globalmente, mas é também afetada pelas políticas locais. A guerra da Ucrânia tem grande impacto no preço dos combustíveis, que está muito alto agora. Tem ainda um impacto no setor de carga, porque Ucrânia e Rússia têm grandes operadores de carga que agora não têm voado.

O combustível de aviação é mais caro no Brasil do que em outros países?

Sim, o combustível do Brasil está entre os mais caros do mundo. Aqui, o combustível é vendido aqui para as aéreas como se fosse uma commodity internacional, mas a maior parte do querosene de aviação é produzida localmente no país. Cobra-se um preço como se ele fosse importado, em dólares, em meio a um câmbio muito desvalorizado, e ainda com uma alta carga tributária sobre ele. Essa combinação torna o querosene de aviação muito caro no Brasil e faz com que a recuperação da aviação seja mais difícil.

Essa alta de preços de combustível precisa ser controlada. O governo federal tem dado algum suporte nisso, mas precisamos dos estados também. Boa parte dos tributos (sobre o QAV) vai para os estados. Os governadores são os primeiros a reclamar quando as companhias aéreas reduzem voos e rotas para seus estados. Bem, se é muito caro viajar ao seu estado, não reclame comigo quando as linhas aéreas nacionais não voarem mais para lá. Precisamos da ajuda deles, reduzindo alguns desses impostos para que haja mais conectividade. No governo federal, há oportunidades também.

O senhor menciona a política de preços, que é da Petrobras, uma empresa estatal controlada pelo governo federal e que tem praticado há anos preços internacionais. Além disso, a alta de preços de combustíveis é internacional. Como a indústria lida com isso em outros países?

Em alguns países, houve eliminação ou redução de impostos sobre combustíveis, mas o problema aqui não existe só agora porque o combustível está alto, nós sempre dissemos que era um problema. O Brasil sempre foi um dos países com o combustível de aviação mais caro. Embora o preço flutue de acordo com o câmbio, nunca será em um patamar realmente competitivo por causa do alto nível de impostos sobre ele.

A Petrobras é um monopólio e isso torna as coisas mais difíceis. E é aí que o governo federal pode ter um importante papel (como controlador da empresa). Precisamos que o governo desempenhe um papel como outros governos intercederam em seus regimes, como na Europa, nos Estados Unidos, no Canadá.

Como o senhor menciona, é um problema antigo. Por que mudar agora?

As coisas estão mais caras agora. O combustível é de 35% a 55% do nosso custo operacional. Chegamos a um ponto em que as companhias aéreas não vão mais conseguir sobreviver se o combustível permanecer nesse patamar por muito tempo. No final, quem vai sofrer mais serão os consumidores. O sistema de ônibus tem subsídios no combustível, mas a aviação não.

O setor também critica a incerteza regulatória no país e cita a questão da gratuidade de bagagens à qual o setor se opõe…

A questão da bagagem é um exemplo, mas o que o Brasil realmente precisaria é de estabilidade legislativa e política. A cada dois anos, aqui, os temas voltam a ser discutidos. Se não é o tema das bagagens, é algum outro que volta a ser rediscutido. Numa perspectiva global, isso não acontece em outros países do mundo. Os governos não intervêm nas políticas comerciais das companhias aéreas.

Nessa questão da bagagem, os parlamentares acham que estão ajudando o consumidor (ao aprovar a gratuidade da bagagem), mas não estão. Na verdade, estão piorando a situação. Para um país com a população e o tamanho geográfico do Brasil, deveríamos ter mais viajantes. Hoje, são 95 milhões de viagens ao ano, é algo em torno de 0,45 viagem por pessoa. Nos Estados Unidos, são 2,5 viagens por pessoa. Na Espanha, 4,45. No Chile, 1,2 viagem per capita ao ano. O que há em comum nesses países é um mercado livre na comercialização, competição no setor, políticas públicas de aviação alinhadas ao padrão internacional, custos e impostos transparentes. É um ambiente propício ao sucesso. O Brasil tem estado no caminho correto nos últimos dois anos, temos tido uma relação próxima com a Anac, mas precisamos dos deputados e senadores e que eles entendam que a aviação não é uma commodity de ricos, que deve ser vista como uma forma de transporte que deve ser acessível. Viajar de avião ficou muito mais barato em um passado recente, mas quando você tem combustível muito caro e muita tributação, é difícil.

Apesar desses problemas, o nível da demanda no mercado doméstico brasileiro tem se recuperado rapidamente. Por quê?

Sim, tem se recuperando fortemente. No cenário doméstico, já está melhor do que os níveis de 2018, em termos de passageiros. Também voltou a ter um nível de conectividade que poucos países no mundo voltaram a ter. Em alguns países ainda há restrições sanitárias. O setor no Brasil é atuante, e o país nunca fechou fronteiras, mas está numa situação muito delicada agora. Temos um dólar forte, um combustível muito caro e um ambiente regulatório que demanda preocupações.

O Brasil precisa entender que as repercussões de uma eventual mudança nesse tema das bagagens não são apenas locais, mas também internacionais. Há acordos de céus abertos em vigência e do qual o Brasil faz parte, o governo americano olha para essa questão no Brasil.

Qual seria o impacto de uma eventual estabelecimento de franquia de bagagem para o Brasil nesse cenário internacional?

O acordo de céus abertos diz claramente que os governos se comprometem a não intervir (em políticas comerciais), uma violação poderia ser um problema político.

O senhor diz que essa política poderia minar a competitividade do setor no Brasil, mas hoje o mercado brasileiro é distribuído entre três grandes companhias aéreas...

O governo fala em atrair mais linhas aéreas, mas certamente elas não virão se não houver um ambiente regulatório competitivo. As linhas aéreas brasileiras mantêm no Brasil hoje um nível de conectividade muito melhor do que há dez anos, quando também havia três grandes linhas aéreas. Há oportunidades para que haja um crescimento contínuo no país, mas quando o município de Guarulhos fala em criar uma taxa ambiental cobrada dos voos por pouso, me pergunto por que estão querendo dar um tiro no pé.

Por que o setor é contra a Taxa de Preservação Ambiental de Guarulhos?

É um novo imposto municipal, terá um impacto nos empregos (de limitar crescimento de vagas).

Há o risco de voos mudarem do aeroporto para concorrentes como o Galeão, por exemplo, por causa da taxa?

Sim. Essa nova taxa não traz benefícios. O argumento é que é ambiental, mas a indústria aérea como um todo tem um forte compromisso para reduzir sua pegada de carbono. Se você olhar para os aviões que pousamos em Guarulhos hoje, a maioria da frota é moderna. Os aviões são jovens (modelos mais novos emitem menos poluentes). Se você olha para Azul, Gol e Latam, são empresas com frota jovem e eficiente. As principais empresas internacionais também operam aviões novos e com maior eficiência no uso do combustível.

Esse tipo de problemas não ocorre em outros países?

O aumento de custos é um problema em todo o mundo, mas quando você olha para países como Peru e Colômbia, vê que novas companhias aéreas se instalaram ali durante a pandemia, como Jetsmart e Volar. Durante a pior crise da história da indústria, empresas viram ali oportunidades de mercado e facilidade para se instalar ali. Eles não têm altas cargas tributárias e o ambiente regulatório é bom. A pergunta é por que isso não acontece agora no Brasil? A razão é o ambiente regulatório e o custo alto. Tão rápido quanto resolvermos esses problemas, mais empresas virão.